segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Mônica Bergamo

folha de são paulo

Para empresas, burocracia é o principal entrave às exportações brasileiras

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Uma pesquisa feita pela CNI (Confederação Nacional da Indústria) com 600 empresas mostra que, para 44%, a burocracia alfandegária e aduaneira é o principal entrave às exportações de produtos brasileiros. Só perde para a taxa de câmbio, um problema para 46% dos executivos entrevistados.
PAPEL PASSADO
A burocracia tributária é apontada como um fator de dificuldade por 28% das empresas e as greves, por 27%. Para a CNI, um acordo para a facilitação do comércio, que pode ser assinado na reunião da OMC (Organização Mundial do Comércio) em Bali, em dezembro, deve ser instrumento eficiente para diminuir os entraves.
PAPEL 2
O acordo prevê, entre outros pontos, a redução de prazo e simplifica os processos para entrada e saída de mercadorias em 159 países membros da organização.
QUE PENA
A prisão de Ronilson Bezerra Rodrigues, que comandou a Receita Municipal e é acusado de ter liderado esquema de desvio de cerca de R$ 500 milhões, teve grande impacto na sede da Prefeitura de SP. Ele era querido por muitos funcionários.
*
Alguns ex-colegas do auditor chegaram a chorar.
CINEMA EM CASA
O jornalista Ruy Nogueira e Valquiria Sais ofereceram jantar em homenagem a Giuliano Manfredini, filho de Renato Russo, e ao ator Fabrício Boliveira. Ele protagoniza o filme "Faroeste Caboclo", inspirado na canção homônima do ex-líder da banda Legião Urbana. O diretor do longa, René Sampaio, foi ao encontro.

Filho de Renato Russo é homenageado

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Zé Carlos Barretta/Folhapress
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Giuliano Manfredini, filho de Renato Russo, ex-líder da Legião Urbana, foi homenageado em jantar oferecido por Ruy Nogueira e Valquiria Sais
A VOLTA...
Deputados federais buscam saída para manter a Subcomissão de Cultura e Direitos Humanos, extinta por pressão da bancada evangélica. A troca do nome --para evitar suposto conflito de competências com a Comissão de Direitos Humanos-- e adaptações no plano de trabalho são estudadas. A presidência da Câmara deve dar parecer nos próximos dias.
...DOS QUE NÃO FORAM
"O nome pouco importa", diz Jandira Feghali (PCdoB-RJ), presidente da Comissão de Cultura, à qual a subcomissão pertence. "O que importa é o tema: a relação entre direitos humanos e cultura. E dele não abrimos mão."
DNA
Cynthia Salles/Divulgação/TV Globo
O ator Ricardo Graça Mello gravou participação na série "Pé na Cova", em episódio sobre circo que vai ao ar amanhã na Globo; ele surge como apresentador e palhaço e atua ao lado da mãe, Marília Pêra, estrela da atração.
PÁGINA VIRADA
Costanza Pascolato chamou atenção na primeira fila dos desfiles da SPFW pela energia e elegância de sempre. Há 50 dias, ela finalizou tratamento de um câncer de mama. "Tenho muita sorte, pois faço exame a cada seis meses. Estava bem no comecinho." A consultora de moda foi submetida a uma cirurgia, seguida de um mês e meio de radioterapia. Há 20 anos, ela havia tratado de um tumor na outra mama.
PÁGINA REVISTA
Plenamente recuperada, Costanza se prepara para a maratona de relançamento do seu livro "O Essencial", bíblia fashion lançada em 1998. "Agora será um guia mais popular, com uma linguagem mais 'interneteira'."
NADA AZUL
A Sociedade Brasileira de Urologia será homenageada hoje no Congresso Nacional pelas suas ações de conscientização e orientação sobre o câncer de próstata, chamadas de Novembro Azul. O Instituto Nacional de Câncer (Inca) estima que o número de casos novos pode chegar a 60.180 por ano, superando o de mama (52.680).
NADA AZUL 2
Será criada uma Frente Parlamentar de Atenção Integral à Saúde do Homem para discutir a assistência precária no SUS. Enquanto 16 milhões consultam o ginecologista, apenas 2 milhões vão ao urologista. Nos próximos dias, haverá campanha em estádios de futebol para conscientizar os homens.
PEDRA SOBRE PEDRA
O arquiteto Paulo Mendes da Rocha fez palestra na abertura da conferência Ideas City, no Sesc Pompeia. A artista plástica Jac Leirner, o músico Arto Lindsay e a curadora Corinne Erni, que também participam do projeto, estiveram no local.

