segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Gregorio Duvivier

folha de são paulo
Amizade platônica
Tive algumas oportunidades de conhecê-lo, mas preferi não chegar às vias de fato, porque isso poderia abalar a relação
Fiquei melhor amigo do Antonio Prata sem que ele soubesse. Li o livro "Douglas e Outras Histórias", presente do Fernando Caruso, amigo meu que já era melhor amigo do Prata sem que ele soubesse. Não parecia que eu tinha lido o livro, parecia que eu tinha sentado num bar com o Prata e ele tinha me contado o livro inteiro. E falando assim parece que foi chato, mas não foi. Foi muito legal. Tanto é que a gente ficou melhor amigo à primeira vista. Sem que ele soubesse, é claro.
Tive algumas oportunidades de conhecê-lo, mas preferi não chegar às vias de fato, porque isso poderia abalar a nossa relação. Vai que ele tem 1,90 m. Eu não posso andar ao lado de um cara de 1,90 m. Vai parecer que eu tenho 1,30 m. Eu sou muito criterioso em relação à altura das pessoas com quem eu ando. Na amizade platônica, a pessoa tem a altura que você quiser. Você só tem os benefícios da amizade, sem aquela obrigação de ir no chá de panela ou liberar no "Candy Crush".
Caso vocês estejam se perguntando, ele não é o meu único amigo platônico. Tenho alguns, entre eles o Paul McCartney e o Fred do Fluminense. Mas o Prata era o mais íntimo, mesmo.
Até que, outro dia, preparando-me pra lançar meu segundo livro, "Ligue os Pontos", o pessoal da Companhia das Letras sugeriu que eu e o Prata lançássemos o livro juntos. E me mandaram o livro dele: "Nu, de Botas". E descobri que a gente não era melhor amigo. A gente era a mesma pessoa. Li as memórias dele com a impressão estranhíssima de que eram as minhas memórias. E eu garanto que isso vai acontecer com você também. Por mais louca e específica que tenha sido a vida do Prata, por mais louca e específica que tenha sido a sua vida, quando o Prata fala da vida dele, parece que é a sua vida, parece que ele é você e sempre foi. Volta e meia tinha que fechar as páginas e lembrar da minha própria vida, pra não misturar com a vida dele.
Cheguei ao Rio determinado a findar essa relação platônica. Em primeiro lugar, é muito narcisismo você ser melhor amigo de você mesmo. Em segundo lugar, a gente teria que se conhecer, pra lançar o livro juntos.
Aí a gente se conheceu. E parecia que a gente já se conhecia há muito tempo. Porque a gente já se conhecia há muito tempo. E tem coisas que a amizade platônica não pode te dar. Ele tem 1,69 m, igualzinho a mim. Na verdade ele tem 1,68 m e mente que tem 1,69 m. Igualzinho a mim. Viva a amizade. A platônica e as outras.

