O perigoso fascínio dos infográficos
Você já deve ter visto vários deles hoje. Da previsão do tempo à guerra da Síria, toda informação parece ter uma versão gráfica, gerando aquelas imagens em que até o dado mais banal se transforma em um belo cartaz a circular pela rede.
O Pinterest está cheio deles, o Slideshare criou uma área específica para compartilhá-los e novas redes como o Visual.ly se dedicam exclusivamente a esse tipo de informação. Para quem não tem habilidades de ilustrador, serviços automáticos como o Piktochart dão uma força. Se o seu currículo precisa de um banho de loja, Visual CV, Re.vu ou Kinzaa dão conta do recado.
A popularidade dos infográficos não causa surpresa. Mesmo que não sejam animações 3D, interativos ou dinâmicos, são certamente mais atrativos, acessíveis e envolventes do que tabelas e textos. Pesquisas mostram que as pessoas tendem a seguir melhor instruções acompanhadas de imagens, o que talvez explique porque as embalagens de produtos japoneses tenham tantos desenhos.
A visão é um dos sentidos mais explorados e desenvolvidos pela cultura contemporânea, e boa parte da atividade cerebral está concentrada na interpretação de imagens. A percepção visual também é mais rápida do que a leitura. Ao contrário de um texto escrito, não se vê pedaços de uma imagem que, aos poucos, compõem um todo. Elementos parecidos são instintivamente agrupados, gerando padrões.
Se bem representada, uma informação visual pode ser compreendida em frações de segundo. O cérebro humano tem uma capacidade de manipular metáforas visuais de forma muito mais versátil do que seria possível fazer com os dados e conceitos que elas representam. Como blocos de montar, é fácil espremê-las, empilhá-las, reorganizá-las e superpô-las até que um padrão surja, levando a novas descobertas.
Há céticos que acham os infográficos um excesso de firulas, acreditando que poderiam ser substituídos por um parágrafo bem escrito. Mas é só levar em conta a Tabela Periódica ou qualquer Atlas do corpo humano para se perceber que um diagrama bem feito pode ajudar a compreender relações bastante complexas.
A Ciência é uma busca por padrões, e poucas linguagens tem a capacidade de mostrá-los tão bem quanto a visual. Uma tomografia ou a imagem proveniente de um radiotelescópio mostram como a informação visual é útil até para profissionais extremamente qualificados e bem treinados. A atividade cerebral não tem todas aquelas cores e as imagens de estrelas distantes estão fora do alcance da visão.
A sedução das histórias visuais pode ser, entretanto, enganadora. Qualquer diagrama é uma interpretação sujeita a distorções. Como o mapa-múndi, por exemplo. Criado por Gerardus Mercator em 1569, ele projeta o globo em um cilindro, transformando paralelos e meridianos em linhas retas e perpendiculares, o que leva a um inevitável "esticamento" do mapa no sentido leste-oeste.
Usado até hoje pelos maiores serviços de mapeamento digitais (Bing Maps,OpenStreetMap, Google Maps, MapQuest e Yahoo Maps, entre outros) esse diagrama exagera regiões próximas aos polos, representando a Groenlândia do tamanho da África, mesmo sendo 14 vezes menor. O mesmo acontece com o Alasca, que fica quase do tamanho do Brasil. Mesmo com essas distorções, a projeção de Mercator é tão conhecida que parece ser a única possível. Comparada com ela, uma representação mais adequada, como a Gall-Peters, parece esticada.
Em Infográficos, o meio é, literalmente, a mensagem. Por isso é muito importante examiná-los. Não é porque algo é bonito que é necessariamente verdadeiro ou relevante. Como em qualquer estatística, é preciso verificar a fonte e a correlação entre os dados, que pode estar escondida ou camuflada por recursos gráficos.
Um mundo com infográficos pode ser tão rico em pensamento metafórico e reconhecimento de padrões como pode ser limitado e sintético, apresentando ideias complexas na forma de gibis. A única forma de garantir a reflexão é desenvolver a consciência de que qualquer conteúdo apresentado não é finito, mas parte de uma história a ser desenvolvida enquanto houver interesse.
Afinal, como sempre disse a Filosofia, o importante não é a resposta, mas a próxima pergunta.
Luli Radfahrer é professor-doutor de Comunicação Digital da ECA (Escola de Comunicações e Artes) da USP há 19 anos. Trabalha com internet desde 1994 e já foi diretor de algumas das maiores agências de publicidade do país. Hoje é consultor em inovação digital, com clientes no Brasil, EUA, Europa e Oriente Médio. Autor do livro "Enciclopédia da Nuvem", em que analisa 550 ferramentas e serviços digitais para empresas. Mantém o blog www.luli.com.br, em que discute e analisa as principais tendências da tecnologia. Escreve a cada duas semanas na versão impressa de "Tec" e no site da Folha.
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