Paulo Mendes da Rocha dá palestra

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Zanone Fraissat/Folhapress
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O arquiteto Paulo Mendes da Rocha fez palestra na abertura da conferência Ideas City, no Sesc Pompeia
CURTO-CIRCUITO
O decorador José Antonio de Castro Bernardes lança hoje o livro "25 Anos de Festa", no Clube Harmonia. A partir das 17h.
Elba Ramalho recebe o título de cidadã paulistana, hoje, na Câmara Municipal.
Jana Rosa e Camila Fremder autografam hoje o livro "Como Ter uma Vida Normal Sendo Louca", às 19h, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional.
O Santander inicia hoje a campanha Amigo de Valor 2013, que destina recursos para a infância.
Alex Atala recebe hoje convidados no lançamento do livro "D.O.M. - Redescobrindo Ingredientes Brasileiros", no estúdio do fotógrafo Sérgio Coimbra, no Itaim.
com ELIANE TRINDADE, JOELMIR TAVARES, ANA KREPP e MARCELA PAES
Mônica Bergamo
Mônica Bergamo, jornalista, assina coluna diária publicada na página 2 da versão impressa de "Ilustrada". Traz informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999.

Gregorio Duvivier

folha de são paulo
Nosso filho
O comediante não pode mais fazer piada cegando gato. Vai ver era um experimento, tipo Instituto Royal
Deve ter havido algum engano. Nosso filho não pode ter sido reprovado. Aposto que foi nessas matérias que ninguém se importa. Matemática, por exemplo, é uma coisa muito subjetiva. Vocês estão dizendo que x não é igual a y. Se ele tá dizendo que é, aposto que é. Ou então, que ainda vai ser. Matemática é uma coisa que muda o tempo todo. Daqui a pouco tá lá na "Superinteressante": x agora é igual a y. Vocês vão ler e perceber: reprovaram o Marcelinho à toa. Imagina a vergonha de vocês.
Acho que vocês deviam levar em conta outros critérios. Por exemplo: ele tem muitos amigos. É querido por todos. Não. Eu não acredito nessa história que ele bateu num garoto. Deve ter sido um carinho. Um afago. É que ele tem a mão pesada. Às vezes parece porrada, mas é amor. Esse meu braço engessado, por exemplo, foi um abracinho.
Ele chamou a menina de piranha? Duvido. Quer dizer, pode ter chamado. Mas, pra começar, essa menina, no caso, é uma piranha. Eu sei que ela só tem sete anos. Mas todo o mundo sabe que ela é uma piranha. Ele me falou. Parece que ela já beijou três meninos. Agora é crime falar a verdade? Que mania de bullying. Tudo é bullying. Deve ter sido um stand-up. Nosso filho é um comediante nato. Hoje em dia, ninguém mais pode zuar uma criança piranha que as pessoas já chamam de bullying. Essa patrulha do politicamente correto tá deixando ele com as mãos atadas.
Quando ele diz que o amigo negro é um macaco, por exemplo, ele está fazendo uma piada. Não é racismo. Sabe por quê? Porque ninguém na família dele é racista. A gente aqui em casa ouve um pagode, assiste ao "Esquenta!", torce pelo Corinthians. Esse negócio de negro-macaco deve ter sido um stand-up que ele faz. Inclusive ele adora animais.
Sim, teve aquela vez em que ele cegou um gato. Sim, isso é verdade. Mas, pra começar, a gente não sabe o que o gato fez pra merecer aquilo. Ele é um garoto justo. A gente só tem a versão do gato. Provavelmente era um stand-up que envolvia cegar o gato. Hoje em dia, o comediante não pode mais fazer nenhuma piada cegando gato. Vai ver era um experimento, tipo Instituto Royal. Às vezes um gato precisa perder um olho pro mundo ganhar a cura do câncer.
Vocês têm que entender que não tá fácil pra ele. Ele tem sete anos e 18 processos nas costas. No sábado, ele faz três sessões de stand-up pra pagar as despesas com advogado. A agente dele me mata se eu contar pra ela que ele não passou.

