sábado, 19 de outubro de 2013

Xico Sá

folha de são paulo
Nem a morte separa
Mesmo o maior dos canalhas ama incondicionalmente o escudo tatuado no seu peito ainda em fraldas
Amigo torcedor, amigo secador, vejo essa história do plano funerário "Corinthians para Sempre" e reflito com o corvo Edgar, minha mal-assombrada ave: até onde vai essa maluca relação do homem com o futebol! Tudo na vida é passageiro, menos o amor do sujeito pelo time. Nem a morte o separa da obsessão clubística. O camarada quer se apresentar no céu, no inferno ou no purgatório, seja qual for o endereço, com a credencial do amor terreno.
Repito: homem que é homem muda de sexo mas não muda de time. As mulheres passam e nada interfere na paixão, seu dengo pelo Mengo, pelo Galo, pelo Gigante da Colina, esteja por baixo ou por cima. O homem se entrega à vida noturna, acende o king size sem filtro da vadiagem, caro Aldir Blanc, o homem, mesmo o maior dos canalhas, ama incondicionalmente, fidelidade canina, o escudo tatuado no seu peito ainda em fraldas.
Antes que me julguem porco chauvinista --e isso não diz respeito obrigatoriamente aos machões palmeirenses--, faço constar: algumas mulheres também atingem esse grau de insanidade. Vide Glorinha, minha amiga mais são-paulina, um pedaço de mau caminho da Vila Tolstoi, na ZL paulistana.
Embora o corintiano que paga o seu plano se julgue o mais fanático sobre a Terra, vos digo: o fanatismo independe de mídia, foguetório e barulho. Às vezes o fanatismo é religiosamente silencioso e desconfiado, como o amor ao Botafogo. Todo homem é, de certa maneira, botafoguense. Estar vivo e viver a angústia da finitude é ser, antes de tudo, Botafogo.
O poeta Vinicius de Moraes, que hoje completaria 100 anos, continua um alvinegro eterno no seu botafoguismo platônico. Este sim não trocava uma mulher, com ou sem a beleza fundamental, por um jogo. Sabia que a Estrela Solitária sempre estaria lá, intocável, e poderia amá-la como quem ama de telescópio, como quem ama uma fêmea a distância.
Até onde vai essa maluca relação com o futebol, meu corvo, você criatura saída da costela de Edgar Allan Poe!? Há quem diga que o mais fanático dos fanáticos é o torcedor do Grêmio. Até a pé nós iremos, mesmo com toda a dor de cotovelo de um mundo assim Lupicínio.
Não há como medir fanatismo, nem pelos sete palmos que nos cabe nesse latifúndio. Vai dizer que haja algo equivalente ao lumpemproletariado, à poeira de classes que faz do estádio do Santinha o maior santuário a céu aberto do mundo? É difícil encontrar páreo. O torcedor do Santa Cruz, meu corvo, é um caso de outro mundo. Do mundão do Arruda.
No que salta, mesmo hospitalizado, o querido sobrinho Rodrigo Azoubel, 18, e bota ordem na casa: epa, é Sport Recife, rapá! Rodrigo foi vítima de bala. Não bala perdida. Nem de borracha. De bala mesmo. Vítima do vandalismo de Estado que rola solto. E não só no Rio de Janeiro. No Brasil de dezembro a dezembro.
@xicosa

    Nenhum comentário:

    Postar um comentário