sábado, 26 de outubro de 2013

É certo usar animais em pesquisas científicas?

folha de são paulo
JOSÉ MEDINA PESTANA
TENDÊNCIAS/DEBATES
É certo usar animais em pesquisas científicas?
SIM
O exemplo da insulina
A discussão em torno do uso de animais em experimentação não se resume ao fato de sermos favoráveis ou contrários a ele. A discussão implica a necessidade de fazê-lo para o desenvolvimento do conhecimento científico e subsequente aplicação em benefício da vida.
Nas últimas décadas, alternativas tecnológicas têm sido estabelecidas de modo a evitar que um número maior de animais seja utilizado. Um exemplo está no desenvolvimento da insulina, cuja descoberta trouxe uma forma de quase ressurreição aos pacientes diabéticos. A insulina foi inicialmente extraída do pâncreas bovino, depois do pâncreas suíno e hoje é sintetizada sem necessitar do sacrifício de animais.
Entretanto, existem situações na pesquisa ou no cotidiano clínico em que o abandono completo do uso de animais ainda não é possível. Como exemplos encontramos o desenvolvimento e produção de vacinas, bem como de anticorpos utilizados como reagentes diagnósticos, ou como meio de tratamento de algumas formas de câncer como os linfomas.
Também ocorrem durante o extenso período de desenvolvimento de um novo medicamento, em que as agências regulatórias públicas demandam testes em animais antes do uso no primeiro voluntário humano, buscando antecipar o conhecimento de sua toxicidade ou mesmo de sua eficácia.
Considerando essas situações, é essencial um sistema regulatório de proteção que garanta o bem-estar dos animais, minimize seu sofrimento e que ainda traga paz de consciência para o pesquisador.
A primeira lei brasileira sobre o assunto foi promulgada por Getulio Vargas em 1934 (decreto-lei nº 24.645). Embora na maioria dos seus artigos predomine os cuidados voltados para animais de grande porte utilizados no trabalho de carga, ela estabeleceu que "os animais existentes no país são tutelados pelo Estado, sendo penalizado quem lhes aplicar maus tratos, mesmo no interesse da ciência".
Em 1979, a lei nº 6.638 estabeleceu as primeiras normas para a prática didática científica com uso de animais. Em 1998, a lei de crimes ambientais nº 9.605 determinou penas para envolvidos em experiência dolorosa ou crueldade com animais vivos, quando disponíveis recursos alternativos.
Nesse período, setores da comunidade científica, entre eles o Colégio Brasileiro de Experimentação Animal, criaram manuais para descrever os princípios éticos de manuseio e cuidados com o uso de animais de laboratório.
Em 1995, o sanitarista e deputado federal Sergio Arouca propôs a lei nº 11.794, que só foi promulgada em 2008 e regulamentada em 2009.
Em seis capítulos, ela incentiva princípios internacionais de refinamento, redução e substituição do uso de animais, cria a política nacional do uso de animais em atividades acadêmicas científicas, determina a criação de comissões de ética nas instituições (CEUAs) e estabelece a criação do Conselho Nacional de Experimentação Animal (Concea), que tem, entre seus 14 membros, ministros de Estado e dois representantes de sociedades protetoras de animais.
A lei lista as condições para a criação e uso de animais e as penalidades aplicadas aos transgressores. Determina que as pesquisas só podem ser realizadas em instituições previamente credenciadas e sob supervisão de profissional de nível superior. Criou normas de alojamento, sedação e eutanásia e limites quanto ao grau de sofrimento.
Hoje, ainda não é possível ser abolida a utilização de animais em modelos experimentais, mas eles devem estar alinhados à interpretação apropriada da Lei Arouca.
Nossa missão é aprimorar sua aplicação, utilizando as comissões locais (CEUAs) para bem analisar os projetos de pesquisa, excluindo aqueles que são redundantes, que não apresentam perspectiva de benefício científico ou que utilizam número excessivo de animais, mesmo sendo ratos ou camundongos, que, embora considerados de escala filogenética inferior aos cães, representam organismos de vida bastante evoluída.
O progressivo desconforto público com muitos aspectos da pesquisa com animais e o debate que agora se intensifica são benéficos para despertar ou aguçar nossa consciência sobre o processo de aprimoramento do respeito ao seu bem-estar, não só na pesquisa, mas no cotidiano desse nosso convívio.
NILTON BONDER
TENDÊNCIAS/DEBATES
É certo usar animais em pesquisas científicas?
NÃO
Homem ou rato?
Sou contra a experimentação científica com animais não humanos da maneira cruel e indiscriminada como é feita hoje. E sou contra mais pela intenção de preservar o próprio ser humano do que apenas os animais.
Sem dúvida é relevante a discussão ética sobre os direitos dos animais entendidos como uma minoria desprotegida, e a responsabilidade sobre eles é equiparável à responsabilidade por "menores" ou "interditados" legalmente.
É importante a identificação com o sofrimento animal como uma questão moral, que não permite a indiferença. O uso de critérios raciais de inferioridade comparativa é uma inaceitável ameaça às conquistas que nos afastam de perversões, escravaturas, inquisições, autoritarismos e nazismo.
Acho, porém, que todas essas razões não são suficientes para evitar o uso dos animais em experimentos, porque são todas reivindicações por direitos. E o direito de um termina diante do direito do outro.
E quando criancinhas estiverem no lugar do direito do outro; e quando essas criancinhas forem nossos filhos, ou quando forem nossos pais, ou nós mesmos, então todos esses argumentos por direitos cairão por terra, desqualificados por todo o tipo de racionalização.
Portanto, baseio a minha opinião não em direitos, mas em deveres. E o maior deles é salvar não os animais, mas a nossa humanidade.
Um belo conto relata que um rabino estava numa carroça puxada por um cavalo e guiada por um cocheiro. A dada altura, surgiu uma ladeira e o animal começou a esforçar-se para subi-la. O rabino saltou de imediato da carroça e foi logo questionado pelo cocheiro: "O que está fazendo?".
"Não quero que meu peso faça o animal sofrer", disse o rabino. "Mas então um ser humano, um rabino, deve ele sofrer subindo a ladeira no lugar de um mero cavalo?", argumentou o cocheiro. "Exatamente por essa diferença que você aponta foi que desci. Um ser humano, um mestre, com certeza não quererá se ver no tribunal do Mundo Vindouro em litígio com um simples cavalo!", sentenciou o rabino.
Há um dever humano, mais do que um direito animal em questão. E há um esforço, um custo ao ser humano por sua consciência e pelos deveres que ela nos impõe.
A ciência não pode nos levar de volta ao passado violento de nossa humanidade, em que os fins justificavam os meios. Nem pode a ciência nos reduzir a animais que apenas se diferenciam de outros animais por sua capacidade de se justificar.
Vamos descer da carroça e pagar o preço de nossos deveres. Eles se impõem, não pelo cancelamento de pesquisas tão necessárias, mas pela implementação de métodos alternativos e por uma maior e melhor regulamentação e fiscalização dos centros de pesquisas, tenham eles finalidade comercial ou didática.
Os avanços da ciência não são um bem absoluto para nossa humanidade apenas quando nos salvam da morte, mas tão somente quando nos salvam também para a vida. Afinal, você é um ser humano ou um rato?

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