    Luiz Felipe Pondé

    folha de são paulo
    Eu acuso
    O bullying ideológico com os mais jovens é apenas o efeito, a causa é maior
    Muitos alunos de universidade e ensino médio estão sendo acuados em sala de aula por recusarem a pregação marxista. São reprovados em trabalhos ou taxados de egoístas e insensíveis. No Enem, questões ideológicas obrigam esses jovens a "fingirem" que são marxistas para não terem resultados ruins.
    Estamos entrando numa época de trevas no país. O bullying ideológico com os mais jovens é apenas o efeito, a causa é maior. Vejamos.
    No cenário geral, desde a maldita ditadura, colou no país a imagem de que a esquerda é amante da liberdade. Mentira. Só analfabeto em história pensa isso. Também colou a imagem de que ela foi vítima da ditadura. Claro, muitas pessoas o foram, sofreram terríveis torturas e isso deve ser apurado. Mas, refiro-me ao projeto político da esquerda. Este se saiu muito bem porque conseguiu vender a imagem de que a esquerda é amante da liberdade, quando na realidade é extremamente autoritária.
    Nas universidades, tomaram as ciências humanas, principalmente as sociais, a ponto de fazerem da universidade púlpito de pregação. No ensino médio, assumem que a única coisa que os alunos devem conhecer como "estudo do meio" é a realidade do MST, como se o mundo fosse feito apenas por seus parceiros políticos. Demonizam a atividade empresarial como se esta fosse feita por criminosos usurários. Se pudessem, sacrificariam um Shylock por dia.
    Estamos entrando num período de trevas. Nos partidos políticos, a seita tomou o espectro ideológico na sua quase totalidade. Só há partidos de esquerda, centro-esquerda, esquerda corrupta (o que é normalíssimo) e do "pântano". Não há outra opção.
    A camada média dos agentes da mídia também é bastante tomada por crentes. A própria magistratura não escapa da influência do credo em questão. Artistas brincam de amantes dos "black blocs" e se esquecem que tudo que têm vem do mercado de bens culturais. Mas o fato é que brincar de simpatizante de mascarado vende disco.
    Em vez do debate de ideias, passam à violência difamatória, intimidação e recusam o jogo democrático em nome de uma suposta santidade política e moral que a história do século 20 na sua totalidade desmente. Usam táticas do fascismo mais antigo: eliminar o descrente antes de tudo pela redução dele ao silêncio, apostando no medo.
    Mesmos os institutos culturais financiados por bancos despejam rios de dinheiro na formação de jovens intelectuais contra a sociedade de mercado, contra a liberdade de expressão e a favor do flerte com a violência "revolucionária".
    Além da opção dos bancos por investirem em intelectuais da seita marxista (e suas similares), como a maioria esmagadora dos departamentos de ciências humanas estão fechados aos não crentes, dezenas de jovens não crentes na seita marxista soçobram no vazio profissional.
    Logo quase não haverá resistência ao ataque à democracia entre nós. A ameaça da ditadura volta, não carregada por um golpe, mas erguida por um lento processo de aniquilamento de qualquer pensamento possível contra a seita.
    E aí voltamos aos alunos. Além de sofrerem nas mãos de professores (claro que não se trata da totalidade da categoria) que acuam os não crentes, acusando-os de antiéticos porque não comungam com a crença "cubana", muitos desses jovens veem seu dia a dia confiscado pelo autoritarismo de colegas que se arvoram em representantes dos alunos ou das instituições de ensino, criando impasses cotidianos como invasão de reitorias e greves votadas por uma minoria que sequestra a liberdade da maioria de viver sua vida em paz.
    Muitos desses movimentos são autoritários, inclusive porque trabalham também com a intimidação e difamação dos colegas não crentes. Pura truculência ideológica.
    Como estes não crentes não formam um grupo, não são articulados nem têm tempo para sê-lo, a truculência dos autoritários faz um estrago diante da inexistência de uma resistência organizada.
    Recebo muitos e-mails desses jovens. Um deles, especificamente, já desistiu de dois cursos de humanas por não aceitar a pregação. Uma vergonha para nós.