    Luiz Felipe Pondé

    folha de são paulo
    Kubrick de olhos bem abertos
    Somos seres do desejo, e não de razão. Devoramos tudo em consequência do desejo irracional
    Depois de ler sobre pré-história, minha percepção do mundo mudou. Para começo de conversa, o tema da violência na condição humana é melhor compreendido quando olhamos para nossos ancestrais do Paleolítico Superior do que quando tentamos compreendê-lo a partir de ideias como "o modelo social está ultrapassado", apesar de saber que frases como essa dão orgasmo em muita gente.
    Somos seres do desejo, e não de razão. Com isso não quero dizer que não sejamos racionais, mas sim que o desejo se impõe à razão. Freud e Lacan bem sabem disso. Schopenhauer e Nietzsche também sabem isso. Devoramos tudo à nossa volta por conta dessa força irracional chamada desejo.
    O cineasta Stanley Kubrick (que aliás está "nos visitando" no Museu da Imagem e do Som, o MIS) entendeu bem esse aspecto: é na pré-história e no desejo que melhor entendemos nossa desorganização interna, nossas contradições e a luta que temos cotidianamente contra elas. Refiro-me a dois dos seus filmes, "2001, Uma Odisseia no Espaço", de 1968, e "De Olhos Bem Fechados", de 1999.
    O primeiro se abre com o momento descrito como "aurora". Nessa sequência, dois bandos de homens pré-históricos disputam a posse de um pequeno lago. O mais fraco perde. Depois, acuados, comem ervas embaixo de uma pedra, atormentados por predadores à noite.
    Um deles, na manhã seguinte, descobre que, tendo um osso nas mãos, consegue ficar mais forte. Matam um animal grande e "se tornam" carnívoros (o vegetarianismo é um comportamento ultrapassado evolucionariamente).
    Mais tarde, munidos de ossos nas mãos, atacam o bando que os haviam expulsado do lago. O "novo homem", com uma arma na mão, retoma o lago. Na cena seguinte, joga o osso para cima e este vira uma nave espacial. Chegamos ao futuro da pré-história.
    Já na última parte do filme, vemos o primeiro computador com inteligência artificial se "revoltar" contra os dois astronautas da nave. O que o filme nos revela? Que o "avanço técnico" seguramente está associado à violência.
    Isso não significa que seja "bonito". Hoje em dia, por causa do modo como se dá o debate público, baseado em caricaturas do outro, difamação e simplificação ridícula (tipo: quem não pensa como eu é racista, "sequicista" e a favor da TFP), torna-se necessário fazermos reparos como esse: reconhecer a relação de implicação entre melhoria material da vida, avanço cultural e uma dose de violência não significa achar isso bonito, mas sim reconhecer o grau de ambivalência que marca nossa condição. Mas, num mundo de mimados, como é o nosso, dizer isso parece ser "gostar" disso.
    O que Kubrick está dizendo aqui é que provavelmente nossa história de ganhos técnicos implica um alto grau de risco. O problema é que queremos os ganhos, mas, no mundo da carochinha, no qual vivem os mimados, parece ser possível zerar a ambivalência. Nada disso quer dizer que devemos cultivar a violência, mas que não adianta pintar sua cara com cores de anjo porque só vai convencer gente boba.
    No outro filme, "De Olhos Bem Fechados", Kubrick dialoga profundamente com Freud. O filme é baseado, em última instância, num sonho de Freud no qual ele entra num trem e um aviso diz que ali só permanecem pessoas de olhos bem fechados.
    O sonho está dentro do processo de "autoanálise" de Freud, no qual ele descobre o complexo de Édipo e sua vergonha pelo fato de o pai não ter reagido a uma humilhação feita por um grupo de antissemitas testemunhada pelo menino Sigmund. O tema envolve a ambivalência dos sentimentos e desejos da criança para com os pais.
    No filme, a mulher (a deusa Nicole Kidman) conta para o marido (Tom Cruise) que um dia desejou fazer sexo violento com um oficial da Marinha que ela tinha visto num hotel quando eles estavam num momento "família" (quis ser a "puta" dele). Com isso, ela joga o marido num total desespero, que só se encerra quando ela o chama para trepar ("let's fuck").
    O desejo da bela e bem comportada mulher revela ao marido que nem ela escapa da desorganização do desejo sexual "ilegítimo". A vida ordenada está sempre por um triz.

