domingo, 24 de novembro de 2013

Avaliação generosa engorda salário de servidores em SP

folha de são paulo
Notas altas permitem que alguns funcionários mais do que dobrem vencimentos
De cada dez servidores cobertos pelo sistema, oito ganharam 90% ou mais do prêmio máximo pago pelo governo
ÉRICA FRAGA MARCELO SOARESDE SÃO PAULOUm sistema generoso de avaliação do desempenho dos funcionários públicos do Estado de São Paulo tem permitido que alguns servidores estaduais consigam mais do que dobrar seus salários.
Dos 570 mil funcionários públicos do Estado, cerca de 100 mil recebem prêmios de remuneração variável. Eles aumentaram sua renda mensal em 26% em junho.
Servidores com cargos administrativos e técnicos na Secretaria da Fazenda são os que tiveram maiores ganhos. Em média, eles quase dobraram sua remuneração.
Os salários dos funcionários públicos são inflados por notas elevadas que recebem de seus chefes por seus resultados no trabalho.
Oito em cada dez funcionários que receberam remuneração variável em junho atingiram 90% ou mais do valor máximo de prêmio estipulado para seus cargos. Ou seja, o desempenho da vasta maioria é considerado ótimo.
Os dados foram obtidos pela Folha por meio da Lei de Acesso à Informação.
O Estado começou na década de 90 a adotar prêmios de remuneração variável individual para melhorar a qualidade do serviço público em São Paulo. Mas os governos do PSDB têm ampliado esses programas. Dos 11 prêmios em vigor, quatro foram instituídos nos últimos três anos.
Os programas do governo se diferenciam dos sistemas de remuneração variável da iniciativa privada, que, segundo especialistas, são caracterizados por grande variação das notas recebidas.
Em muitas empresas, os chefes não podem repetir a mesma nota para dois funcionários da mesma área. Além disso, empregados cujo desempenho é mal avaliado podem não receber nada.
Folha não teve acesso aos dados de servidores que ficaram sem receber o prêmio destinado à sua área pelo governo paulista. Mas, em alguns casos, as regras permitem que qualquer servidor que não tenha faltado sem justificativa ou sofrido punição administrativa ganhe um percentual de renda variável.
O Prêmio de Desempenho Individual (PDI) estabelece, por exemplo, que funcionários que tenham trabalhado, pelo menos, dois terços do tempo considerado na avaliação e não tenham sofrido punição administrativa garantam 50% do prêmio mesmo se tiverem recebido avaliação inferior a esse percentual.
O PDI foi instituído em 2012 para funcionários com cargos administrativos em diversas áreas do governo que não recebam outro tipo de prêmio.
Embora seja chamado de Prêmio de Produtividade, o programa da Fazenda destinado a agentes fiscais deslocados para outras funções paga a remuneração variável de acordo com o cargo exercido pelo funcionário e não com o seu nível de eficiência, de acordo com a assessoria de imprensa da secretaria.
Os prêmios recebidos por esses servidores em junho variaram entre R$ 5.604 e R$ 6.199. Já entre 1.816 agentes fiscais que atuavam na fiscalização direta de tributos, apenas 34 receberam menos do que o teto de R$ 4.649 do prêmio destinado à área.
Segundo a Fazenda, o valor máximo do prêmio pago aos fiscais fica abaixo da sua produtividade mensal, medida por critérios como número de autuações feitas.
    Governo atribui notas elevadas a esforço de servidor
    Davi Zaia, secretário de Gestão Pública, diz que o governo tem buscado aprimorar o sistema de avaliação
    Pagamento mensal de prêmios pode ser encarado como complemento salarial, afirma especialista
