Projeto em São Paulo e no Rio reúne médicos e outros profissionais da saúde dispostos a doar algumas horas de seu trabalho para ajudar população de baixa renda
CLÁUDIA COLLUCCIDE SÃO PAULO
Na escola, Mikael, 9, não conseguia fazer a lição. Cada vez que era chamado para escrever na lousa, ficava parado, mudo. Às vezes, chorava. As outras crianças riam.
"Me zoavam o tempo todo. Não conseguia enxergar as linhas do caderno, ficava tudo bagunçado. Também não enxergava o que a professora escrevia na lousa", conta.
Euvacir Alves, a mãe, tentou marcar consulta no posto perto de casa, na zona norte de São Paulo, porém não havia oftalmologista. "Me mandaram entrar numa fila de espera, mas avisaram que não tinham previsão."
Há um mês, o problema do menino foi diagnosticado: nove graus de miopia no olho direito e oito graus no olho esquerdo. E resolvido com um par de óculos.
A consulta e o tratamento do foram possíveis graças a um projeto social lançado em São Paulo, o Horas da Vida, que tem apoio de personalidades como o médico Drauzio Varella e o maestro João Carlos Martins. A iniciativa desembarca hoje no Rio.
Por meio dela, médicos e outros profissionais da saúde doam horas disponíveis nas suas agendas para o atendimento gratuito de pessoas de baixa renda. Participam do projeto 150 médicos de 25 especialidades e outros cem profissionais da saúde, como psicólogos e fisioterapeutas.
Os pacientes são triados por instituições que já desenvolvem trabalhos sociais em comunidades carentes. A Fundação Bachiana, do maestro Martins, que leva educação musical aos jovens de Paraisópolis, foi a primeira a apoiar o projeto.
Segundo o clínico-geral e geriatra João Paulo Nogueira Ribeiro, fundador do Horas da Vida, a iniciativa veio da percepção de que, assim como ele, vários médicos já faziam de maneira informal atendimentos gratuitos.
A ideia foi organizar a demanda. Médicos e profissionais da saúde interessados em se cadastrar no programa definem a quantidade de horas e a frequência do atendimento, feito nos seus consultórios particulares.
Não há um critério definido para o acompanhamento do paciente. "A gente não consegue obrigar que o médico faça o seguimento a longo prazo, mas a maioria dos profissionais se sensibiliza com a causa e vai até o desfecho", afirma Ribeiro.
Não há atendimento de urgências e emergências e nem de casos que exijam cirurgias. "Precisamos de mais parceiros, como hospitais e planos de saúde, para atender casos de maior complexidade."
Para o oncologista Drauzio Varella, o projeto não resolve o problema da saúde pública paulista, mas pode ajudar pessoas que não conseguem consultas com especialistas.
"Imagine o número de médicos em São Paulo. Se todos doassem uma hora, duas horas por semana, já seria de grande valia", diz Varella.
Entre os parceiros do Horas da Vida está o laboratório Dasa, que faz gratuitamente os exames para os pacientes atendidos pelo projeto.
O oftalmologista Julio Abucham doa uma hora de consulta por semana e participa de outra iniciativa do programa, o Enxerga São Paulo, um mutirão que realiza exames de acuidade visual, teste de desvio ocular, entre outros.
A ação também tem a Ótica Carol com parceira na doação de lentes e armações.
O caso da aluna Graziele Caldeira, 10, da Fundação Bachiana, foi um dos que motivaram o mutirão. Com dez graus de deficiência visual, ela não conseguia ler as notas da partitura e também tinha dificuldades na escola.
Julio Abucham lembra da reação de Mikael ao colocar os óculos pela primeira vez. "Ele deu um sorrisão maravilhoso, não dá para esquecer."
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