segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Autor chileno Lemebel critica o preconceito em alto tom, apesar de câncer que afetou a sua voz

folha de são paulo
Grito marginal
Autor chileno Lemebel critica o preconceito em alto tom, apesar de câncer que afetou a sua voz
JULIANA GRAGNANIDE SÃO PAULOFora de cena, o escritor e performer chileno Pedro Lemebel se comunica por meio de gestos. No ano passado, o autor, definido pelo conterrâneo Roberto Bolaño (1953-2003) como o "maior poeta de sua geração", tirou parte das cordas vocais por causa de um câncer na laringe.
Ironicamente, seu maior trunfo como artista talvez tenha sido sua voz. Foi por meio dela que Lemebel, 58, militou a favor da causa gay e contra a ditadura de Augusto Pinochet, que comandou o Chile de 1973 a 1990.
Hoje, a voz que lê o manifesto "Hablo por mi Diferencia" (falo por minha diferença), polêmico texto declamado em um ato político da esquerda em Santiago, em 1986, é um áspero sussurro, entrecortado por tosses secas.
Lemebel é conhecido por suas crônicas, relacionadas pela crítica à estética kitsch e barroca. Ele escreveu apenas um romance, "Tengo Miedo Torero" (2001). Não há obras suas publicadas no Brasil.
Em 1987, fundou, com o poeta e artista Francisco Casas, o coletivo de arte "Las Yeguas del Apocalipsis" (as éguas do apocalipse). A primeira aparição dos dois foi na Faculdade de Artes da Universidade do Chile, onde entraram pelados, montados em um cavalo. O duo fez diversas intervenções políticas.
Quando esteve em São Paulo, na semana retrasada, Lemebel se disse decepcionado ao ver os lugares vazios na plateia do Centro Cultural São Paulo, onde fez uma leitura, parte da Balada Literária e do Festival Mix.
Às cerca de 30 pessoas presentes, contou piadas com a palavra "bicha", recém-descoberta por ele. O termo é equivalente a "maricón", que usa para referir-se a si mesmo e aos "primos". "Porque chamar de irmão é brega", justifica.
Na ocasião, vestia legging e dois lenços: um enrolado pelo pescoço e outro na cabeça, escondendo a ausência de cabelo. O vestuário inteiro era preto, exceto pelos sapatos de salto dourados.
O chileno é desconfiado e avesso a entrevistas. Ao saber que a repórter não acompanharia a sessão de fotos para a reportagem, declarou um alto "No". Mas acabou cedendo e se produziu com três roupas para a fotógrafa (mulher, por exigência sua).
MARGINAIS
Em setembro, o autor, que foi criado em um bairro pobre de Santiago, ganhou o José Donoso, prêmio literário do Chile, por, entre outros motivos, seu caráter de "cronista dos marginais".
Ele rejeita a definição. "Seria tremendamente messiânica [ele alterna o feminino e o masculino para se referir a si] se me definisse assim. Os marginais têm de falar por si. Às vezes faço um gesto de ventriloquismo e nos meus textos saem balbucios que me representam gritando em meio à multidão", diz.
"A palavra de Lemebel é uma barricada de onde ele dispara contra o preconceito e a hipocrisia, sem pudor, imiscuindo-se na vida social pela porta dos fundos, onde moram as bichas, os bêbados, os favelados", diz Laura Hosiasson, professora de literatura hispano-americana da Universidade de São Paulo.
Quando ouviu falar do projeto conhecido no Brasil como "cura gay", Lemebel disse, simplesmente: "Me curar seria tão impossível quanto domar uma anaconda".
    TRECHO
    Não sou Pasolini pedindo explicações / Não sou Ginsberg expulso de Cuba / Não sou uma bicha fantasiada de poeta / Não preciso de fantasia / Aqui está a minha cara / Falo pela minha diferença / Defendo o que sou / E não sou tão estranho / Me aborrece a injustiça / E suspeito desta lenga-lenga democrática / Mas não me fale do proletariado / Porque ser bicha e pobre é pior / É preciso ser ácido para suportá-lo (...) Você sabe que a hombridade / Não a aprendi nos quartéis / Foi a noite quem me ensinou a hombridade

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