Libra na balança
Resultado do primeiro leilão do pré-sal ficou sem competição e sem ágio; governo só pode festejar os R$ 15 bilhões de reforço fiscal
O leilão do campo de Libra, primeiro do pré-sal, esteve longe de fracassar --afinal, carreará R$ 15 bilhões do bônus de assinatura ao Tesouro, uma boa dose de fortificante para a saúde fiscal do país. Mas até o governista mais renitente terá dificuldade em tomar o resultado como um sucesso.
A competição por um dos maiores depósitos de petróleo descobertos no mundo na última década não teve ágio. E houve um único concorrente, o consórcio composto por Petrobras (10%, além dos 30% de participação obrigatória), Shell e Total (20% cada uma), mais as estatais chinesas CNPC e CNOOC (10% cada uma).
Pelo novo regime de partilha da produção, o pagamento para obter a concessão por 35 anos estava fixado nos R$ 15 bilhões. Ganharia o leilão quem assumisse o compromisso de entregar à União a maior parcela de óleo extraído, com um mínimo de 41,65% estabelecidos no edital. O consórcio vencedor não ofereceu uma gota além desse percentual.
Caem por terra, com o desenlace modesto, as expectativas desmedidas que o pré-sal suscitou de início. Uma mescla tóxica de ufanismo e índole estatizante impregnou o modelo da partilha e impôs a Petrobras como operadora única dos campos, uma das razões que afugentou outros concorrentes.
Há desconfiança quanto à capacidade da estatal brasileira de suportar o desafio. A Petrobras é a empresa não financeira mais endividada do globo, segundo o Bank of America Merrill Lynch, com US$ 112,7 bilhões em obrigações --além do compromisso de investir mais de US$ 200 bilhões para ampliar a produção com o pré-sal.
O caixa da estatal é drenado pelo acionista principal, a União. O Planalto, que teima em não reajustar a gasolina, alinhando seu preço ao internacional, reluta mais ainda após o recuo recente da cotação do dólar, que faz encolher momentaneamente o subsídio concedido ao consumidor brasileiro.
Somados a isso a exigência temerária de um mínimo de conteúdo local em equipamentos e serviços e uma previsível disputa intraestatal de comando sobre os novos campos, envolvendo Petrobras, Agência Nacional do Petróleo (ANP) e a recém-criada Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA), não admira que investidores internacionais se tenham retraído. Não por acaso já se fala em rever as regras de licitação de outras áreas do pré-sal.
Diante dos empecilhos à exploração das jazidas criados pelo viés estatizante das administrações petistas, parece ainda mais desconcertante a violência sectária desencadeada em frente ao hotel onde se realizou o leilão.
O que pretendiam os manifestantes, que a fragilizada Petrobras fosse encarregada de 100% da exploração? Aí, sim, é que a promessa do pré-sal ficaria para as calendas.
Ao menos esse mérito há de reconhecer ao governo Dilma Rousseff, o de ter enfrentado o nacionalismo sindical e seguido em frente com o arriscado leilão --embora se suspeite que seu objetivo maior fosse reforçar a todo custo o combalido superavit primário.
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A ficção da saúde
Imagine a cena. No Brasil profundo, em uma cidade com menos de 20 mil habitantes, uma clínica médica resolve desviar recursos do Sistema Único de Saúde, o SUS.O golpe é simples. Trata-se de emitir recibos de procedimentos médicos nunca realizados e receber verbas como se o atendimento tivesse sido prestado. Para identificar o paciente, basta registrar pessoas mortas ou repetir até 201 vezes o nome de um mesmo indivíduo --ainda que para consultas efetuadas em um único dia.
Não parece muito crível esse enredo, mas, não sendo um filme, a verossimilhança é irrelevante. Foi o que imaginou uma clínica oftalmológica de Água Branca, no Piauí. Segundo auditoria do Ministério da Saúde, as fraudes do estabelecimento, verificadas no ano de 2011, resultaram em extravio superior a R$ 2,5 milhões --valor que a pasta agora tenta reaver.
Em Miranda do Norte, cidade do Maranhão com menos de 25 mil habitantes, outra situação surreal. No período de um ano, o hospital municipal atendeu 27,9 mil pessoas para tratamento de glaucoma --grupo de doenças que afetam o nervo óptico e atingem cerca de 5% da população, em geral nas faixas etárias mais avançadas.
Foram tomados indevidamente dos cofres públicos, nesse caso, quase R$ 2 milhões. Conforme mostrou reportagem desta Folha no domingo, a esse desvio somam-se diversos outros, como aplicação irregular de recursos destinados à saúde, funcionários fantasmas, equipamentos não encontrados e licitações inexistentes.
De 2008 a 2012, as fraudes custaram ao SUS pelo menos R$ 502 milhões, segundo 1.339 auditorias realizadas pelo governo federal.
Em termos relativos, o montante não chega a 1% do orçamento do Ministério da Saúde em 2012. Em valores absolutos, é suficiente para construir 227 UPAs (unidades de pronto atendimento) --hoje existem cerca de 270 em todo o Brasil.
Como se já não fosse um absurdo, a cifra pode ser ainda maior, já que as investigações são feitas após denúncia ou por amostragem. Sem fiscalização mais eficiente, essa hemorragia de recursos públicos não será estancada.
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