terça-feira, 19 de novembro de 2013

Todo país mente, e isso vale para morte de Kennedy, diz Oliver Stone

folha de são paulo
GUILLAUME SERINA
DA FRANCE USA MEDIA
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Mais de 20 anos após lançar "JFK", o cineasta Oliver Stone afirma que o filme de 1991 foi "um marco" em sua vida. Depois dele, diz Stone, os críticos sempre o colocariam "como um sujeito que busca ser notícia, com uma visão contenciosa da história, uma opinião diferente. Jamais como cineasta apenas".
Em "JFK", Kevin Costner faz o papel do promotor Jim Garrison, que investigou a suposta conspiração para matar o presidente dos EUA. Na entrevista abaixo, Stone defende o filme conta como sua imagem de John Kennedy mudou ao longo dos anos.
Alvaro Barrientos/Associated Press
Oliver Stone, em festival na Espanha em fevereiro; diretor afirma que EUA mentem, inclusive sobre morte de John F. Kennedy
Oliver Stone, em festival na Espanha em fevereiro; diretor afirma que EUA mentem, inclusive sobre morte de John F. Kennedy
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Folha - Antes de você começar a trabalhar no projeto "JFK", que imagem fazia do presidente Kennedy?
Oliver Stone - Minha família era conservadora, republicana. Meu pai era corretor de ações em Nova York, e era definitivamente republicano, partidário de Eisenhower, Nixon. Ele era anti-Kennedy, anti-Castro. Assim, minha imagem do presidente quando criança era a de um homem muito bonito e muito elegante.
Quando ele foi assassinado, foi um dia triste, e aceitei a história oficial. Mas eu não sabia muito a respeito, porque o país estava se ajeitando com Johnson, o que, bem, de certa forma era uma continuação, e por isso eu não pensei muito a respeito.
Mas em seguida veio a monstruosidade de Lyndon Johnson no Vietnã, entre outras coisas. O país se amargurou muito, a partir de 1963.
Minha imagem de Kennedy mudou ao longo dos anos por causa de Watergate, das audiências do comitê Church sobre a Agência Central de Inteligência (CIA), em 1975, e do crescente conhecimento sobre as coisas que o governo dos Estados Unidos estava fazendo no exterior.
Depois, na década de 80, veio meu conhecimento sobre o que o governo Reagan estava fazendo na América do Sul e Central. Com isso chegamos a 1989; eu era bastante progressista e havia mudado meu pensamento sobre tudo. Inclusive Castro. Inclusive Kennedy.
Associated Press
Cena do filme "JFK", de Oliver Stone, em que Kevin Costner fez o papel do presidente americano assassinado em Dallas
Cena do filme "JFK", de Oliver Stone, em que Kevin Costner fez o papel do presidente americano assassinado em Dallas
Como começou o projeto "JFK"?
Em 1989/1990, li o segundo livro de Jim Garrison, e pensei que daria um bom thriller, um bom tema. Inspirei-me em "Z", de Costa Gavras, que é sobre o assassinato de um político na Grécia.
E o assassinato se torna um escândalo maior, e está sendo investigado por um promotor, que resolve o caso, mas as coisas mesmo assim se desmantelam. Ele está contrariando o Estado.
A mim parecia existir ali uma semelhança com Jim Garrison e sua batalha contra o Estado norte-americano. E também pelo fato de ele não ser autorizado a levar o processo adiante.
Portanto você considerou que Garrison era um grande personagem para acompanhar e em torno do qual criar um filme?
Sim, eu e Kevin Costner conversamos com ele em pessoa, e fiquei muito impressionado. Ele tinha uma grande determinação de descobrir a verdade. Algumas pessoas dizem que só queria publicidade, mas com certeza existem maneiras menos dolorosas de fazê-lo (risadas).
Como você escolheu Kevin Costner para o papel?
