Pato, o tragicômico
Amigo torcedor, amigo secador, em uma semana de tantos e incríveis personagens, até o genial tio Nelson Rodrigues teria dificuldades imensas para escolher o cara, afinal de contas, nos últimos sete dias parece que Deus refez o mundo a cada 90 minutos de várias partidas.
No que o Rogério Ceni aproveitou para se banhar de novo na piscina de "Cocoon" --lembra deste filme?-- e tirou da boca do próprio são-paulino a palavra aposentadoria. Neste jogo no Chile, o goleiro remoçou dez anos. No mínimo. Herói dos Andes, louvado inclusive pelos boleiros da Universidad Católica, "mitou" novamente, para usar este maldito verbo das redes sociais.
Outro gigante foi o homem do gelo baiano, Dida, também sob o signo dos quarentões. Que tranquilidade, que frieza. Nem comemorar, comemora, mesmo diante da insistência juvenil dos colegas de ofício. Dida, esse menino do Grêmio e do mundo, ex-Vitória e principalmente ex-Asa de Arapiraca, tem a classe de um Lev Ivanovich Yashin, o aranha negra aqui na América do Sul, o pantera negra para os europeus.
Impossível, porém, sob qualquer ótica da dramaturgia, tirar o papel principal da semana do menino Pato. Nada mais trágico, nada mais cômico, tragicomédia no melhor sentido grego. Partiu para a bola cantando alegremente, como o pernalta da bossa do João Gilberto, e fez aquela coisa inominável, inclassificável, nunca dantes vista desde que o Charles Muller nos presenteou com o futiba.
Não que o profeta Vicente Matheus, mito da história do Corinthians, não tivesse cantando a jogada há décadas, repare nessa frase das antigas: "Jogador tem que ser igual ao pato, que é um ser aquático e gramático". Gênio.
É o personagem. E chega de bullying. Chega de piada infame, já gastaram todo o estoque. Chega mais ainda de tentativas de agressões. O castigo já foi suficiente. O cara pode até ficar para sempre fora do clube. Pode ter que voltar para o clã do Berlusconi. Chega. Pronto.
Agora falemos de um herói positivo da semana: Hernane, El Brocador baiano, três gols no Flamengo 4x0 Botafogo, poderia ser o herói da semana. Aos trancos e barrancos, o rubro-negro está com jeitão de campeão desta Copa do Brasil, seu Jaime, o técnico mais elegante do país, que o diga.
A torcida do Vasco e a sua demonstração de fé anteontem no Maraca, idem, testemunhei vinte mil léguas submarinas de vascaínos em procissão de fé, radinho colado, eco do narrador Luiz Penido em toda a cidade do Rio de Janeiro. O Goiás do Walter, apesar da derrota, roeu o pequi de quem ri melhor na vida.
Um capítulo à parte: e os passes do Ganso, hein, Felipão? O único que ainda sabe meter, à moda antiga, aquela bolinha de sinuca em diagonal no meio da desprevenida zaga adversária, zagueiros perdidos no contrapé, o único dos nossos dias. Zico repetia esse ato a cada jogo. Fui.
@xicosa
Xico Sá, jornalista e escritor, com humor e prosa, faz a coluna para quem "torce". É autor de "Modos de Macho & Modinhas de Fêmea" e "Chabadabadá - Aventuras e Desventuras do Macho Perdido e da Fêmea que se Acha", entre outros livros. Na Folha, foi repórter especial. Na TV, participa dos programas "Cartão Verde" (Cultura) e "Saia Justa" (GNT). Mantém blog e escreve às sextas, a cada quatro semanas, na versão impressa de "Esporte".
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