      Descalabro é primeiro ano da gestão Haddad

      folha de são paulo
      ENTREVISTA DA SEGUNDA - GILBERTO KASSAB
      Ex-prefeito responde a críticas de seu sucessor e nega ter relações com esquema de fraude no ISS
      ROGÉRIO PAGNANJAIRO MARQUESDE SÃO PAULODizendo-se obrigado a pagar na mesma moeda, o ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab (PSD) atacou seu sucessor, Fernando Haddad (PT), contra quem usou termos como má-fé, desonestidade e desrespeitoso.
      Foi a primeira vez que o ex-prefeito e presidente do PSD criticou o petista. Foi uma resposta à entrevista de Haddad à Folha em que o prefeito disse ter encontrado a prefeitura em situação de "descalabro" e "degradação".
      Kassab negou ter relação com o esquema de fraude no ISS. "Eu me retiro da vida pública se em algum momento alguém identificar qualquer vínculo entre essas afirmações e a realidade", afirmou.
      Para ele, seu sucessor utiliza o combate à corrupção como forma de esconder o fracasso do primeiro ano de administração petista.
      A seguir, os principais trechos da entrevista.
      Folha - Como sr. interpretou a afirmação de Haddad de que a situação encontrada na prefeitura era de "descalabro"?
      Gilberto Kassab - Na medida em que ele utilizou o termo descalabro, sou obrigado a devolver na mesma moeda.
      É difícil aceitar essa referência sobre o final da nossa gestão. Se aceitássemos, o final da gestão anterior, que era dele [Haddad participou da administração Marta Suplicy (2001-2004)], estaria duas vezes esse descalabro.
      Todos sabem como encontramos a cidade. Ela estava quebrada. E, apesar das dificuldades financeiras e da dificuldade para encaminhar nossas reivindicações ao governo federal sobre o problema da dívida, terminamos com finanças em dia, [com] recursos em caixa.
      Fizemos uma transição impecável, segundo o próprio prefeito em sua posse. Ele só esqueceu de olhar para o próprio umbigo, para sua administração, quando a cidade está espantada com o descalabro desse primeiro ano.
      Há uma verdadeira situação de falta de controle no transporte público. A prefeitura, pela primeira vez, entra o ano com uma perspectiva de dar um subsídio de aproximadamente R$ 2 bilhões.
      Se ele tivesse competência, tinha conseguido administrar essa questão com o governo federal para não tirar esses recursos no ano que vem destinados a casas populares, saúde, ensino público.
      Vale lembrar que pela primeira vez na cidade corremos o risco de entrar num novo ano sem reajuste de IPTU, um reajuste razoável.
      O reajuste aprovado é justo?
      Não acho razoável.
      A Justiça acaba de tornar nula essa votação. Foi estranha mesmo. A administração negou à cidade o direito de debater. Foi antecipada a votação na calada da noite.
      Vale lembrar, ainda no campo do descalabro, como encontramos a saúde, com programas reduzidos, unidades sucateadas. Chegava ao ponto de faltar medicamentos em toda a rede. Superamos isso. E não é que voltamos agora a ter falta de medicamentos?
      Sobre duplamente descalabro, o sr. fala da gestão anterior?
      Se essa é um descalabro, imagina como era antes, duas vezes um descalabro. Nunca assumimos o compromisso de resolver todos os problemas, mas a cidade avançou bastante.
      E neste primeiro ano de gestão [Haddad], ela não avançou nada. Ele se iludiu, talvez, com o marketing de sua campanha, de que soluções mágicas eram suficientes. Cadê o Arco do Futuro [projeto urbano de estimular o desenvolvimento em algumas regiões]? Ele deixou de lado. Cadê os investimentos da cidade? Deixamos recursos em caixa.
      Virou uma questão pessoal? Houve sua saída de um evento [antes de Haddad chegar].
      Eu tinha um compromisso e não fiquei por conta disso. Não tenho problema de cumprimentar o prefeito Haddad. Aliás, tenho cumprimentado pela ação que faz no combate à corrupção, em especial nesse episódio.
      Há implicação política? Está ameaçada a aliança PT e PSD?
      Não posso apequenar o PSD e vincular essas manifestações incompreensíveis do prefeito com as decisões do partido.
      O sr. vai mudar seus planos de disputar o governo do Estado?
      As decisões são do partido. Sobre essas ilações, elas são covardes e inadmissíveis.
      [A nossa foi] uma das administrações que mais combateram a corrupção. Nesse próprio episódio de grande dimensão, a investigação foi iniciada na nossa gestão.
      Questiono essa afirmação do prefeito de que a gestão dele é independente. Foi ele quem nomeou o controlador. Então, tem um vínculo com ele, sim. Ele mesmo disse que acompanhou "pari passu" [simultaneamente], tanto é que contribuiu com recursos de seu bolso para pagar o aluguel de uma sala.
      E o próprio controlador admitiu que encontrou a investigação em aberto. Se estava aberta, não estava fechada. Se ele não fechou, estava aberta.
      Então ele ignorou a nossa gestão numa ação política, para diminui-la. E omitiu. Ele tinha a obrigação de comunicar ao Ministério Público que nossa gestão tinha feito o início desses trabalhos.
      As escutas falam que o sr. mandou arquivar [a apuração].
      Isso nunca aconteceu. Eu nunca tive esse diálogo. É uma afirmação mentirosa, talvez de alguém que quisesse despreocupar seus companheiros. Ou alguém que quisesse mostrar prestígio. Ou alguém que soubesse que estava sendo gravado e queria tumultuar as investigações.
      Tentativas sórdidas de manchar minha imagem.
      O sr. estava falando desse grupo de servidores ou das pessoas que estão vazando as gravações que o citam?
      Se soubesse de onde vêm, falaria. Como sei que não são verdadeiras, de onde quer que venham, são sórdidas.
      Eu me retiro da vida pública se em algum momento alguém identificar qualquer vínculo entre essas afirmações e a realidade.
      É desonesto intelectualmente da parte do prefeito querer passar a imagem de que nada nunca foi feito para combater a corrupção. Principalmente em relação à nossa gestão.
      São dezenas de criminosos e esses criminosos também agiam no passado.
      O prefeito foi chefe de gabinete da Secretaria de Finanças. Eu não quero acusá-lo de nada. Porque ele pode ter sido, e com certeza foi, vítima do mesmo crime.
      A desonestidade do prefeito é passar a impressão de que ele foi o primeiro a combater a corrupção. Se ele é o primeiro, cadê suas manifestações sobre o mensalão?
      Como foi o combate à corrupção na sua gestão?
      A elaboração de guias falsas de recolhimento de outorgas onerosas foi identificada, investigada e concluída na nossa gestão. Recuperamos R$ 80 milhões. Enfrentamos o crime organizado no Aprov [setor da prefeitura que aprova construção de imóveis].
      O Ministério Público foi convidado a trabalhar em conjunto, e o caso está na Justiça. Punimos diversos profissionais e avançamos na transparência.
      A prefeitura recebeu a denúncia anônima sobre a máfia dos auditores, ouviu as pessoas. Por que o processo parou?
      Não ficou parado. Acabou a gestão. O prefeito Haddad demorou dez meses para fazer algo. Tivemos três meses.
      Mas, segundo a investigação, grandes esquemas de corrupção operaram em sua gestão.
      Mas há alguma dúvida de que funcionaram também no passado, com os mesmos profissionais? Um mesmo profissional se torna desonesto de uma hora para outra? Não quero ser injusto com o Fernando Haddad, mas quantos desses, no atual caso, foram convidados na gestão dele?
      Ele acaba de exonerar o seu diretor de arrecadação [Leonardo Leal Dias da Silva]. Se fez isso, é porque tem suspeitas. Não vou devolver na mesma moeda: tenho certeza de que o prefeito não sabia.
      O Ronilson Bezerra [ex-subsecretário de Finanças, tido como chefe do grupo suspeito de desvios no ISS] ganhou cargo de destaque por sua decisão?
      Eu não o conhecia anteriormente e pouco conheço agora. Estive com ele poucas vezes em sete anos, sempre para discutir assuntos técnicos, e geralmente em meu gabinete. Não tenho nenhuma relação pessoal com ele. Conheço menos ainda os outros envolvidos na investigação.
      Por que ele foi indicado para formar a equipe de transição?
      Há nisso uma má-fé muito grande, uma afirmação maldosa, que não é digna do Fernando Haddad. Havia um secretário indicado para formar o grupo, e os dois lados fizeram isso. Ele levou sua equipe.
      Ronilson estava na transição porque estavam todos daquele núcleo. Ele era da equipe. Ele e centenas de outros.
      Em grampo, Ronilson diz a outra fiscal que o sr. sabia de tudo. Do que o sr. sabia, afinal?
      Não sabia de nada.
      O que era essa situação de "muito mais descalabro" que o sr. diz que encontrou?
      Contas não pagas, bilhões de dívidas, fornecedores sem receber, postos de saúde sem abastecimento, escolas de lata. Aquilo era um descalabro.
      O que tem achado das primeiras medidas do prefeito?
      Quero voltar à campanha. Ele fez promessas sobre vagas em creche e elas já foram diminuídas. É preciso lembrar do Arco do Futuro, da redução do plano de metas. Isso tudo com a colher de chá do governo federal [renegociação de dívidas], que não fez o mesmo com a nossa gestão.

