sábado, 23 de novembro de 2013

Walter Ceneviva

folha de são paulo
A crise dos Poderes
No desencontro das opiniões do Legislativo e do Judiciário, a solução deve respeitar a Carta Magna
Os horizontes da política se obscureceram, com as nuvens da linha inconstitucional proposta pelo presidente da Câmara dos Deputados, de não atender os efeitos da punição criminal imposta a destacados participantes do universo político.
O deputado, invocando sua condição de presidente eleito pelos deputados, quer limitar os efeitos das punições aplicadas, entre outros, a parlamentares atingidos pela condenação à prisão pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
A defesa das prerrogativas da Câmara dos Deputados não é, em si mesma, uma violência daquela casa do Parlamento. O presidente tem o direito e o dever de a representar, mas submetido a um limite, que se pode dizer sagrado. O limite está na Constituição, por isso mesmo chamada de Carta Magna.
Como se sabe, o STF examinou o processo condenatório, em debates que --a contar de uma denúncia desta Folha-- resultaram em punições diversificadas, aí incluídas condenações a penas de prisão.
A pergunta que devemos fazer-nos é simples: o deputado condenado a pena de prisão mantém sua condição parlamentar, como efeito inafastável da pena, ou o cumprimento desta depende de anuência da Câmara dos Deputados?
Para a resposta, é necessário examinar cinco dispositivos constitucionais, pelo menos. Começo inafastável é o do art. 2º: "são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário".
Portanto, o primeiro elemento da discussão consiste em examinar os dois termos intermediários desse artigo: os Poderes são independentes e harmônicos. A independência e a harmonia, como evidente, são avaliadas como requisitos básicos e norteadores da situação e da conduta, de cada Poder, em face dos dois outros.
Pensada a situação definida pelo art. 2º, quando aplicado aos fatos do momento e do surgimento de grave crise constitucional, no desencontro das opiniões de um órgão do Poder Legislativo e o órgão máximo do Judiciário, devemos achar um modo de o resolver, respeitada a Carta Magna. Os dispositivos constitucionais, a serem avaliados, são os arts. 44, 76, 92 e 102.
Diz o art. 44: "o Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal". Está no art. 76: "o Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República, auxiliado pelos Ministros de Estado". Lidos os dispositivos sobre o Judiciário, a cabeça do art. 92 relaciona os seus órgãos componentes. O art. 102 afirma que "compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente a guarda da Constituição..."
Assim se vê que o Poder Legislativo é exercido por dois órgãos (Câmara e Senado) e não por um só, dentre eles. O Poder Executivo, embora regido por um único ser humano, auxiliado por seus ministros, fica, em várias situações, vinculado a atos dos dois outros Poderes. O Judiciário, na pluralidade, de seus agentes impõe ao STF (pela maioria de seus membros), precipuamente, a guarda do texto constitucional.
O advérbio de modo não deixa dúvida: diz do que é precípuo o principal, o essencial, o mais importante. Está a dizer de sua capacitação acima de todas as outras.
A Câmara dos Deputados é fundamental na prática da democracia. Mas não é, em si mesma, um Poder. É parte dele.

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