    DE SÃO PAULOUm maior esforço por parte dos funcionários públicos é a explicação dada pelo governo de São Paulo para o bom desempenho da maioria dos servidores nos programas de avaliação individual.
    "Nós notamos que hoje o servidor está mais preocupado com seu desempenho", disse Davi Zaia, secretário de Gestão Pública da administração estadual paulista.
    Zaia ressaltou que os programas de avaliação de desempenho são recentes e que existe uma preocupação do governo em aperfeiçoá-los.
    Ele citou que os servidores responsáveis pelas notas de seus subordinados têm recebido treinamento para que as avaliações sejam "cada vez mais criteriosas".
    Mas, segundo o secretário, não existe uma visão no governo de que "tem que ter x% [dos funcionários] bem avaliados e x% mal avaliados".
    Em nota enviada à Folha, a Procuradoria Geral do Estado (PGE) --que paga um prêmio a servidores com cargos administrativos-- também atribuiu a ótima avaliação média da área ao esforço feito pelos funcionários: "O impacto dessas avaliações influi de maneira direta no desempenho dos avaliados".
    Nos Estados Unidos, um programa de remuneração variável implementado em meados da década passada para servidores públicos federais em cargos executivos foi reformulado porque a maioria dos funcionários tinha avaliações muito altas.
    A média das notas por área passou a ser monitorada de perto pelo governo.
    No caso de São Paulo, além das notas altas, outra característica do programa de avaliação vista com reticência por analistas é o pagamento mensal de prêmios, embora as avaliações não ocorram com essa frequência.
    No Plano de Desempenho Individual, por exemplo, é feita uma avaliação anual que determina o valor que o funcionário receberá durante os 12 meses seguintes.
    Na Fazenda (Prêmio de Incentivo à Qualidade) e na PGE, a análise do desempenho dos servidores é semestral e, no caso da Saúde (Prêmio Incentivo), é trimestral.
    "O risco, nesses casos, é que o prêmio acabe sendo encarado como complemento salarial", afirma Nelson Marconi, professor da FGV/SP.
    Ele ressalta que esse processo pode levar os chefes a hesitarem em reduzir a nota de um servidor. "Reduzir o prêmio depois de um ano inteiro é como cortar o salário".
    CRITÉRIOS
    A dificuldade do gestor em dar nota aos empregados pode ser acentuada pela falta de critérios claros de avaliação.
    Segundo Zaia, os servidores não precisam atingir metas específicas no caso dos prêmios de avaliação.
    Para Márcia Almström, diretora de recursos humanos do ManpowerGroup, para que os programas de remuneração variável funcionem bem precisam ser atrelados a metas mensuráveis.
    "A falta de critérios mensuráveis aumenta a subjetividade das avaliações", diz.
      Nota média alta pode frear busca por melhora
      DE SÃO PAULOO risco de um sistema em que a maioria dos funcionários recebem notas altas e parecidas é que eles não se empenhem para melhorar a qualidade de seu trabalho, segundo especialistas.
      O pagamento de remuneração variável no setor público é visto por analistas como positivo desde que exista um sistema de avaliação que premie, de fato, os que apresentaram melhor desempenho.
      "Se quase todos recebem nota próxima e elevada, o caráter de renda variável é descaracterizado. Isso pode inibir a busca por melhor desempenho", diz Elaine Saad, gerente-geral da YSC, especializada em desenvolvimento profissional.
      Segundo Saad, a forma como os programas de remuneração variável são estruturados é fundamental para motivar os funcionários avaliados. "Regras e critérios que realmente estimulem os funcionários são necessários", diz ela, que também é vice-presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos.

