EDITORIAIS
Aposta na ignorância
Senadores voltam a tentar proibir a divulgação de pesquisas antes das eleições; iniciativa semelhante já foi declarada inconstitucional
A discussão, no Brasil, é pelo menos tão antiga quanto a própria Constituição. Em outubro de 1988, a empresa Folha da Manhã S.A., que edita a Folha, ajuizou mandado de segurança no Tribunal Superior Eleitoral, contra resolução da própria corte, a fim de liberar a publicação dos levantamentos --a rádio Jovem Pan e a Rede Bandeirantes fizeram o mesmo.
Foi um julgamento unânime. Todos os ministros acompanharam o voto do relator, José Francisco Rezek, segundo quem a divulgação de pesquisas é "um direito absolutamente fluente do artigo 220 e de seu parágrafo 1º da nova Carta".
Ao lado de outras garantias fundamentais, o dispositivo --que proíbe obstáculos legais à "plena liberdade de informação jornalística"-- foi invocado pelo STF em 2006. Naquele ano, a corte julgou inconstitucional trecho de lei aprovada pelo Congresso que restringia a publicação de pesquisas.
Entretanto, tramita no Senado uma proposta de emenda constitucional com o mesmo intuito. Com parecer favorável de Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), a iniciativa de Luiz Henrique da Silveira (PMDB-SC) propõe 15 dias de censura.
Talvez os senadores não saibam, mas nos países onde vigora esse tipo de impedimento, como a Itália, debate-se justamente sua derrubada. Quando menos porque tendências eleitorais --conhecidas pelos candidatos, que fazem suas próprias sondagens-- inevitavelmente terminam na internet.
Cria-se uma situação perversa: rumores e falsas notícias circulam livremente, mas fica bloqueado o acesso dos cidadãos aos institutos de pesquisa, cujas atividades estão sob o escrutínio dos candidatos e da Justiça Eleitoral.
Há uma questão de fundo ainda mais importante. Como sempre, justifica-se a censura aos levantamentos pela influência que possam exercer no voto dos indecisos.
Dentre os vários equívocos que se superpõem nesse argumento, destaca-se a pressuposição infeliz de que ao eleitor convém ter menos, e não mais, informações sobre o pleito. Por esse raciocínio, a incúria dos governantes tampouco deveria ser noticiada pela imprensa, dado o potencial de influenciar o eleitor. Logo se vê o disparate.
Sem dúvida há certa tendência a sufragar o favorito, de modo a não "desperdiçar" o voto num candidato sem competitividade. Trata-se de problema menor ante os ganhos democráticos. Pesquisas abrem o leque de informações do eleitor, permitindo que ele tome sua decisão em condições melhores.
Desperdiçado, na verdade, é o sufrágio de quem vai às urnas num estado de desinteresse e desatenção. O voto obrigatório, contudo, não merece dos legisladores tanto desejo de mudança constitucional quanto as iniciativas de censura e aposta na ignorância do eleitor.
O banquinho de Raúl
Cuba anunciou a unificação das duas moedas usadas pelo país desde 1994. A medida, ainda sem prazo para viger, será o passo mais ambicioso do processo de reformas que o ditador Raúl Castro tem implementado para evitar o colapso econômico da ilha e prolongar o regime autoritário de partido único.Nenhuma das atuais moedas de Cuba é válida no exterior. O peso cubano (CUP), utilizado para pagar a maior parte dos salários, além de produtos e serviços básicos, vale US$ 0,04 (R$ 0,086); e o peso conversível (CUC), equiparado ao dólar, é corrente na indústria do turismo, em estabelecimentos mais luxuosos e no comércio exterior.
Adotado por Fidel Castro, o modelo pretendia regular o câmbio do peso com o dólar, na época negociado ilegalmente. Quase 20 anos depois, aprofunda a desigualdade social na ilha, ao contrário do que estatui a cartilha dos defensores do regime. Os privilegiados com acesso ao CUC desfrutam de poder econômico várias vezes superior ao da maioria.
A julgar pelo ritmo das reformas concebidas até aqui por Raúl Castro, a unificação da moeda deverá demorar, até porque se justifica certa cautela. Dada a imensa disparidade entre as duas moedas, é grande o risco de disparada na inflação, já que muitos produtos básicos são importados e vendidos a preços subsidiados.
Por outro lado, Cuba não pode demorar demais. A Venezuela, principal parceira do regime, enfrenta dificuldades crescentes.
Há também insatisfação interna. O crescimento do PIB, de 3% em 2012, não chega a amainar os problemas gerados pela hegemonia do Estado na economia. Reformas na agricultura, com um pouco mais de iniciativa privada, tiveram pequeno impacto na produção.
Dotado do mesmo instinto de sobrevivência do seu irmão, Raúl, 82, já anunciou que deixará o governo em 2018. Até lá, quer concretizar uma transição parecida com a chinesa, sem alterar o monopólio do Partido Comunista. Mas Cuba não dispõe das vantagens geoeconômicas da China. Em Havana, a conciliação entre sistema autoritário e prosperidade econômica parece bem mais improvável.
Nenhum comentário:
Postar um comentário