domingo, 13 de outubro de 2013

O útero e o riso - Arte brasileira em território germânico - Raquel Cozer

folha de são paulo
DIÁRIO DE FRANKFURT
O MAPA DA CULTURA
RAQUEL COZERCerca de 20 crianças alemãs fazem fila para entrar no útero de Lygia Clark (1920-88). Nenhuma delas jamais ouviu falar na artista brasileira, mas isso não as impede de quererem ser concebidas, geradas e dadas à luz na instalação "A Casa É o Corpo" (1968), que recria o nascimento. "Bem-vinda à vida!", graceja uma segurança a uma menina que conclui o périplo.
A considerar as 3.000 pessoas que passaram por ali desde a abertura da mostra "Brasiliana", cinco dias antes, não é uma piada nova. "Nunca vi os seguranças se divertirem tanto", diz a curadora Martina Weinhart, que passou dois anos selecionando as obras que ficam até janeiro na galeria Schirn, uma das maiores de Frankfurt, no microcentro histórico da cidade.
A mostra integra a programação local em torno do Brasil, convidado de honra da Feira do Livro de Frankfurt deste ano. Seu conteúdo surpreendeu até Weinhart, que, em 30 anos de curadoria, nunca tinha ouvido falar em Lygia, Cildo Meireles e Tunga, para ficar em três dos mais famosos selecionados. "Eles são muito conhecidos no Brasil, mas aqui não. É tudo tão sensual", diz, antes de ter a voz abafada pelos risos da obra sonora "rio oir" (2011), de Cildo.
Dos dois mais jovens expostos, Henrique Oliveira, 40, e Maria Nepomuceno, 37, ela conseguiu obras exclusivas --respectivamente, como define, uma "gruta de compensados de favela" e uma "experiência brasileira em Marte".
JEITINHO "BRASILÊS"
Mais conhecido na Alemanha do que no Brasil é Zé do Rock, 57, que há duas décadas habita território germânico e lança agora livro de forte sotaque "brasilês".
"Per Anhalter Durch die Brasilianische Galaxis" (de carona pela galáxia brasileira), resultado de três meses de viagem, foi um dos títulos preparados para esta edição da feira pela A1 Verlag, editora "klein, aber fein" (pequena, mas fina) que também publica João Paulo Cuenca e Ana Paula Maia. O lançamento lhe rendeu espaço no nobre Sofá Azul, com entrevistas gravadas para a TV alemã.
Zé do Rock não é uma estrela. Está para a cena literária alemã como o poeta marginal Chacal para a brasileira, como diz o poeta brasileiro Age de Carvalho, que vive em Viena. Mas não passa despercebido. "To em fremt do stand de informassoes. Eu tenho ropa colorida", escreve, no "brasilês" que inventou, em SMS enviado para se identificar. Logo é localizado: veste calça amarela, camiseta azul, casaco branco, tênis com cadarços abóbora e mochila preta e cinza.
O livro novo é seu quinto, dos quais só um, de 1998, saiu no Brasil, como "Zé do Rock - O Erói sem Nem Um Agá" (L&PM, esgotado).
CAPITAL DO CRIME9
Toda vez que vai à Feira de Frankfurt, a 153 km de Stuttgart, onde mora, Zé do Rock se lembra de São Paulo. "O que São Paulo é em termos de cidade a Feira de Frankfurt é em termos de feira. Um monstro", diz. E vê outra semelhança: "A criminalidade em Frankfurt está igual à de São Paulo. Lá diminuiu, aqui aumentou".
A fama de capital do crime da Alemanha não é um título que Frankfurt ostente com orgulho como o de maior centro financeiro do país. A cidade lidera há mais de duas décadas pesquisa anual do Departamento Federal de Criminalística da Alemanha. Tem cerca de 700 mil habitantes e média de 16 mil delitos a cada 100 mil pessoas.