        Eliane Cantanhêde

        folha de são paulo
        A Papuda embranqueceu
        BRASÍLIA - Você sabia que 61,8% dos negros vítimas de violência não dão queixa na polícia? Pois é.
        Eles não confiam nos agentes do Estado pagos justamente para proteger a sociedade. E não confiam pelo longo histórico de injustiças e de seletividade. Numa batida policial, adivinha quem cai na rede? E quem mais sofre maus-tratos?
        O percentual consta da Nota Técnica número 10 do Ipea, que dá muito o que pensar, sobretudo neste momento de apaixonado debate sobre a prisão dos mensaleiros --quer dizer, sobre a dos três mensaleiros petistas, porque ninguém dá bola para todos os demais.
        Segundo a pesquisa, intitulada "Vidas Perdidas e Racismo no Brasil", de Daniel Cerqueira e Rodrigo Leandro de Moura, o número de presidiários negros é muito superior ao de presidiários não negros: eram 253 mil contra 170 mil em 2010. Ou seja, 80 mil a mais!
        Confinados a áreas mais pobres e mais violentas, os negros são as maiores vítimas e acabam sendo também os maiores réus, confirmando que as prisões brasileiras continuam sendo para os PPP --pobres, pretos e prostitutas.
        Como uma coisa puxa outra, poucos --governos, instituições, cidadãos-- de fato se preocupam e se ocupam com o que acontece, a sete chaves, entre as grades, nesses ambientes "medievais" e "desumanos", conforme adjetivação das próprias autoridades que deveriam zelar pela Justiça.
        É por isso que, hoje, os holofotes estão na Papuda, a penitenciária da capital da República. Ali, os PPP passaram a conviver lado a lado com os colarinhos brancos.
        O condenado Cristiano Paz, que não é bobo nem nada, já mudou de ideia e, em vez de Minas, preferiu ficar preso na Papuda mesmo. Com a romaria de um ex-presidente da República, do governador do DF e de deputados do PT, alguma coisa deve mudar por lá. Tomara que não seja só para os novos habitantes...

          Helio Schwartsman

          folha de são paulo
          Apenas bebês
          SÃO PAULO - De onde vem a moral? Para os religiosos, ela vem de Deus. Para empiristas como John Locke, da experiência. Já Hume a subordina às paixões. Em Kant, ela desponta como um "a priori" da razão.
          Essas abordagens, em que pese os valiosos "insights" que produziram, têm um problema em comum: elas estão mais calcadas em especulações filosóficas do que na realidade. É bem verdade que, à época em que tais teorias foram concebidas, não havia muito como proceder de outra forma. De algumas décadas para cá, porém, neurocientistas, psicólogos e até filósofos se puseram a escarafunchar e medir as reações humanas a diferentes tipos de estímulo moral e reuniram uma coleção de dados que, embora não bastem para resolver a questão, são suficientes para pelo menos guiar nossas reflexões através de caminhos mais sólidos.
          O recém-lançado "Just Babies: The Origins of Good and Evil" (apenas bebês: as origens do bem e do mal), de Paul Bloom, explora bem essa senda. O autor retoma seus clássicos experimentos que mostram que bebês de poucos meses já exibem clara preferência por personagens bonzinhos e até se arriscam a punir os maus, os junta com interessantes achados em campos tão variados como a antropologia e a metaética e nos oferece uma obra profunda e gostosa de ler, rica em temas campeões de audiência, como sexo, raça e religião.
          A tese central do autor é que, embora a evolução nos tenha dotado com impulsos inatos, como o sentido rudimentar de justiça já presente nos bebês, e sentimentos morais como compaixão e empatia, isso ainda não basta para erigir uma ética. Afinal, somos mais do que bebês. Uma parte fundamental de nossa moralidade, a que nos torna humanos, diz Bloom, vem da nossa enorme capacidade de utilizar a razão para resolver problemas, aspecto que ficou fora de moda na ciência recente.
          Nesse contexto, "Just Babies" ganha ares de manifesto iluminista.

