domingo, 24 de novembro de 2013

Suzana Singer

folha de são paulo
Os carcereiros
Cabe ao jornal esclarecer se houve abusos na prisão dos condenados no mensalão
A prisão dos condenados no mensalão abriu uma nova disputa pelos corações e mentes da opinião pública. Em um extremo, enfileiram-se os que aplaudem, incondicionalmente, o encarceramento dos petistas; no outro, estão os que tentam transformar os presos em vítimas.
A ordem de prisão, expedida em pleno feriado, e a fuga de Henrique Pizzolato, ex-diretor do Banco do Brasil, pegaram a imprensa de surpresa. Demorou um pouco para que os questionamentos ganhassem destaque. Era necessário levar os presos até Brasília, se muitos vão cumprir penas nos Estados em que moram? É correto deixar, por algum tempo, em regime fechado quem foi condenado ao semiaberto? A saúde de José Genoino permite que ele fique no cárcere?
Parecem perguntas objetivas, fáceis de responder, mas o noticiário da última semana mostrou que não são. Lendo a Folha não dá para concluir, por exemplo, se é um erro José Dirceu e Delúbio Soares não estarem ainda autorizados a deixar a prisão durante o dia. Nem se houve "açodamento" nas prisões, como disse o ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello.
O "juridiquês", que foi um pesadelo durante as longas sessões do julgamento, voltou a incomodar. De repente, o noticiário foi tomado por discussões sobre a necessidade de uma "carta de sentença", o papel da "Vara de Execução Penal" e os procedimentos adotados pela PF.
Era tudo novidade para o leigo e foi mal explicado na Folha. O jornal não conseguiu sequer dar uma boa ideia do que é cumprir pena em um regime semiaberto. Já deu para entender que não é passar o dia livre e voltar para dormir na cela, mas o preso pode ir aonde quiser? Passa o fim de semana encarcerado? Sair é um direito de quem foi condenado ao semiaberto ou depende da autorização de um juiz?
Com a ajuda de especialistas, o jornal poderia ter esclarecido essas dúvidas e ter deixado claro os pontos em que não há consenso nem entre os juristas.
A questão mais delicada, que envolve a saúde de José Genoino, também ficou envolta numa névoa de confusão, embora o jornal tenha se esforçado para tentar esclarecer o que era fato e o que era versão no vaivém de informações.
Foi publicado que o deputado passou mal na sua segunda noite trancafiado, o que foi negado pelo governo no dia seguinte. O jornal destacou que, ao se apresentar à polícia, o petista dispensou o exame de corpo de delito, mas seu advogado explicou depois que o exame acabou sendo feito por ordem da Polícia Federal. Na sexta-feira, foi publicado que Genoino teria sofrido um "princípio de infarto", termo que não existe na literatura médica.
A celeuma em torno da situação do deputado levou o colunista Marcelo Coelho a publicar um texto esclarecedor retomando as razões da sua condenação no STF ("Qual a culpa de Genoino?", 21/11). O artigo elenca o que havia contra o ex-presidente do PT, numa tentativa de rechaçar a ideia de que ele foi vítima de uma tremenda injustiça.
A análise, que provocou a ira de petistas e a de inimigos do PT (porque o autor sublinha que Genoino não enriqueceu), é um exemplo inteligente de didatismo, tema tão caro ao projeto editorial da Folha e tão necessário num debate polarizado como o do mensalão.
Não adianta gastar tinta com quem acredita que Genoino, Dirceu e Delúbio são mártires políticos, vítimas de um julgamento político incensado por uma mídia golpista. Nem com quem advoga que a trinca de ex-dirigentes petistas encabeça o pior escândalo de corrupção da história do país.
Cabe ao jornal desconstruir, com fatos, as falácias argumentativas de ambos os lados, com foco no leitor que não entra nesse Flá-Flu e que tenta entender o que é justo e o que é excesso nesses capítulos finais da novela em que os vilões/heróis vão parar na cadeia.

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