Não é algo que o morador perceba tanto, mas o turista pode reparar de primeira. O maior índice de furtos acontece com desprevenidos no aeroporto. Fora de lá, terá mais chance de conhecer a violência local quem se aventurar pela zona de prostituição.
SEM DESPRENDIMENTO
Por falar em delitos, quem anda frequentando as páginas policiais do "Frankfurter Allgemeine Zeitung", maior jornal da cidade, é um bispo católico em Limburg (a 76 km de Frankfurt).
Franz-Peter Tebartz-van Elst já andava na mira da imprensa pelo pouco desprendimento material. Resolveu processar a "Der Spiegel" após texto da revista afirmar que ele tinha ido visitar crianças pobres da Índia viajando em primeira classe, mas acabou acusado de prestar falso testemunho na ação.
Na última terça, o "Frankfurter" informou que a já polêmica construção de sua imensa casa custou não os "meros" 15 milhões de euros que se pensava, mas 31 milhões (R$ 93 milhões). Na quinta, o arcebispo alemão Robert Zollitsch disse que recomendaria ao papa Francisco, famoso por defender uma vida modesta, tirar Tebartz-van Elst do cargo.

    Dois olhares sobre os jogos de "Decameron" - ALCIR PÉCORA

    Folha de são paulo
    RESUMO Duas novas edições se voltam para o clássico de Boccaccio: uma antologia, lançada pela Cosac Naify, mais fiel a aspectos sintáticos do italiano; e uma versão integral do texto, pela L&PM. Apesar do bom nível das traduções, faltam aparatos críticos e notas para ampliar as possibilidades de interpretação do texto pelo leitor.
    *
    De uma vez, apareceram duas novas traduções do "Decameron" (1349-53, revisto em 1370-71), de Giovanni Boccaccio (1313-75). Uma delas, integral, efetuada por Ivone C. Benedetti [L± R$ 74; 632 págs.]. A outra, contendo uma seleção de dez histórias, escolhidas entre as mais celebradas do volume, de responsabilidade de Maurício Santana Dias [Cosac Naify; R$ 62; 128 págs.].
    O argumento do livro é conhecido: atingida pela peste negra, em 1348, Florença vê-se na iminência do caos: a organização política entra em colapso, rompe-se a autoridade familiar e pública, desbaratam-se os costumes. A violência e o assombro das mortes sucessivas levam a situações extremas: da entrega a excessos luxuriosos imediatistas, sem esperança de futuro, à autoflagelação, quando apenas a expiação dolorosa parecia responder ao castigo.
    Nesse cenário tétrico, dez jovens da alta sociedade -sete mulheres e três rapazes, acompanhados de sete serviçais- buscam sobreviver à catástrofe, agindo com bom senso e lucidez.
    Retiram-se juntos para propriedades fora da cidade e, ali, procuram restabelecer uma rotina; o asseio pessoal, o decoro civil, as práticas cristãs e o prazer da conversação são a base do autogoverno do grupo.
    Decidem ainda que, da sesta ao crepúsculo, sob o comando de um "rei" ou "rainha" eleito a cada dia e que decidiria o tema da jornada, contar-se-iam histórias a fim de tornar mais leve o dia. E o plano é rigorosamente seguido durante dez jornadas -justamente o significado do termo grego "decameron".
    As jornadas são dez, mas se estendem, de fato, por um período de 14 dias. Isto porque, dando início às sessões numa quarta-feira, interrompem as reuniões às sextas, dia simbólico da Paixão de Cristo, destinado a orações, e também aos sábados, reservados para lavar a cabeça e jejuar.
    Apenas duas das dez jornadas têm temas livres; as demais seguem instruções, como a de contar histórias nas quais os protagonistas se saem bem, após tribulações várias; ou, ao contrário, histórias de amantes recíprocos que tiveram final infeliz; ou sobre pessoas que, por meio do engenho sutil, conseguiram conquistar um bem desejado; histórias nas quais alguém, com respostas prontas, safou-se de perigos etc.
