'Intimidade é o que se faz dentro de casa', diz Fernando Morais em festival de biografias
FABIO VICTOR
ENVIADO ESPECIAL A FORTALEZA
Em debate na tarde desta quinta-feira (14/11), primeiro dia do Festival de Biografias que acontece em Fortaleza, o escritor Fernando Morais afirmou que intimidade, para figuras públicas, é somente "o que se faz a portas fechadas, dentro de casa".
O direito à intimidade é uma das bandeiras de artistas como Chico Buarque e Caetano Veloso, reunidos na associação Procure Saber, que brigam para manter na legislação artigo do Código Civil que permite a biografados impedir a publicação de biografias não autorizadas.
"O que ele fez na rua, no restaurante, na calçada, o que ele falou ali é público. A relação de Caetano Veloso com a [ex-mulher e presidente da Procure Saber] Paula Lavigne dentro da casa deles é algo que diz respeito à intimidade deles. Mas na hora em que ela atira o automóvel no portão da casa dele quando eles tinham acabado de se separar, isso é uma informação pública, porque são duas figuras públicas", disse Morais.
ENVIADO ESPECIAL A FORTALEZA
Divulgação/Estúdio Pã/FIB | ||
Fernando Morais autografa durante Festival de Biografias em Fortaleza |
O autor das biografias "Olga", "Chatô - O Rei do Brasil" e "O Mago", entre outros livros, debateu com Paulo César de Araújo, autor de "Roberto Carlos em Detalhes", biografia retirada de circulação por uma ação judicial do cantor.
Morais lembrou dos conflitos éticos que já teve ao decidir se incluía ou não em biografias detalhes da intimidade de biografados, conflitos que dirimia com a ajuda de sua mulher.
Deu o exemplo de Paulo Coelho ("O Mago"). "A história dele tem coisas pesadas, satanismo, droga, suicídio, homossexualismo, dramas familiares. Eu pensava: Não sei se tenho o direito de exibir as feridas de um cara que abriu a casa e o coração para mim. Minha mulher então dizia: 'Você está querendo submeter seu leitor a uma censura prévia que nem o Paulo Coelho te impôs'. De fato, ele não me pediu para omitir nada nem leu o livro antes de ser publicado."
CAJU NA PRAÇA
Fernando Morais voltou a afirmar em Fortaleza que deverá parar de escrever biografias por causa das restrições impostas pela legislação.
"Não vou escrever mais nada. Vou ter que agradecer um dia a Paula Lavigne por ter me estimulado a pendurar as chuteiras. Vou entregar o livro do Lula [ele prepara uma obra que enfoca a vida do líder petista de 1980 a 2010, com a colaboração do ex-presidente] para a Companhia das Letras e vou vender caju na praça Buenos Aires [em Higienópolis, bairro paulistano onde mora o escritor], apesar de o Djavan achar que estamos podres de rico [o cantor disse que biógrafos "ganham fortunas"]."
Questionado se voltaria atrás caso a lei seja abrandada, Morais disse que não sabia.
A ameaça de Morais também deve ser relativizada por se tratar de um autor que, além do livro de Lula, tem pelo menos outros dois trabalhos biográficos em andamento, que faltam ser escritos (ou reescritos) e publicados --a biografia do político baiano Antônio Carlos Magalhães (1927-2007) e os bastidores da passagem de José Dirceu pelo governo federal.
Ele diz ainda ter em casa "umas 50 caixas" com papeis de outros personagens biografáveis.
CARTA DE FORTALEZA
A controvérsia que opõe biógrafos e editores ao Procure Saber terá novo capítulo na semana que vem, quando haverá, nos dias 21 e 22, uma audiência pública no STF (Supremo Tribunal Federal) para debater a ação de inconstitucionalidade movida por uma associação de editoras que tenta alterar a legislação.
Durante o debate de hoje, Morais reforçou a proposta, que antecipara à Folha, para que os 11 biógrafos reunidos no festival redijam uma carta a ser enviada aos ministros do Supremo, em especial à ministra Cármem Lúcia, relatora da ação das editoras.
Segundo o escritor, o documento não deve ultrapassar dez linhas. "Sugiro que a redação seja do Mário Magalhães [autor da "Marighella - O Guerrilheiro que Incendiou o Mundo" e curador do Festival de Biografias]. É uma convocação que chegou do Comitê Central", brincou.
Morais e Paulo César de Araújo batizaram na hora o futuro documento de "Carta de Fortaleza".
O jornalista FABIO VICTOR viajou a convite da organização do Festival Internacional de Biografias
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