    domingo, 3 de novembro de 2013

    Vinicius Torres Freire

    folha de são paulo

    Dilma e a malhação de Eike

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    É fácil esculhambar o governo. Tão fácil quanto implicar com Dilma Rousseff. Motivos não faltam, do seu método antissintático de discursar às suas ideias econômicas. Desovar o cadáver empresarial de Eike Batista na cozinha da presidente, porém, parece mais difícil.
    Essa é uma das ficções mais ou menos sórdidas que a gente ouve a propósito da ruína espalhafatosa das empresas de Batista. Muitos "ricos & famosos" que bajulavam o empresário agora chutam o seu corpo estendido no chão.
    A história ao mesmo tempo mais divertida e mais revoltante é a de que a bolha de Batista foi inflada pelo governo e que o empresário "enganou o mercado". Enganou o Pimco? O BlackRock? Ah, coitado desse pessoalzinho, que senta sobre os maiores potes de dinheiro da galáxia.
    Sim, quando Batista ainda parecia um tipo belo e faceiro, Dilma Rousseff dizia mimos dele, tais como "nosso padrão, nossa expectativa e orgulho do Brasil quando se trata de um empresário do setor privado", "um tipo especial de empreendedor, que delimita o seu sonho de forma ambiciosa" (sim, rir, rir, rir). A presidente pegava então, abril de 2012, uma carona tardia na adulação de Batista.
    O problema sério mesmo, dizem, porém, seria o BNDES, que ajudou a erguer a pirâmide de Batista. Francamente. O BNDES dá mãozinha e mãozona para 90% das cem maiores empresas do Brasil; para 78% das mil maiores. Faz coisa pior. Por exemplo, barateou o capital de fusão & aquisição das empresas quebradas na bandalheira dos derivativos cambiais de 2008, por exemplo.
    Não se viu o comentarismo econômico e turma chutando a cabeça dos empresários desses casos.
    "Ah, o BNDES emprestou dinheiro para negócio que não deu certo, de risco." Rir, rir, rir. O dia em que o BNDES souber de todos os negócios que darão certo, é melhor fechar o mercado e nomear o banco como gestor perpétuo da perfeita alocação de capital.
    "Ah, mas o BNDES é público." Ok. Fechem o banco, então, mas para todo mundo. E proíbam-se quaisquer garantias públicas a negócios privados, "empréstimos de última instância" etc.
    Para ser sarcástico, mas não muito, privatizem-se de resto todos os grupos industriais brasileiros, beneficiários de décadas de subsídio (desde os anos 1940, vá lá), os bens dos herdeiros do café, cujo preço desde o começo do século 20 foi bancado por subsídio estatal.
    Não pode é ficar com conversinha, indignação seletiva e "escolha dos amigos campeões" no mercado e no empresariado.
    De resto, por falar em "risco", o bancão estatal não é criticado por ajudar negócios já por demais estabelecidos? Enfim, a propósito de avaliação de risco, note-se que no mesmo barco do BNDES estavam o BTG, o Itaú e o pessoal animado que comprou US$ 3,6 bilhões de títulos do "senhor X".
    "Eike enganou o mercado." Poderia ser, em caso de fraude de balanço ou informações técnicas (embora fosse difícil Batista enganar os mamutes com quem negociava).
    Mas não é disso que se trata.
    Se o pessoal mercadista que ora samba sobre o caixão do Império X acha mesmo que seja culpa de um Eike "enganar" tantos, por tanto tempo, no topo da finança mundial, talvez seja melhor a gente esquecer essa coisa de mercado, certo?
    vinicius torres freire
    Vinicius Torres Freire está na Folha desde 1991. Foi Secretário de Redação, editor de 'Dinheiro', 'Opinião', 'Ciência', 'Educação' e correspondente em Paris. Em sua coluna, aborda temas políticos e econômicos. Escreve às terças, quintas e domingos, no caderno 'Mercado'.

    Homofobia, até quando? - Moisés Guimarães

    O GLOBO - 03/11
    À época, os jovens que os atacaram justificaram sua ação dizendo tê-los confundido com um casal gay. A barbárie está para toda a gente