        domingo, 10 de novembro de 2013

        No dia da eleição - Charles Bernstein

        folha de são paulo 
        IMAGINAÇÃO
        PROSA, POESIA E TRADUÇÃO
        No dia da eleição
        CHARLES BERNSTEINTRADUÇÃO RÉGIS BONVICINO

        Eu ouço o gemido da democracia, no dia da eleição.
        As ruas estão cheias de promessas falsas, no dia da eleição.
        Os canalhas votam, os santos votam, no dia da eleição.
        Os mortos disparam sua fúria, no dia da eleição.
        Meu irmão, afogado em mágoas, no dia da eleição.
        A irmã lava a roupa suja, no dia da eleição.
        Lentamente, eu me aproximo das vozes sombrias, no dia da eleição.
        Os homens se preparam para morrer, no dia da eleição.
        A manhã silente defende sua ninhada, no dia da eleição.
        Ainda assim, doce, vacilante, no dia da eleição.
        No dia da eleição, os gatos tomam chá com o sagui.
        No dia da eleição, a mãe recusa seu leite.
        No dia da eleição, as rãs coaxam ferozes: parece até que Marte
        despencou na Terra.
        No dia da eleição, o homem de ferro emite gemidos femininos.
        O ar podre, vermelho, intercalando, quixotesco, vulnerável, torpe,
        no dia da eleição.
        Seus olhos deslizam, no dia da eleição.
        As carpideiras carpem, os gementes gemeram, as crianças
        dormem, sós, na cama, no dia da eleição.
        Sem dúvida, um cometa veio me ver, ígneo, desavindo, tórrido, dedilhado,
        no dia da eleição.
        No dia da eleição, a transgressão do alarme fátuo e aspiração ignominiosa
        abate o salto dourado a um corset degradê de cristas.
        O tirano se torna príncipe, no dia da eleição.
        Nem amigo ou inimigo, medo menos ainda destino, no dia da eleição.
        O mendaz mente para o carneiro, no dia da eleição.
        O ultimo poderá ser o primeiro e o primeiro o último da fila, no
        dia da eleição.
        O mendigo feito rei, no dia da eleição.
        "Deixe aquele que não está com os meus poemas ser assassinado!" no dia da eleição.
        Deixe o puro pecar, no dia da eleição.
        Os fantasmas se vestem com ternos, no dia da eleição.
        No dia da eleição, o enxofre cheira a cerveja.
        No dia da eleição, o ministro se caga de medo.
        No dia da eleição, o polaco e o judeu dançam o foxtrote.
        No dia da eleição, o sapato não se encaixa no pé, o tiro sai pela culatra,
        o garçom faminto se rebobina antes de inteirar-se dos fatos.
        A grade não degrada o violinista, no dia da eleição.
        Galochas e lágrimas, no dia da eleição.
        O esperma não encontra o ovo, no dia da eleição.
        O tambor retumbante se torna gorjeio de sabiá, no dia da eleição.
        Eu sinto como se um pesadelo findasse, mas não consigo me levantar, no dia da eleição.

