terça-feira, 19 de novembro de 2013

Mirian Goldenberg

folha de são paulo
Liberou geral
Em um debate, disse, com ironia, que a traição pode ser um jeito de distribuir os homens democraticamente
Há alguns anos, dei uma palestra sobre as diferenças de gênero na cultura brasileira para um público de mais de 500 pessoas.
No dia seguinte, às oito da manhã, uma amiga me ligou com a voz muito estranha.
"Você leu o jornal? Saiu uma nota sobre a sua palestra. Vou ler para você: Liberou geral. Mirian Goldenberg, a antropóloga, sacudiu a plateia feminina ontem. Disse que, para cada homem de 50 anos, há 53 mulheres disponíveis na praça. Assim, disse, elas deveriam ver a infidelidade com outros olhos, como uma forma democrática de distribuir entre as mulheres os raros homens que estão no mercado'".
Para acalmá-la, expliquei que falei sobre o mercado matrimonial desfavorável para as mulheres mais velhas e sobre o "capital marital", conceito que criei ao observar que conquistar um marido parece ser uma das principais metas de muitas mulheres que se dizem independentes.
Contei que, durante o debate, eu disse que, já que as mulheres reclamam tanto de falta de homem no mercado, deveriam olhar para a infidelidade masculina como a possibilidade de um mesmo homem circular, democraticamente, entre várias mulheres. Assim, muitas não ficariam sozinhas.
Minha amiga, bastante irritada, reclamou: "Meu marido levou muito a sério o que você disse. Achou que, com seus dados, você está dando o aval para a infidelidade masculina. Está sugerindo bons motivos para que os homens traiam suas esposas. E, como ele está exatamente na faixa dos 50, disse que poderia ser mais generoso com as mulheres que estão sem homem".
Perplexa, perguntei: "Será que vou precisar dar tanta explicação, ou até colocar legenda, sempre que fizer uma brincadeira? Não deu para perceber que foi uma ironia?"
Ela, ainda mais irritada, disse: "Não, ele me pareceu bem satisfeito com o seu argumento. Ainda mais com o título: Liberou geral'".
Ela desligou o telefone muito zangada. Fiquei mais tranquila depois de receber vários e-mails e telefonemas de amigas que riram muito com a notinha. Mas confesso que levei um susto com a bronca da minha amiga. Afinal, ela sabe muito bem que, por trás de uma ironia, pode existir uma realidade bastante cruel para as mulheres brasileiras.

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