    Por esse esquema, notam-se ao menos quatro forças posicionadas no centro do tabuleiro do "Decameron", a saber:
    1) o esforço dos jovens para recriar uma corte, refundar uma ordem política, quando a cidade real parece sucumbir ao caos;
    2) o peso enorme da fortuna, isto é, do acaso e da contingência, que se abate sem causa ou aviso sobre as ações e vidas humanas;
    3) a tirania e alcance das paixões amorosas, que não acatam condição de nascimento, situação econômica ou temperamento individual, a todos arrastando pelo desejo de gozo com promessas inseguras e perigosas;
    4) a bravura do engenho, isto é, do entendimento pronto e perspicaz, apto como nenhuma outra faculdade humana a fazer frente ao imprevisto da fortuna.
    As cem narrativas contadas pelas dez personagens acomodam, com invenção copiosa, gêneros retóricos muito diversos, como as "novelas" (isto é, narrativas de assuntos diversos, compostas de vários episódios, quase independentes entre si), as "fábulas" (análogas aos "fabliaux" franceses, isto é, historietas em prosa ou verso, de natureza cômica, escabrosa ou obscena), as "parábolas" (vale dizer, alegorias, exemplos, contos moralizados de intenção pedagógica) ou, enfim, as "histórias" (que fazem referência a passagens históricas e personagens ilustres).
    Alex Cerveny/Arte Folha
    No conjunto, as novelas organizam em "estilo médio" -equidistantes do sublime e do pedestre, como propõe um conhecido estudo de Francesco Bruni- uma enorme variedade de registros discursivos. Nessa perspectiva, as histórias contadas pelos jovens sobreviventes produzem, por meio da exímia arte de narrar, uma espécie de "Paideia", reinterpretada em contexto cristão.
    Elas trazem à vida um repertório de invenções arquitetadas como educação da elite, mas uma educação menos apegada à pureza da doutrina ou à substância do conceito do que à conversação variada, ao entretenimento elegante, à sutileza com que a arte costura, num só tecido, os mil pontos da língua dos acidentes.
    NOVAS TRADUÇÕES
    Ambas as novas traduções, feitas diretamente do italiano, são de bom nível. Comparando trechos aleatórios do livro, a de Santana Dias parece mais literal, mais fiel aos termos repetidos e à sintaxe apta a múltiplas intercalações do italiano, o que pode, por vezes, soar menos fluente em português. E poderia ser ainda mais literal, arcaizando e toscaneando o português até onde suportasse a inteligibilidade da língua.
    Com um exemplo simples: na primeira frase da primeira novela da primeira jornada, aparece duas vezes a palavra "coisa", e na frase seguinte, o termo "coisas".
    A tradução de Santana Dias mantém a repetição na primeira frase, mas a altera na terceira ocorrência por "obras"; Benedetti usa apenas uma vez "coisas" na primeira frase, substituindo-a, na segunda, por uma anáfora ("as fez").
    Por quê? Talvez porque hoje soe mal a repetição? Ela, porém, é parte de um estilo que não a considera deselegante ou redundante, em parte porque são histórias para ser lidas em voz alta, em parte porque a repetição favorece o ritmo solto e o temperamento leve, um despejo médio, prosaico, cuja graça não convém desdenhar.
    O aparato crítico das duas edições é reduzido: no caso da antologia, se limita a uma breve introdução de Santana Dias, modesta na pretensão interpretativa, mas adequada na aproximação tanto do mais importante especialista no "Decameron", Vittore Branca, que acentua os aspectos "medievais" do livro, quanto do já citado Bruni. Traz também uma seleta e útil bibliografia para os que desejem avançar os estudos sobre o livro.
    No caso da edição integral da L&PM, a introdução ficou a cargo de Carlos Eduardo Berriel, professor de teoria literária na Unicamp, estudioso do Renascimento e editor da revista "Morus", dedicada aos estudos utópicos.