        Viagens às terras do nunca mais China, 1966 - ANTONIO SILVIO LEFÈVRE

        folha de sao paulo 
        ARQUIVO ABERTO
        MEMÓRIAS QUE VIRAM HISTÓRIAS
        Viagens às terras do nunca mais
        China, 1966
        ANTONIO SILVIO LEFÈVRE
        Em 1964, ano do golpe militar, levado pela generosidade e ingenuidade juvenis a fazer bobagens, eu, um estudante de medicina na USP, fui parar no Tiradentes --presídio por onde mais tarde passaria a futura presidente Dilma Rousseff-- e acabei exilado em Paris.
        A experiência de estar ali naquele momento se revelaria extremamente enriquecedora. Não apenas por ter-me permitido estudar na Sorbonne e morar com o "pai adotivo" Antonio Candido (então lecionando lá), mas por ter vivido a revolta que partiu de Paris em maio de 68 para contaminar o mundo.
        Nada, porém, foi mais enriquecedor do que as viagens que pude fazer, a partir de Paris, para destinos ao leste de Berlim, nada recomendados a qualquer brasileiro que temesse ficar com a "ficha suja".
        A mais emocionante de todas foi a mais extrema: com jovens de vários países, sendo eu o único brasileiro, fui à China. Era agosto de 1966 quando deixamos Paris de trem e chegamos a Moscou.
        O conflito sino-soviético estava no auge e, enquanto visitávamos a cidade, acreditamos ter sido seguidos por agentes da KGB, desconfiados de que fôssemos espiões a serviço dos chineses.
        Ao longo de uma semana viajando de trem, vimos comboios militares repletos de armas, em plena guerra do Vietnã. Recebidos como heróis pelos chineses --afinal, poucos ocidentais iam até lá--, no primeiro dia fomos conhecer a Universidade de Pequim.
        Qual não foi a nossa surpresa ao chegar lá e dar de cara com uma manifestação de estudantes, incompreensível para nós. Nossos guias, estupefatos, não conseguiam nos explicar o que acontecia.
        À noite nos levaram para jantar num restaurante de especialidades do sul da China. Mal havíamos comido o primeiro prato quando uma multidão enfurecida começou a gritar na porta. Um dos guias foi conversar com eles e, ao voltar, nos explicou:
        "São discípulos do presidente Mao Tse-tung e vieram aqui para fechar este restaurante, símbolo de privilégios burgueses. Em respeito aos camaradas estrangeiros, porém, esperarão que terminemos o jantar." Sem esquecer a sobremesa, saímos depressa de lá -- bem a tempo de vê-los entrar e quebrar tudo.
        Nos dias seguintes, cenas estranhas se desenrolaram, tanto em Pequim quanto em Xangai: desfiles pelas ruas, com pessoas acorrentadas e com chapéus de bruxa, sendo insultadas e torturadas pelos jovens manifestantes de fitas vermelhas nos braços.
        Eram os guardas da Grande Revolução Cultural Proletária, desencadeada então pelo presidente Mao, cujo livrinho vermelho de ensinamentos eles ostentavam como pequenas bíblias. "O presidente Mao vai lhes explicar tudo pessoalmente", nos anunciou com orgulho o guia-chefe, marcando nossa visita ao Grande Timoneiro para o dia seguinte.
        Ao chegarmos à Cidade Proibida, que abrigava a sede do governo, nos informaram de que o encontro com Mao não seria possível. Fomos recebidos por Chen Yi, ministro do Exterior, intelectual que falava francês correntemente.
        Chen Yi explicou-nos então que a Revolução Cultural havia sido posta em marcha por Mao para combater o perigo revisionista e o risco da restauração do capitalismo na China.
        O ministro aproveitou para nos informar que havíamos sido convidados pelos camaradas vietnamitas a visitar os subterrâneos de sua guerra --assim poderíamos dar testemunho ao mundo de sua luta contra o imperialismo ianque.
        Para nossa sorte, na véspera da visita programada, houve intensos bombardeios americanos nos locais aos quais nos destinávamos. Os chineses, por precaução, resolveram cancelar o "passeio".
        Não fosse isso eu talvez não estivesse aqui para contar essa história, ou a história da deposição de Chen Yi, e depois a da prisão de Jiang Qing, mulher de Mao, e a do fim da Revolução Cultural, com a vitória do capitalismo (de Estado) na China.
        Mas tudo isso aconteceria vários anos depois, quando nós, testemunhas do momento histórico, já tínhamos perdido, havia tempo, as nossas ilusões esquerdistas.
        O que sobrou foi o relato das viagens de um estudante sonhador às terras do nunca mais.

