domingo, 20 de outubro de 2013

Suzana Singer - Folha Ombudsman

folha de são paulo

Um grande erro, mas só isso

Às vezes, um erro é somente um erro. Não há conspiração, má vontade nem segundas intenções. Parece difícil acreditar, mas foi isso que aconteceu na edição da última pesquisa eleitoral do Datafolha.
No domingo, o jornal informou que, em um cenário sem a candidatura de Marina Silva, a maior parte dos seus votos iria para a presidente Dilma Rousseff. Dois dias depois, a correção: Eduardo Campos, e não Dilma, herda a fatia mais gorda dos eleitores da ex-senadora.
Foi um tremendo erro, que suscitou todo tipo de crítica e dúvida. "Nunca imaginei um engano de interpretação dessa magnitude de um instituto de pesquisa, o que me leva a crer num viés político. Sempre achei a Folha mais inclinada ao petismo", escreveu o empresário Renato Scala, 45.
O professor de geologia da USP Teodoro Isnard Ribeiro de Almeida, 59, disse que respeita tecnicamente o Datafolha, "daí interpretar a releitura da pesquisa [o erramos] como política".
O jornal publicou a correção com visibilidade, inclusive na Primeira Página, como determina o "Manual da Redação" em casos de "gravidade excepcional".
Só que explicou mal o que aconteceu. É importante deixar claro, para o bem da reputação do Datafolha, que não foi um erro do instituto, mas da Redação. "O engano foi provocado por uma leitura apressada de um gráfico preparado pelo Datafolha a partir de cruzamentos que não estavam no relatório principal", explica a editoria Poder.
O Datafolha é uma das unidades de negócios do Grupo Folha, não é parte da Redação. O jornal é um dos clientes do instituto, que faz pesquisas de mercado para agências de publicidade, empresas, ONGs etc.
Na época de eleição, Datafolha e Redação combinam o cronograma dos levantamentos e discutem os itens do questionário. O instituto não faz pesquisa de intenção de voto para partidos políticos nem para candidatos, apenas para a Folha e outras empresas de comunicação.
É indiscutível o peso das pesquisas eleitorais. O erro na edição do primeiro levantamento feito depois do lance mais surpreendente da corrida eleitoral -a aliança Marina-Campos- é o ingrediente perfeito para quem não acredita em imprensa apartidária.
Os céticos precisam levar em conta, entretanto, que erros acontecem. Inclusive alguns lamentáveis, como esse último da Folha.
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NO ESCURO E A SECO
Folha acusou a presidente Dilma de entregar casas sem água nem luz no interior da Bahia. O jornal mostrou, na quarta-feira, que parte das moradias inauguradas em Vitória da Conquista, no programa Minha Casa Minha Vida, estavam no escuro e a seco. Os moradores usavam velas à noite e enchiam baldes nas casas dos vizinhos.
Bastava ler o "outro lado" para concluir que a acusação não fazia sentido. O Ministério das Cidades explicou que as casas foram entregues com instalações elétricas e hidráulicas e que cabia ao beneficiário do programa pedir a ligação dos serviços às empresas de distribuição do Estado.
Acontece o mesmo com quem compra um imóvel sem ajuda federal: é a pessoa que, depois de receber as chaves, aciona o fornecimento de água, luz, gás, telefone.
Os casos relatados indicavam que nem havia um problema exagerado de demora na entrega desses serviços. Apenas uma dona de casa esperava a instalação de luz havia oito dias, três a mais que o prazo dado pela companhia elétrica.
Diante das explicações dadas pelo governo e pelas concessionárias de serviços estaduais, o jornal deveria ter derrubado a reportagem. Não adianta registrar burocraticamente o "outro lado", como prega o "Manual da Redação", mas insistir numa acusação vazia.
A Redação não concorda. "A informação de que as casas foram entregues sem água nem luz é relevante por mostrar a pressa com que o governo tem organizado essas inaugurações, por motivos obviamente eleitorais. O objetivo da reportagem era mostrar isso e não culpar a presidente pela falta de água e luz", diz a editoria Poder.
Se era assim, por que o título dizia "Dilma multiplica viagens e entrega casas sem água e luz"? Em plena campanha (alguém duvida que já começou?), é preciso ser mais rigoroso com as denúncias envolvendo qualquer um dos candidatos. Do contrário, o jornal estará apenas fornecendo matéria-prima para os programas eleitorais de 2014.
suzana singer
Suzana Singer é a ombudsman da Folha desde 24 de abril de 2010. No jornal desde 1987, foi Secretária de Redação na área de edição, diretora de Revistas e editora de "Cotidiano". Escreve aos domingos na versão impressa. E-mail: ombudsman@uol.com.br

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