    Recentemente aconteceu uma morte que chocou a cidade de Palmas, Tocantins. Um professor de português de 56 anos foi morto a pedradas na saída da escola onde trabalhava. A barbárie de sua morte teve motivação: o professor assumiu ser gay. Infelizmente, o crime ainda não foi esclarecido. Neste contexto, a demora na apresentação dos culpados acena para um problema ainda maior: o fracasso do poder público em garantir o pleno exercício dos direitos humanos no Brasil. A história da morte desse professor que era pai de três filhas nos faz pensar se o brasileiro está sabendo lidar com as questões ligadas à livre manifestação de afetos, também estas, um direito humano. Não é de hoje que o MEC vem tentando apresentar material didático que possa contemplar as carências de abordagem sobre o tema. Os parâmetros curriculares mencionam a necessidade de trabalhar a diversidade sexual nas unidades escolares como tema transversal, mas falta ainda capacitação adequada ao corpo docente.
    Alguém ainda se lembra do pai que teve a orelha decepada num rodeio em São Paulo só porque estava abraçado ao seu filho? À época, os jovens que os atacaram justificaram sua ação dizendo tê-los confundido com um casal gay. A barbárie está para toda a gente e por todos os lados! Quem será a próxima vítima?
    Vivemos em tempos nos quais a capacidade humana de racionalizar e reagir se mostra condicionada a uma matriz que nos estagna e corrompe. Num contexto onde a revolução digital proporciona ao homem avanços significativos, assistirmos ainda e de forma recorrente casos de homofobia e, muitos deles, sem que a vítima possa se defender; é um retrocesso.
    O que falta para que o poder legislativo compreenda a emergência de atuar no combate às mortes por crime de ódio? Os jovens ou adultos que cometeram esse ato de crueldade com o professor tocantinense continuarão no anonimato e serão incentivados por nossa indiferença. Já é hora de o Brasil acordar!
    Vergonhoso para um país como o nosso ter em sua gente alguém que julga ser legítimo decidir e executar a morte daqueles que se declaram gays. Já não basta a chacota diária que sofrem todos os efeminados? Faz décadas que Chico Buarque compôs “Geni e o Zepelim” e a pedra lançada contra Geni, destituída de sua força poética, ainda sustenta os que valem pela homofobia e por tantas outras ações preconceituosas. Enquanto negarmos direitos às mulheres, aos negros, aos portadores de necessidades especiais, reconhecer a diversidade sexual como uma questão legítima e humana será uma premissa sempre relegada a segundo plano. Enrijecemos muito nosso olhar e nossa sensibilidade com essa pseudotolerância. O comandante do Zepelim que o diga!
    Espero ainda viver num país em que nossas escolas possam ter professores capazes de se assumirem sexualmente sem correrem o risco de serem apedrejados. Que nossas autoridades possam assegurar os direitos de todos, garantindo sua cidadania e dignidade.