        Humoristas dominam debate público nos EUA

        folha de são paulo
        DIÁRIO DE WASHINGTON
        O MAPA DA CULTURA
        Política é coisa séria?
        Humoristas dominam debate público nos EUA
        RAUL JUSTE LORES
        As manhãs de Domingo são o horário favorito da TV americana para tratar de política. Todos os grandes canais abertos (e os principais da TV paga) têm mesas- redondas com deputados, ministros, comentaristas e lobistas.
        Mas a tradição, criada em 1947, com o "Meet the Press", o programa mais antigo em atividade nos EUA, está ameaçada. Audiências têm caído, o público, envelhecido, e os convidados, com seus cabelos acaju e ternos acima do tamanho, se repetem por todos os canais.
        Em contraponto, a política tem ganho terreno em outros horários da grade. Desde o início deste ano, duas das maiores audiências entre os "talks shows" de fim da noite são de comediantes que tratam quase exclusivamente do tema.
        Jon Stewart, com o programa "The Daily Show", e Stephen Colbert ("The Colbert Report") são líderes entre o público de 18 a 49 anos. As duas atrações, do canal pago Comedy Central, têm deixado para trás figuras históricas como David Letterman e Jay Leno, das grandes redes abertas CBS e NBC.
        Mas a maior sensação atual na TV americana, em termos de política, se chama Bill Maher. O militante ateísta comanda o programa "Real Time with Bill Maher", que vai ao ar nas noites de sexta-feira na HBO norte-americana.
        A atração já recebeu figuras distintas como o escritor Salman Rushdie e o cientista Richard Dawkins, o jornalista Glenn Greenwald e o cineasta Oliver Stone.
        Maher, também produtor da série "Vice" (que andou levando os Harlem Globetrotters à Coreia do Norte), faz barulho defendendo posições como o fim do embargo a Cuba e ironizando o juiz da Corte Suprema que disse que o diabo existe. Seus monólogos ao final do programa, chamados de "new rules", se tornaram imperdíveis para o público que, para se informar sobre o poder, trocou os políticos pelos humoristas.
        FUSÃO LATINA
        Quem não sofre com perda de público e tem filas de políticos querendo aparecer em seus programas é a Univision, rede famosa pela programação em espanhol.
        Mas, como a imigração latino-americana encolheu nos últimos anos, o grupo tem cobiçado a geração de filhos de migrantes já nascidos nos EUA e que têm no inglês seu primeiro idioma.
        Em parceria com a rede ABC, a Univision criou recentemente um canal para esse grupo, pretendendo, de quebra, atrair uma fatia do público jovem em geral, que anda deixando a TV aberta. Lançado há duas semanas, o "Fusion" já chega a 20 milhões de lares americanos.
        O CÉU É O LIMITE
        A capital dos EUA tem atraído milhares de jovens que cresceram nos subúrbios vizinhos de Maryland e Virginia, mas que pretendem morar em áreas centrais, mais agitadas e caminháveis.
        O problema é um só: espaço. As cidades-dormitório possuem 5 milhões de habitantes, enquanto em Washington só há 650 mil pessoas.
        Com isso, o metro quadrado encareceu muito, e o governo quer mudar uma das características históricas da cidade: o limite de altura das construções.
        Desde 1910, a legislação determina que a altura dos prédios não ultrapasse a largura das ruas e avenidas. Com poucas exceções, os edifícios em ruas secundárias não superam os 27 metros de altura (9 andares) e, em avenidas, 40 metros (13). A lei foi criada depois da inauguração do polêmico (e pavoroso) Hotel Cairo, de 1894, que tem 50 metros. A prefeitura pretende aumentar o limite em 25%, mas só o Congresso americano pode aprovar a mudança.
        FLUXO E REFLUXO
        Depois que protestos pela morte de Martin Luther King, em 1968, provocaram a destruição de bairros inteiros da cidade, a capital assistiu a um êxodo da população branca para os subúrbios, e diversas áreas centrais se tornaram de maioria negra.
        O retorno dos jovens dos subúrbios brancos para áreas centrais está mudando a composição étnica de Washington. Logan Circle, por exemplo, que tinha maioria negra, tornou-se terreno de restaurantes caros, gays e de juventude branca. No contrafluxo, muitas famílias negras e latinas estão migrando para os subúrbios. A proporção de negros na cidade, que em 1980 chegou a ser de 70%, hoje é de 49,5%