    Aqui a intenção interpretativa articula aspectos da vida social europeia e da biografia de Boccaccio -por exemplo, fazendo-o ver, em Nápoles, a sua amada Fiammetta, à imagem da Beatriz de Dante ou da Lauretta de Petrarca. No entanto, mais que vividas, tais passagens são lugares comuns do gênero biográfico, anedotas assentadas em tópicas retóricas e não histórias que se possam confirmar.
    Berriel também entrega o "Decameron", sob uma "concepção inteiramente laica", ao "Renascimento" e "à variedade da realidade da vida", o que faria das suas novelas uma quase antecipação do "romance enquanto gênero". É uma leitura que, mais recentemente, tende a ser criticada, porque reforça uma visão teleológica da história, segundo a qual os eventos de uma época se explicam mais pelo que resultariam em outra do que pelas referências próprias do seu modo de significação.
    Na edição da Cosac Naify, não há notas de nenhuma espécie, nem textuais, nem interpretativas, o que, no caso de um livro escrito há 650 anos atrás, enfraquece as possibilidades de uma leitura bem-feita.
    Não porque se deva ser didático a respeito dele, ou porque não sustente uma inteligibilidade atual, mas sim porque notas bem informadas multiplicam a capacidade de o leitor aproveitar a potência significativa do texto.
    Na edição da L&PM, há algumas notas -poucas, a considerar qualquer boa edição italiana, como a da Mursia, a cargo de Cesare Segre, ou a da Einaudi, do citado Branca. Entretanto, parte delas se gasta por uma opção questionável, qual seja, a de reverter para o francês os nomes italianizados por Boccaccio. A opção se complica ao alterar o título alternativo do livro, apresentado por Boccaccio em sua primeira didascália: "Comincia il libro chiamato Decameron cognominato principe Galeotto...".
    Ao traduzir Galeotto por Galehaut, Benedetti busca ser fiel ao nome original do amigo dedicado de Lancelote, no célebre ciclo bretão.
    Mas Galehaut é opção estranha ao original boccacciano. Se fosse para traduzir o nome, não seria mais próprio, em vez de lhe dar uma retroversão francesa, aportuguesá-lo para Galeote, nome consagrado do herói nas traduções do ciclo do Graal para nossa língua?
    Outra complicação se dá pelo honorífico "príncipe", mantido pela tradutora junto a Galehaut, pois se trata de voz genérica italiana para referir um "cavaleiro nobre". Ma, se o italianismo se mantém, não seria mais justo deixar tudo por conta do "Príncipe Galeotto", assim como para os demais nomes italianizados, e ter mais espaço para notas filológicas, retóricas e históricas que ampliassem as estratégias interpretativas do texto?
    Seja como for, estas são observações incidentais, que contam pouco diante do que um e outro tradutor tão bem fez ao presentear-nos com tal obra de cultura.
    TRABALHO GRÁFICO
    No que toca ao trabalho gráfico e de editoração, as duas edições são bem diferentes.
    A da L&PM, com número muito maior de páginas, é mais simples, sem deixar de ser bem impressa, revisada e facilmente manuseável.
    A capa faz uso de uma pintura a óleo de Gustaaf Wappers (também conhecido como Gustave Wappers, 1803-74), que, à maneira acadêmica do século 19, retrata o próprio Boccaccio a contar histórias para a rainha de Nápoles e uma dama, ambas vestidas como cortesãs e atiradas languidamente sobre o leito desarrumado.
    É uma cena conforme à fama mais licenciosa que os tempos acentuaram no "Decameron", mas que pouco tem a ver com o rígido decoro com que se comporta o grupo dos dez jovens narradores, tal como o livro o propõe.