            Cães e gatos

            folha de são paulo
            Cães e gatos
            A Europa, como é notório, considerou-se por muito tempo o centro do mundo, admitindo no máximo a existência de algumas civilizações exóticas; com frequência, atribuía-lhes características de crueldade, frieza e selvageria que nem sempre sabia reconhecer como suas também.
            Os europeus não se afastavam do comum a toda cultura relativamente isolada. Chineses, astecas ou havaianos terão pensado, igualmente, estar sozinhos num universo circunscrito aos limites de seu próprio conhecimento.
            A ideia da supremacia branca, que residualmente persiste, sofreu repetidos ataques ao longo do tempo. Mais recentemente, terá sido desconfortável aos seus defensores a descoberta de que todo ser humano encontra numa Eva africana sua longínqua ancestral.
            Mais ainda, teriam sido louros, especula-se, os extintos e mais primitivos grandalhões europeus de Neandertal, superados na nossa longa maratona genética pelo intelecto dos "sapiens" subsaarianos.
            Seria ridículo conceder a essas investigações científicas consequências importantes para a autoimagem de quem quer que seja. De todo modo, os europeus podem agora recuperar algo de sua centralidade na história humana. Ou, melhor dizendo, na história canina.
            Contradizendo as teorias que situavam na Ásia a origem dos cães, estudo publicado na revista "Science" sustenta que, do pequeno chihuahua ao cavalar dogue alemão, todos descendem de uma loba ancestral, cinzenta e europeia.
            Acreditava-se que, dadas as grandes diferenças no interior da espécie, tipos diversos de lobos, chacais e coiotes tivessem entrado na mistura; dada a maior variedade nos cães do Extremo Oriente, parecia razoável que se tivessem constituído há mais tempo por lá.
            Ocorre que a diversidade genética dos cães "pode ser influenciada por fatores como o comércio de certas raças ou regimes severos de cruzamento consanguíneo", diz um dos pesquisadores.
            Em 20 mil anos, esses animais teriam se espalhado e diferenciado pelas mais distantes regiões --donde, com alguma fantasia, pode-se concluir que a globalização não é tanta novidade assim.
            Não se importaram muito, os cães, em saber se eram europeus ou em orgulhar-se desta ou daquela característica racial. O cérebro humano é capaz de mitos e crenças --e também da ciência necessária para dissolvê-los-- que o amigo do homem não possui. A menos que sua velha antipatia pelos gatos seja uma lamentável forma de preconceito e incorreção política...

              Um fragmento de "Finnegans Wake"

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              JAMES JOYCE
              tradução CAETANO W. GALINDO
              ilustração MARCIUS GALAN