        Quando a emenda é pior que o soneto - Fernando Rodrigues

        folha de são paulo
        ESPECIAL REPÚBLICA
        ANÁLISE
        Quando a emenda é pior que o soneto
        A reforma política não precisa ser vasta
        FERNANDO RODRIGUESRESUMO As imperfeições do modelo político brasileiro estimulam o clamor por amplas reformas, mas intervenções do Congresso quase sempre tornam pior o que já é ruim. Encontrar elixir contra todos os males é tarefa quase inexequível; muitas vezes, alterações mínimas e de resultado a longo prazo podem ser mais eficazes.
        Quase ninguém o defende, mas o sistema político-eleitoral em vigor é o mais sofisticado e eficiente que o Brasil já teve em toda a sua história republicana.
        Há liberdade de expressão acima da média na comparação com outras democracias jovens como a brasileira (basta olhar em volta, na América Latina). As instituições são independentes. Os avanços republicanos têm sido cristalizados em leis civilizatórias como o Código de Defesa do Consumidor e a Lei de Acesso à Informação.
        Essas normas são votadas e aprovadas pelo mesmo Congresso que de vez em quando preserva o mandato de um corrupto, mas também volta e meia expulsa um político ladrão.
        Há um clamor latente por uma política de melhor qualidade, até porque o Brasil chegou tarde, só no final da década de 1980, à democracia estável. As imperfeições do modelo produzem a sensação de que a degradação é maior do que a realidade poderia tolerar. Quase todos então imaginam ter a solução de sistema ideal. Sonham com uma lei que seja um elixir para curar todos os males da política.
        Encontrar tal legislação é tarefa próxima do inexequível. Há uma infinidade de estudos e análises sobre como é difícil formatar um sistema de democracia representativa eficaz e justo.
        George G. Szpiro, um matemático e jornalista, investigou as opções mais relevantes desde a Grécia Antiga. Chegou a uma conclusão desalentadora: "Infelizmente, a única forma de governo que evita paradoxos, inconsistências e manipulações é a ditadura", escreveu em seu "Numbers Rule" (Princeton University Press, 2010).
        O problema maior das democracias representativas é a velocidade com que as coisas andam. O modelo tem muitas qualidades, mas um gigantesco defeito: a evolução e a consolidação das regras se dá de maneira muito lenta.
        Tome-se o caso norte-americano. A Constituição é de 1787 e está em vigor há 226 anos. Em seu livro "Democracia na América" (1835-40), Alexis de Tocqueville nota um costume ruim dos norte-americanos na primeira metade do século 19, momento constitutivo daquele país.
        O pensador francês escreveu sobre a inconveniência das alterações constantes de leis, "um grande mal". E cita uma frase de Thomas Jefferson (1743-1826), presidente dos EUA de 1801 a 1809, a quem descreve como "o maior democrata" daquele país: "A instabilidade das nossas leis é realmente uma inconveniência muito séria. Creio que deveríamos tê-la evitado decidindo que se deixasse sempre um ano inteiro passar entre a apresentação de um projeto e a sua aprovação final".
        Essa afeição por alterações constantes de leis é, no Brasil, um obstáculo para o aperfeiçoamento do sistema. O senso comum diz que, sem uma ampla reforma política, o país não terá jeito.
        Mas as últimas intervenções do Congresso brasileiro nesse campo foram de qualidade duvidosa.
        No atual contexto, deixar o modelo vigente decantar, com alterações mínimas, seria talvez uma opção a considerar. Como escreve o especialista David M. Farrell em um dos mais amplos estudos sobre sistemas eleitorais ("Electoral Systems "" a Comparative Introduction", Palgrave Macmillan, 2011), numa democracia que está funcionando às vezes é melhor "manter o mal conhecido do que fazer uma incursão pelo desconhecido", tornando pior o que já é ruim.
        Alterações pontuais foram aprovadas nas últimas duas décadas a pretexto de diminuir o custo das campanhas eleitorais. Na prática, tiveram o efeito de cercear a liberdade de expressão dos políticos de partidos mais modestos. Desde 1997, o Brasil é um dos únicos países do planeta (talvez o único) no qual é proibido fazer uma camiseta ou boné na garagem de casa com a foto e o número do candidato durante uma campanha.
        O sistema atual decerto tem defeitos. Mas torna-se quase sempre pior a cada alteração votada pelo Congresso --seja porque as regras são restritivas ou porque complicam o modelo. A chamada minirreforma (ou nanorreforma, segundo outra alcunha) que está prestes a ser chancelada pelo Senado é tão bizantina que define até a dimensão máxima permitida (50 x 40 centímetros) de folhetos e adesivos que poderão ser distribuídos em campanha.
        Mas o erro maior dos que defendem a reforma política é imaginar que seja possível implementar mudanças de grande porte como a alteração do sistema de votação (do atual proporcional para algum tipo de modelo distrital). Ou fazer valer o pilar mais básico da democracia: "Um homem, um voto" (hoje, os eleitores de Estados pequenos valem muito mais do que os do Sudeste, pois elegem seus deputados com menos votos).
        Antes de tentar empreender uma grande reforma política é necessário alguma profilaxia dentro do Poder Legislativo: o Congresso com 20 partidos representados (dos 32 existentes no país), tem seu funcionamento prejudicado.
