De ratos e cães
SÃO PAULO - "O coração tem suas razões que a razão desconhece", escreveu Pascal. O pensamento do filósofo se aplica bem aos paulistanos e seu amor pelos animais.
Segundo o Datafolha, 66% dos entrevistados se opõem ao uso de cães em pesquisas científicas. O índice baixa para 59% quando as cobaias são macacos, 57% caso sejam coelhos e apenas 29% se forem ratos.
Esses resultados, embora não surpreendentes, contrastam com o discurso dos ativistas, para os quais infligir sofrimento a bichos constitui um caso de especismo, delito moral que os militantes mais radicais equiparam ao racismo e ao escravagismo.
Em termos puramente filosóficos, esse é um raciocínio consistente, se aceitarmos as premissas consequencialistas de pensadores como Peter Singer, para o qual todos os seres sencientes são dignos de igual consideração. Se há uma hierarquia entre eles, ela é dada pela capacidade de sentir dor e prazer de cada espécie e indivíduo. Um ser humano vale mais que uma lesma; o problema é que os mamíferos, em geral, estão todos mais ou menos no mesmo plano.
Sob essa chave interpretativa, proteger cães em detrimento dos ratos constituiria especismo. Seria o equivalente de, na escravidão, defender a libertação dos nagôs e jejes, mas não dos hauçás e axantis, para citar alguns dos grupos étnicos entre os quais o Brasil fez mais vítimas.
O que a pesquisa Datafolha mostra, no fim das contas, é que as pessoas definitivamente não pensam por meio de categorias filosóficas.
Ao rejeitar a lógica consequencialista com base em emoções, o paulistano revela a principal dificuldade dessa matriz ética, que é exigir um igualitarismo tão forte que se torna desumano. Um consequencialista consequente, afinal, precisaria atribuir ao próprio filho o mesmo valor que dá ao filho de um desconhecido.
Não importa o que digam Singer e a filosofia, nos corações dos paulistanos um cão vale mais do que um rato.
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