              SOBRE O TEXTO Este trecho do romance "Finnegans Wake", de 1939, é parte inédita da nova tradução, ainda sem previsão de lançamento, a que vem se dedicando Caetano W. Galindo -o livro já foi traduzido anteriormente no Brasil, por Donaldo Schuler, para a editora Ateliê. Segundo Galindo, este excerto (págs. 21 e 22 do original) é "uma vinheta mais ou menos independente que, no entanto, explora e amplia temas fundamentais da obra: incesto, relações familiares, relações homem-mulher baseadas em sedução e poder, enigmas sem respostas e, claro, uma das famosas palavras-trovão, com cem letras, que interrompem o desenrolar da 'trama'". Galindo dá um conselho ao leitor: "O 'Finnegans Wake' não existe para ser exatamente 'entendido'. Leia em voz alta, brinque um pouco com o texto e deixe que ele te ensine a sua língua própria".
              *
              Ilustração Marcius Galan
              Heraduma noite, tarde, munto timplo atroz, numa antaiga erdade das perdas, quando Adão socavava e sua madãominha tessia cedas d'água, quandomem montenote era todimundo e a premeira leal costeladra que jamais ouve osseu em-fim todomigo com seus olhos plenamormorejantes e todomiro vivia solamante com todamina amais e Conte Dom Cabeço metia a testada tostada benhalta no farol queimorava, impondo mão fria assi mesmo. E seus dois geminhos, bem pecanos, primos nóssios, Tristóvão et Hilário, chutanhavam sua bonica, no chão dolheado da casa do homerigho, castelo embarrocado. E, por Dermoto, quenhé quelhe surge na zeladoria dastalagem senão a contrassobrinhadessi por afinidade, a pirainha. E a pirainha rancouma rosinha e sargutou-se adeante do posta. E sim cendeu e a irlenda embrasil-se. E falela com o posta em seu maisquinho sotraque parusiense: Marco Hhm, por que queu soa pareço ingual um póco de siveja mês mussaca pais savor? E foice assim que começaram as escaramoças. Mas o posta rexplondeu assoa graça em olandês bem nassal: Portaquibateu! Aí sua graça o'malíncia rapetou o geminho Tristóvão e sternou-se rumoeste nunca minho alá deirado que chuvia, que chuvia, que chuvia. E Conte Dom Cabeço guerrinhousse atrazela em seu suave fel de rola: para péra esparajá mevoltacasa aparalá. Mas ela jurresponsoulhe: Umprabeledade. E vil-se um rajantar naquela mesma noite de sabote de anglos cadentes em alhum algur dos eires. E a pirainha foissembora em camanhada quarentana atudomundo e lavou as bença das beleza das verruga do geminho com sabão sepumensolhas e mandou seus quatro mochos mestros que lho seus trucos persinassem e ela o convortou aoum só-bom seguro-um-só e ele tornou-se luderano. Aí veio ela que chuvia e que chuvia e, por redemoto, estava de nova de volto no Conte Dom Cabeço num pescar de solhas e o geminho benho com ela navental, talde a noite, umoutra vez. E onde foi que foi ela sinão nobar do seu brostel. E Conte Dom Cabeço estava cos calcanhos seus bartolobrutos afagados no barril desmalte, apertando com si sóssio suas mãos acalentadas e o geminho Hilário e a bonica na primeira infântia estavam embaixo no lerçol, tolcendo e toussindo, comirmão e comirmã. E a pirainha pinçouma palidinha e sim cendeu de novo e volaram flamantes frangulhos febris das colhinas. E sargutissou delante do portarudo, dizendo: Mar cosdois, por que queu soa pareço ingual dois póco de siveja mês mussaca pais savor? E: Portaquibateu! diz o portarudo, rexplondendo sua deloucadeza. Então casopensada sua deloucadeza largou um geminho e pegou um geminho e por toda a vialíria morracima até a terra de gemém ela chuvia, que chuvia, que chuvia. E Conte Dom Cabeço bailia atrás dela com alto fol de ralo. Para fera esparajá mevoltacausa apuralá. Mas a pirainha jurresponsou: Quemeapretece. E ouve um talto laudejar naquela noite de lourença-feira, de estelas candentes em alhum algur dos eires. E a pirainha se foi na sua camanhada quarentana atidomundo e cravou as pragas protestintas com a tonpa dum grepo no geminho e mandou sas dequatras monitrizes cotovintes que tocassem suas lásgrimas e ela o provortou ao certo-somni-só-seguro e ele tornou-se tristão. E aí foi ela que chuvia e que chuvia, e num látimo, por dom temore, estava de volta no Conte Dom Cabeço e o Oiralih com ela embaixo da borra da seia. E por que ela se detinheria se tanto se nãobem na ala de sua mansomem em outra noutetarda para o terço dos encantos? E Conte Dom Cabeço estava com a pelve polvorosa na despenta encaixurrada, ruminando em seus estambos quátriplos (Varas! Devaras!), ei o geminho oavotsirt e a bonica estavam embeijo nas cobeldas, osculando e digotando, e canalhando e jururando, como lacraio e frialda e em sua segunda infântia. E a pirainha pinçou uma embranca e sim cendeu e jouveram os vales só cintilos. E ela fez-sargutissíssima defrante da arca do tio runfo, perguntando: Marco Tris, por que queu soa pareço ingual três póco de siveja mês mussaca pais savor? Mas foi assim que a escaramoça tevunfim. Pois quai-los camplínios conforcados de relampos que revinhom, o próbrio Conte Dom Cabeço Boanerges, o velho terror das sinhoritas, veio pulapula pulalante pela porta benhaberta de seus castros triscerratos, de chapéu bem rubirrondo e cularinho civicante e com seus saios fosquirrotos mais as louvas de peliça e aquelas salças furfúreas e a bandoneira categuta e suas bostas panunculares morduradas como um nãosionalista verme-amare-zerdavul violetamente indigonado, até o finda da fina fonta de seu carjado de capatrás. E tapeou sua mão rudosa nasorícula gelhada e falhou o que bostava e sua flh mbld dss prela ir focando côta, miafia. E a bobeca fê-lum calapôca (Perkodhuskurunbarggruauyagokgorlayorgromgremmitghundhurthrumathunaradidillifaititillibumullunukkunun!) E beberam todos de graça.
              JAMES JOYCE (1882-1941), escritor irlandês, autor de "Ulysses" (1922) e "Finnegans Wake" (1939).
              CAETANO W. GALINDO, 40, é professor de linguística histórica na UFPR e tradutor de livros como "Ulysses" (Companhia das Letras), de James Joyce, pelo qual ganhou o Prêmio Jabuti.
              MARCIUS GALAN, 41, é artista plástico.