    Homem cordial assombra biografias - HELOISA STARLING e LILIA MORITZ SCHWARCZ

    folha de são paulo
    Medos privados em lugares públicos
    Homem cordial assombra biografias
    HELOISA STARLINGLILIA MORITZ SCHWARCZ
    RESUMO "Raízes do Brasil", publicado por Sérgio Buarque de Holanda há quase 80 anos, diagnosticou na cordialidade a rede de relações privadas que comanda a cena pública do país. O homem cordial, símbolo da fluidez entre as duas esferas, reaparece no debate sobre as biografias ao reivindicar para seus desejos o amparo da lei.
    No Brasil, a vida privada ocupa ainda hoje o papel de nossa principal referência. A interpretação mais frequente desse fenômeno aposta na ideia de que a ancoragem no privado é sinal de maturidade democrática. O suposto é que essa expansão democrática se sustenta em direitos e, uma vez que os direitos são respeitados, não há motivo para maior preocupação.
    Tal abordagem converge com o fortalecimento da ideia do indivíduo como personagem de si mesmo e tem sido recorrente para explicar tanto a importância que atribuímos a certa escrita autorreferencial quanto para sustentar o argumento de que só quem viu, sentiu e experimentou pode registrar a verdade dos fatos vividos.
    Visto pela perspectiva do mundo privado, cada um de nós seria, ao mesmo tempo, autor e editor de uma escrita de si: apenas o indivíduo --e sua memória-- seria capaz de ordenar, rearranjar e significar o trajeto de uma vida no suporte de um texto e disso criar uma narrativa; e apenas ele, que conhece a autenticidade de suas ações e emoções, estaria autorizado a expressá-las para si e para os demais.
    Contudo entre as quatro paredes da vida privada se perde muito. Refugiados na intimidade, os indivíduos desfrutam o privilégio de ter seu pequeno mundo só para si; mas falta-lhes uma forma específica de convivência que se define pela presença do outro e pela possibilidade de ser confrontado com suas opiniões. E porque lhes falta, acima de tudo, a liberdade do falar uns com os outros e uns contra os outros, uma única versão acaba por servir como padrão de verdade, seja para medir a própria vida, seja para pensar a sociedade ou narrar a história do país.
    Foi preciso um jovem modernista, indeciso entre a crítica literária e a historiografia, escrevendo sob o impacto das transformações da Era Vargas, para argumentar que, no Brasil, a complexa rede de relações pessoais e privadas comanda a sociabilidade dos brasileiros na cena pública. Mais do que isso: esse comando não traduz a potencialidade de uma esfera privada bem definida; ao contrário, torna evidente que, entre nós, público e privado nunca existiram plenamente; ou melhor, variam em função da situação, do contexto, do status e até do momento.
    Em fins de 1930, esse jovem modernista, Sérgio Buarque de Holanda, então com 28 anos, voltou ao Brasil, depois de uma temporada na Alemanha enviando reportagens para "O Jornal".
    Em Berlim, Sérgio acompanhou a agitação política da República de Weimar e o crescimento do partido nacional-socialista, assistiu sem nenhuma regularidade a aulas de história na universidade, traduziu legendas de filmes para ganhar uns trocados --entre eles "O Anjo Azul", de Sternberg, com Marlene Dietrich-- e caiu na farra. Não se sabe bem como, ainda arrumou tempo para escrever: trouxe, na mala, o esboço de um ensaio intitulado "Teoria da América", com cerca de 400 páginas manuscritas.
    O ensaio sobreviveu, mas alterado pelo impacto da modernização do país nos anos 30, trocou de enfoque e foi publicado como livro, em 1936. "Raízes do Brasil", o livro, nasceu cercado de mal-entendidos e de muita polêmica e se transformou numa obra decisiva de interpretação histórica e de análise sobre os dilemas irresolutos da formação social brasileira.
    CORDIALIDADE Quase 80 anos depois, "Raízes do Brasil" ainda oferece um instrumental crítico para entender o país. O livro diagnostica na cordialidade o traço definidor da nossa cultura e, no seu agente mais famoso --o homem cordial--, um risco para a construção da vida democrática.
    Dominado pelo coração, mobilizado pelo fundo emotivo de seus afetos, o homem cordial é uma anomalia política por sua particular compreensão do mundo público, contaminada, desde o início, pela compulsão que ele sente de estender seus direitos individuais sobre esse mundo, fazendo dele um mero apêndice, o prolongamento de seus interesses particulares e de suas relações pessoais.
    Habituado a transpor quase naturalmente a lógica do mundo privado à cena pública, o homem cordial é um personagem inquietante: ele só consegue viver em uma "pólis" caricata, que se coloca a serviço da proteção narcísica dos cidadãos e se mantém desperta por conta do imediatismo emocional de seus membros.
    "Raízes do Brasil" traz um alerta contra o apego aos "valores da personalidade" cultivados pelo homem cordial e contra a maneira como esses valores incidem sobre as diversas instâncias do Estado, dos partidos políticos, das instituições do mundo público.
    Essa insistência na manutenção de práticas próprias ao privado sobre o que é comum a todos quem sabe signifique dar continuidade a certa forma de sociabilidade da escravidão que sobreviveu alterada no clientelismo rural e resistiu à urbanização, quando a classificação hierárquica manteve-se sustentada por fortes laços pessoais. Seria a cordialidade, talvez, a singularidade da nossa colonização ibérica, marcada por vínculos pessoais, que tornam fluidas delimitações e diferenças entre esferas públicas e privadas de atuação.