Naquele período, eu era um diretor muito "quente", tendo realizado "Platoon" e "Wall Street", e a Warner Bros. queria assinar um contrato comigo. Eu não sabia se eles produziriam o filme --um filme de três horas e alto orçamento-- sem um astro no elenco.
E eles estavam particularmente ansiosos para que eu trabalhasse com Kevin, que havia feito "Robin Hood" e outros filmes para a Warner. Assim, conseguir Kevin para o projeto foi muito importante.
Quando ele aceitou, o estúdio aprovou o orçamento. Não havia dinheiro para o elenco de apoio, mas era algo de que eu precisava muito. A história é complexa e eu queria pessoas com caras boas, caras memoráveis. Porque no final do filme há uma cena com cerca de 30 pessoas. Eu queria astros para aqueles papéis.
Passados 50 anos do assassinato e 20 de seu filme, como você se sente sobre o fato de que a verdade talvez continue escondida?
Não é surpresa para mim. Em todo país existem mentiras oficiais, segredos. Na França, há sempre o problema do colaboracionismo na época da guerra. Os franceses demoraram muito tempo para se acomodar a isso.
Aqui, também temos questões com as quais não lidamos. Como a bomba atômica, o que tento mostrar em "Untold History". Só temos propaganda, e educação desinformada.
O mesmo vale para Kennedy. Aliás, estava claro de imediato que era uma operação clandestina. Eles tinham a biografia de Oswald à mão imediatamente. Há muitos exemplos nas coisas que aconteceram naquele dia, incluindo o roubo do corpo, a autópsia absurdamente incompetente.
Mas a mídia era mais subserviente, então, do que é hoje. Hoje há mais veículos de mídia. Houve contestação, mas ninguém fez coisa alguma oficialmente a respeito. Quando saiu o relatório da Comissão Warren afirmando que Oswald havia agido sozinho, todo mundo acreditou. Eu acreditei.
Você se surpreendeu com a controvérsia quando o filme saiu?
Eu era mais jovem, eu era ingênuo, foi minha primeira grande controvérsia. Antes, havia críticas quanto ao Vietnã e coisas assim, mas nada da mesma dimensão.
Foi uma grande briga. Um marco em minha vida. E em minha carreira como diretor. Percebi que jamais seria julgado da mesma maneira, depois daquilo.
Em outras palavras, os críticos jamais me colocariam na mesma categoria que os demais, mas sempre como um sujeito que busca ser notícia, com uma visão contenciosa da história, uma opinião diferente. Jamais me veriam como cineasta apenas. E isso continua verdade. Creio que toda a minha carreira mudou com aquele filme.
Mesmo quando lanço um filme como "Savages", há sempre críticos que estabelecem uma conexão entre ele e as controvérsias daquela era.
Com o tempo, e melhor acesso a informações, você acredita que os norte-americanos buscarão a verdade?
Há muitas coisas pesquisar, quanto aos tiros, as impressões digitais, as balas, a arma, o retrospecto de Oswald, seu paradeiro. Nada disso foi examinado verdadeiramente, à luz do dia.
Defendo meu filme. O filme fala em meu nome. Tenho muito orgulho dele. Sustentou-se bem, passados todos esses anos, porque era um bom filme. A verdade é que o conceito de Garrison como alguém que busca lucro, ou como um maluco solitário, não se sustenta.
Hoje temos pessoas como Edward Snowden, Julian Assange, Bradley Manning: pessoas que criticam o Estado. A maioria dos cidadãos os reprova, mas muita gente compreende que Estados mentem. Nós o vimos com Bush no Iraque, com Bush pai no Kuait. Todo mundo tem medo, nos Estados Unidos.
Como Kennedy é percebido hoje nos Estados Unidos, em sua opinião?
A maioria das pessoas são jovens demais para recordar como ele era, hoje em dia. Mas foi um homem glamouroso, e é isso que o torna popular.
Tradução de PAULO MIGLIACCI

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