              Marcelo Gleiser

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              Abduções por extraterrestres: tudo começou no Brasil

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              Talvez poucos leitores saibam que o primeiro caso de abdução por seres extraterrestres que ganhou notoriedade internacional tenha ocorrido no Brasil, em 1957. É a história de Antônio Villas Boas, um fazendeiro do oeste de Minas que conta que, na noite de 16 de outubro, enquanto arava o campo, foi sequestrado contra a sua vontade por ETs medindo em torno de 1,5 metro.
              A história tem três pontos interessantes: 1) ocorreu antes do famoso caso americano da abdução de Betty e Barney Hill, em 1961; 2) Antônio teve relações sexuais com uma atraente fêmea de cabelos brancos, pelos púbicos vermelhos e olhos azuis no formato dos de um gato, que o seduziu para se reproduzir com um terrestre; 3) Antônio exibiu queimaduras que, ao serem examinadas por um médico, mostraram-se clinicamente semelhantes às provocadas por materiais radioativos.
              O que levou muitos, especialmente no exterior, a acreditar na história é que consideravam improvável que um "humilde" fazendeiro fosse capaz de elaborar uma narrativa tão complexa. Na verdade, Antônio não era assim tão humilde: além de a sua família possuir muitas terras, formou-se em advocacia, que praticou até sua morte em 1992.
              A maioria dos cientistas nega que abduções sejam relatos reais, considerando-as, quando não pura invenção, produto de estados psicológicos anormais, causados por tendências a fantasiar, estados auto-hipnóticos, síndrome de falsa memória, paralisia durante o sono ou algum tipo de psicopatologia.
              O pesquisador americano Peter Rogerson questionou a veracidade do relato de Villas Boas, argumentando que um artigo sobre abduções havia sido publicado na popular revista "O Cruzeiro" em novembro de 1957; segundo ele, a história de Villas Boas começou a ganhar impulso apenas no início de 1958. Fora isso, argumentou que Villas Boas havia sido influenciado pelas narrativas sensacionalistas do ufólogo George Adamski, populares nos anos 50. Infelizmente, Adamski foi desmascarado como um farsante.
              A maioria das narrativas de abdução tem elementos em comum com a de Villas Boas: sequestro para uma nave alienígena, exames médicos sobre reprodução ou de natureza sexual, marcas misteriosas deixadas no corpo. Existem mitologias datando de milhares de anos, por exemplo, na Suméria, em torno de 2400 a.C., na qual um demônio em forma masculina (incubo) ou feminina (súcubo) seduz um humano durante o sono. Santo Agostinho e São Tomás de Aquino escreveram sobre demônios que seduzem humanos. Exemplos semelhantes ocorrem no folclore de várias partes do mundo.
              A estrela mais próxima da Terra está a aproximadamente 4 anos-luz daqui. Nossa espaçonave mais rápida demoraria uns 100 mil anos para chegar lá. Se ETs vieram aqui, teriam que ter tecnologias para fazer viagens interestelares e não serem detectados, visto que relatos de abdução atingem os milhares.
              Os ETs parecem ter sérias dificuldade de entender nosso sistema reprodutor, dada a sua insistência nos mesmo experimentos. O paleontólogo J. William Schopf escreveu que "asserções extraordinárias necessitam de provas extraordinárias". No caso das abduções, explicações mais ordinárias dominam a ausência de provas extraordinárias.
              marcelo gleiser
              Marcelo Gleiser é professor de física e astronomia do Dartmouth College, em Hanover (EUA). É vencedor de dois prêmios Jabuti e autor, mais recentemente, de "Criação Imperfeita". Escreve aos domingos na versão impressa de "Ciência".