    Essa fluidez impede ao homem cordial adquirir a necessária condição de abstração para sustentar a ideia de que a democracia não é só um regime político mas uma forma de sociedade, cujo princípio normativo está na noção de que pessoas obrigadas a obedecer às leis devem ter igual direito, a despeito das diferenças entre elas.
    A mesma fluidez o impede de aceitar o catálogo republicano das liberdades irredutíveis e o leva a relativizar as diferenças que separam sua cena privada e o mundo público, para assegurar seus interesses particulares, solicitar privilégios e prover a censura.
    BIOGRAFIAS Com tudo isso, Sérgio Buarque talvez se espantasse com a maneira como o homem cordial reapareceu na agenda do dia, disposto a marcar o debate sobre o tema das biografias e a reivindicar para suas demandas e desejos individuais o amparo da lei.
    Naturalmente, seus pontos de vista são emanados diretamente do mundo privado: o papel de vítima assumido pelo homem cordial no debate não deixa de ser uma escolha vantajosa. A perpetuação desse papel mantém os termos imaginários de uma injustiça cometida entre indivíduos; já o desejo de compensação, sobretudo monetária, não busca a transformação das condições que produziram o prejuízo, mas a garantia de que ele possa beneficiar-se dessas condições, sempre como vítima.
    Com um ponto de vista vindo da privacidade, o homem cordial defende ser mais seguro para todos aceitar a premissa de que existe uma oposição entre o mundo público e a vida privada e que essa oposição equivale à diferença entre o que deve ser conhecido e o que deve ser ocultado. A premissa é mais do que duvidosa.
    As duas esferas --o espaço íntimo, o mundo comum-- somente podem subsistir sob a forma de coexistência. Mais do que isso: a definição do público e do privado é, na verdade, o desenho de uma fronteira dentro da qual se abrigam, conectam e se desenrolam dimensões diferentes de nossas vidas. Privado e público só se definem um em relação ao outro.
    Não é difícil perceber, dentro dessa fronteira, os modos como se flexiona o privado. Historiadoras que somos, vamos a um exemplo retirado da nossa história.
    Um rei sabidamente, e até hoje, não tem escapatória: sabe que é sempre, e desde que nasce, figura pública. Seu casamento é um contrato de Estado; sua morte é sempre anunciada por uma nova vida; os filhos são antes de mais nada herdeiros; e seus diários íntimos não passam de peças públicas.
    Pedro 2º, por exemplo, ciente de sua condição, guardou para si o que queria preservar e permitiu a exposição, e até utilizou-se dela, quando devia e queria. Ele era visto por todos, todos falavam dele e nem sempre falavam bem. A sátira da época fez de Pedro 2º objeto permanente: suas pernas finas, sua voz estridente, aguda demais para sua altura, maior do que a da média dos brasileiros, tudo foi motivo para chacota de cartunistas como Angelo Agostini.
    E o que dizer do chargista Raphael Bordallo Pinheiro? O português, pouco após a espinhosa promulgação da Lei do Ventre Livre, em 1871, publicou uma brochura em que ridicularizava a mania de movimento do imperador (que não parava de viajar) e debochava da lei polêmica: "No Razilb, seu rei é tão bom que libertou os filhos na barriga (mas não as mães, que por certo não ficaram nada satisfeitas)".
    Não se trata de apresentar um personagem excepcional; d. Pedro apenas sabia que algumas pessoas --como os monarcas, os artistas, os cientistas, as celebridades, os políticos-- têm um pacto com o público. Só é rei quem não perde a realeza; sejam reis monarcas, reis do futebol, reis momos do Carnaval e reis da canção.
    Uma biografia é a evidência mais elementar da profunda conexão entre as esferas pública e privada --somente quando estão articuladas essas esferas conseguem compor o tecido de uma vida, tornando-a real para sempre.
    Escrever sobre uma vida implica interrogar o que os episódios de um destino pessoal têm a dizer sobre as coisas públicas, sobre o mundo e o tempo em que vivemos. E a tarefa de julgar, dizia Hannah Arendt, não é prerrogativa do biógrafo nem do biografado: é privilégio dos outros. Na composição da biografia cabem os grandes tipos, os homens públicos, as celebridades; cabem igualmente personagens miúdos, quase anônimos. Em todos os casos, porém, não cabe tarefa fácil: é muito difícil reconstituir o tempo que inspirou o gesto.
    É preciso calçar os sapatos do morto, na definição preciosa de Evaldo Cabral, para penetrar num tempo que não é o seu, abrir portas que não lhe pertencem, sentir com sentimentos de outras pessoas e tentar compreender a trajetória de uma vida no tempo que lhe foi dado viver; as intervenções que protagonizou no mundo público de sua época com os recursos de que dispunha; a disposição de viver segundo as exigências desse tempo, e não de acordo com as exigências do nosso tempo.
    O historiador anda sempre às voltas com a linha difusa entre resgatar a experiência dos que viveram os fatos, reconhecer nessa experiência seu caráter quebradiço e inconcluso, interpelar seu sentido. Por isso, a biografia é um gênero da historiografia e é essencial para compreendermos os brasileiros que fomos e os que deveríamos ou poderíamos ser. Essa história é pública e ao público pertence.