        Erra quem imagina que o número de partidos políticos no Brasil é excessivo. O mal reside no fato de legendas quase sem voto serem tratadas como se gigantes fossem.
        No momento em que consegue seu registro, uma nova agremiação, sem nunca ter recebido um voto, já tem direito a cerca de R$ 50 mil por mês do Fundo Partidário (as regras para usufruir dele estão no site do Tribunal Superior Eleitoral) e acesso ao rádio e à TV --tudo pago com o dinheiro dos contribuintes. Se conseguir a filiação de dois ou três deputados, passa a ter também uma atuação dentro do Congresso com direito a uma estrutura de liderança (cargos e mordomias).
        O impacto desses "sem voto" é nefando no Congresso. A votação de um projeto de lei se torna muito complexa quando é necessário ouvir a posição oficial de 20 ou mais partidos e os discursos de cada líder de legenda.
        Em anos eleitorais, há um leilão dos partidos nanicos, que oferecem seus tempos de TV e de rádio nas 27 unidades da Federação: muitos traficam esse ativo como se fosse uma propriedade privada.
        Duas medidas ajudariam a mitigar essas aberrações: o fim das coligações para eleições a cargos proporcionais (de deputados) e uma cláusula de desempenho. Elas teriam a eficácia de uma pré-reforma política.
        LIBERALIDADE A coligação em eleições proporcionais é uma liberalidade brasileira. Confunde os cidadãos. Vota-se no candidato A, de um partido conservador, mas é possível acabar elegendo junto o candidato B, de uma sigla liberal.
        O sistema se chama proporcional porque os votos dados a todos os candidatos de um partido (ou coligação) são somados. A divisão de cadeiras da Câmara é feita para cada grupo de legendas proporcionalmente ao total de votos que cada uma delas obteve.
        Coligações eleitorais são comuns no mundo todo na escolha de representantes do Executivo. São eleições majoritárias, uninominais. É natural que, em alguma circunstância, conservadores e liberais decidam apoiar o mesmo nome para comandar o país, um Estado ou uma cidade.
        No caso de legisladores eleitos pelo sistema proporcional, esse tipo de aliança faz pouco ou nenhum sentido. Quando o eleitor escolhe um deputado conservador, talvez o faça porque seja contra a liberalização das drogas. Mas se esse político estiver coligado a um candidato liberal, o voto do eleitor ajudará a ambos na eleição.
        A eleição de 2010 deu para a Câmara deputados de 22 partidos. Desses, 17 perderiam vagas se não fossem permitidas coligações nas eleições proporcionais. Haveria menos fragmentação.
        Bancadas maiores para alguns poucos partidos não são garantia de mais coesão interna no Congresso. Mas esse certamente é um primeiro passo para uma governança política mais eficaz.
        DESEMPENHO Outra providência útil para o Brasil seria a cláusula de desempenho ou de barreira. Vários países já estipulam um percentual mínimo de votos para que agremiações partidárias possam usufruir de dinheiro público em campanhas e ter outras regalias.
        No Brasil, adotou-se uma regra muito flexível quando voltou a vigorar o pluripartidarismo, no início dos anos 1980. Foi uma reação à violência institucional da ditadura militar, que, em 1965 passou a permitir apenas duas siglas: a Arena (Aliança Renovadora Nacional, pró-governo) e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro, de oposição consentida).
        Hoje, basta ao partido existir para ter acesso ao rádio e à TV a cada seis meses, em rede nacional. Esse benefício não é gratuito. É pago com dinheiro público. As emissoras têm direito a abater do imposto devido parte considerável do que deixam de ganhar pela cessão dos horários. Em anos eleitorais, a estimativa de renúncia fiscal chega perto de R$ 1 bilhão (cifra nunca detalhada pela Receita Federal).
        Há uma discussão antiga no Congresso para endurecer essa regra. Estipular, digamos, que só partidos com 3% dos votos para deputado federal em todo o país e em, pelo menos, nove unidades da Federação possam ter amplo acesso à TV, ao rádio, ao Fundo Partidário e ao funcionamento pleno dentro do Congresso.
        Se a cláusula de desempenho existisse hoje, apenas nove partidos teriam passado por ela, considerados os votos de 2010: DEM, PDT, PMDB, PP, PR, PSB, PSDB, PT e PTB (veja quadro ao lado).
        Ainda seriam muitas legendas. A solução seria determinar um aumento gradual do percentual. Poder-se-ia até começar com 2,5% (para permitir a entrada de partidos mais ideológicos como PPS, PC do B e PSOL) na eleição de 2018. Todos teriam tempo para se preparar. Depois, o percentual poderia ir a 3,5% em 2022. E a 4,5% ou a 5% em 2026.
        Com a cláusula de desempenho em vigor e o fim da coligação em eleições proporcionais, o Legislativo tomaria outra feição depois de dois ou três ciclos eleitorais. Estaria pavimentado o caminho para uma reforma política mais profunda --se ainda fosse necessária.
        Para quem julgar esse cronograma lento ou inexequível, a alternativa é forçar uma reforma política ampla por meio de uma revolução. Não é fácil. Os protestos de junho nas ruas brasileiras pediam muitas mudanças. O Congresso se mexeu quase nada para atender à demanda dos manifestantes.