              Marcos Augusto Gonçalves

              folha de são paulo

              De barca para o PS1

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              São perfeitos os dias azuis de outono, quando o frio se aproxima, mas ainda espera pela hora impiedosa de começar o seu reinado. Foi num desses sábados que subi a pé na direção da rua 34 para pegar o "ferry", atravessar o East River e visitar o PS1, espaço de arte contemporânea que o Museu de Arte Moderna de Nova York mantém no Queens.
              O "ferry" é uma lanchona esperta, com dois andares, janelões envidraçados e uma irresistível área a céu aberto na popa. "Cinematográfico" deve ser a palavra mais recorrente para adjetivar o skyline de Manhattan visto de fora da ilha. Mas foi o que me veio à cabeça, não só por ser uma imagem vista à exaustão no cinema, mas pela atmosfera de irrealidade que --também por isso-- a envolve. Alguém deve ter montado aquele cenário ali só para as pessoas sacarem seus smartphones e fotografarem.
              O PS1 foi inventado por uma mulher chamada Alanna Heiss. Em 1971, ela fundou um instituto que se dedicava à ocupação criativa de construções subutilizadas ou abandonadas em Nova York --caso da Escola Pública nº 1 ("Public School nº 1", daí a sigla), em Long Island City. Eram tempos de contracultura. Artistas emergentes desenvolviam novas linguagens e estavam interessados em espaços alternativos, à margem do circuito codificado de museus e galerias, para mostrar performances, instalações ou "site specifics"1.
              Em 1976, o PS1 organizou sua primeira grande mostra, intitulada "Rooms", uma apropriação artística das instalações da escola, que Alanna transformou em sede de seu instituto. Depois de anos e uma reforma, o MoMA assumiu o lugar, em 2000.
              Do cais do "ferry" até lá seria uma boa caminhada, que cortei de metrô. O espaço inteiro --com exceção das salas permanentes-- está ocupado pela retrospectiva de Mike Kelley, um artista cultuado, que deu fim à sua vida em 2012. Ele nasceu em Detroit, em 1954, e começou com um grupo de punk-rock chamado Destroy All Monsters. Suas apresentações se destacavam pela pegada agressiva e performática. O escritor Glenn O'Brien2 definiu a estética de Kelley como "Marcel Duchamp3 encontra The Contortions4" --a banda de punk-- jazz do saxofonista James Chance.
              A retrospectiva, que vai até o dia 2 de fevereiro, revela a impressionante variedade de linguagens experimentadas pelo artista. É irregular, como se pode imaginar --mas cheia de coisas imaginosas, sujas, surpreendentes e divertidas.
              Na saída, comprei um famoso livro de entrevistas com Duchamp, feitas por seu biógrafo, Calvin Tomkins5, em 1964. Quem sabe eu leia ouvindo The Contortions.
              marcos augusto gonçalves
              Marcos Augusto Gonçalves, 55, é editorialista e repórter da Folha. Escreveu o livro "1922 - A Semana Que Não Terminou" (Companhia das Letras).