    Mil vezes obrigado, Lou Reed - Fabio Massari

    folha de são paulo
    ARQUIVO ABERTO
    MEMÓRIAS QUE VIRAM HISTÓRIAS
    Mil vezes obrigado, Lou Reed
    Rio de Janeiro, 1996
    FABIO MASSARIÉ bem possível que, de muitas entrevistas difíceis que tive, a que tentei fazer com Lou Reed seja a pior e a mais famosa.
    Nesse momento de absoluta tristeza (alguém tinha pensado que um cara como Lou Reed podia simplesmente morrer?), quando a parte da nossa vida trilhada por sua música passa acelerada diante dos nossos olhos marejados de blues, me parece oportuno, diria inescapável, revisitar esse encontro e, de algum jeito, promover uma espécie de acerto de contas.
    Não me entenda mal, leitor: essa entrevista televisiva (para a MTV Brasil) com o músico nova-iorquino, que aconteceu em setembro de 1996, às vésperas de suas primeiras apresentações no Brasil (The Hooky Wooky Tour), não deu mesmo bom resultado jornalístico.
    Imagino que nem o mais hábil dos editores teria sido capaz de salvar o material e se virar com a dinâmica trincada, com a eloquência quase sombria da nossa conversa. E é bom que tenha sido assim: o clima instável, as dificuldades específicas desse encontro acabam por validá-lo: não queria que tivesse sido de outro jeito.
    Tudo ia bem no começo. Depois das rápidas formalidades de apresentação, nos instalamos no set armado à beira da piscina do hotel Sheraton, no Rio de Janeiro. Tudo testado e pronto para a ação.
    Como eu tinha acabado de assistir a uma bela apresentação no festival suíço Paleo, em boa parte da área próxima ao palco reservada aos fotógrafos, arrisquei de cara umas considerações impressionistas sobre sua relação com o público, sobre a cumplicidade que ele conseguia estabelecer nessas ocasiões grandiosas. Pareceu agradar. Apesar da sisudez, pensei que tudo estava tranquilo e que teríamos uma boa conversa.
    Mas aí veio a ruptura. Percebi na hora o vacilo que alterou inelutavelmente o andamento dos trabalhos: a pergunta sobre as biografias, ou melhor, a pergunta com referência pontual a uma biografia e ainda uma certa insistência no assunto das biografias e a ele, Lou Reed, como biografado. Mea culpa, mea velvetiana culpa!
    Não tinha mais volta. Foi mínima a alteração em sua linguagem corporal: intensificou-se apenas o movimento sinistro de alisar o curativo que exibia sobre as veias do braço esquerdo. Mas o olhar"¦ O que era intenso e mirava bem no alvo dos meus olhos desde o início transformou-se num objeto perfurocortante e me atravessou como uma flecha. Ou, mais de acordo, como uma espada de samurai.
    Fui em frente, deixando claro que acusara o golpe, reconhecia, e até falamos mais um tempinho: Zappa, guitarras, o legado. Mas realmente já era. Senhor do tempo, Lou Reed devolveu a cada duas perguntas um monossílabo --técnica para lá de pragmática de enxugamento das atividades, basicamente porque, para o entrevistador, cada segundo passa a valer por uma eternidade e meia e, nessas horas, o que você mais quer é que tudo acabe logo.
    Encerramos com um forte aperto de mão e nos despedimos.
    Passados alguns minutos, enquanto eu e a equipe nos preparávamos para bater em retirada, vi Lou caminhar em minha direção.
    Com um leve cutucão no ombro e algo parecido com um sorriso, puxou conversa. Foi logo explicando, por linhas nada tortas, o motivo do mau humor: detestava biografias. Ironicamente, ele me fez perceber que eu devia saber da sua insatisfação pesada e declarada. Eu sabia e sei, Lou. Só pode ter sido o tal do "imponderável" das entrevistas que resolveu se meter no meu caminho.
    Proseamos por mais alguns instantes e, antes de ir embora, Lou viu, entre as minhas coisas desarrumadas, um CD do maravilhoso "Berlin". O disco estava ali para o caso de surgir um clima bom para um autógrafo. Ele então pegou o CD, disse que era um de seus prediletos e escreveu uma dedicatória. Comentei algo sobre as criancinhas chorando no álbum, e ele sorriu antes de partir. Na capa, escreveu "thanks!". Eu respondo: mil vezes obrigado, Lou Reed.
    P.S.: Em defesa da empreitada televisiva, registro que colocamos a entrevista no ar quase em estado bruto --a sabedoria minimalista do mestre e o sofrimento do entrevistador, sem maquiagem.