    Os grandes tipos do título e do autor, que ocupam um terço da capa, empregam uma tipologia de estilo híbrido, com detalhes da letra romana como na perna da frente do "R", bem como na proporção geral; acrescentam-se estilizações e traços figurativos, como espadas no "M" e "N", arco ogival e barra dupla no "A" -esse arco, por exemplo, lembra a fórmula pseudogótica atualmente muito empregada em séries juvenis de sucesso.
    Portanto, não se cuidou, aqui, para que a capa fosse verossímil ao "trecento" italiano, mas tampouco se quis que parecesse completamente contemporânea: há uma referência genérica ao acadêmico, como a dizer que se trata de livro antigo ou clássico.
    A edição da Cosac Naify, ao contrário, faz uma clara opção por um livro visualmente autoral e contemporâneo ao delegar toda a ilustração do volume, em capa dura, ao artista plástico paulistano Alex Cerveny. A solução da capa se dá em termos tipológicos, com aplicações de vinhetas alusivas a grotescos de manuscritos iluminados.
    O efeito é elegante, já pela eliminação das serifas, pelo rigor geométrico e pelo emprego do estilo "monoline", isto é, sem variação na espessura dos traços. Há ligaturas interessantes -por exemplo, entre "C" e "A" e entre "O" e o "N".
    Internamente, as ilustrações são numerosas, não havendo página em que não se encontrem desenhos, vinhetas ou intervenções em vermelho e azul no próprio corpo do texto. A aparência geral é luxuosa, a ponto de dar ao livro certo ar decorativo, senão mesmo de "coffee table book": aquele que não só se lê, mas se deixa estar sobre os móveis como ornamento.
    ALCIR PÉCORA, 59, é professor de teoria literária da Unicamp, autor do livro "Máquina de Gêneros" (Edusp) e organizador de "Por Que Ler Hilda Hilst" (Globo).

    Antonio Prata

    Diário da paternidade II
    Até os três meses era claro, minha filha me notava só como um assistente, um estagiário da mãe
    Ontem, às 4h17 da madrugada, ninando minha indômita filha pelo quarto, cheguei à seguinte imagem: é como se eu fosse um patinador no gelo, dando volteios em câmera lenta, agarrado a uma tainha de cinco quilos que se debate em fast-forward. Quando ela finalmente dorme no meu colo, contudo, a coloco no berço e volto para o quarto, me sinto como o Amyr Klink retornando ao lar depois de ter sido o primeiro homem a atravessar o Atlântico num barquinho a remo. Momentos tétricos, momentos épicos.
    Ter filho te insere, imediatamente, no entusiasmadíssimo clube dos que têm filhos. Um clube que você até sabia que existia, mas para o qual não dava a menor bola. É algo assim como, de uma hora pra outra, passar a torcer pra Portuguesa --na atual fase da Portuguesa.
    Lusa! Lusa! Lusa!
    Às vezes, na rua ou no mercado, percebo que homens ou mulheres com criança de colo estão com medo de mim. É que lhes lancei meu olhar "eu-também-tenho-uma-filha-recém-nascida-eu-sei-o-que-é-isso-que-coisa-mais-linda-que-coisa-mais-doida-parabéns-por-atravessarem-o-Atlântico-todas-as-noites-tamo-junto-Lusa-Lusa!". Infelizmente, a se julgar pelas respostas faciais, toda a intenção do meu olhar se perde em algum lugar entre o córtex e as retinas, me deixando apenas com essa expressão de tarado ou maníaco religioso louco de ácido prestes a, sei lá, lamber alguém.
    Quantos rostos têm um bebê? Olivia espicha o pescoço, é Audrey Hepburn, retrai, é John Goodman --e eu nunca tinha reparado que o John Goodman podia ser tão lindinha. Numa mesma foto, ela parece a minha irmã ao nascer, meu avô paterno aos 80 e sua prima Nina, de 5. O mais legal, no entanto, é quando a olhamos e falamos: "Agora ela não parece ninguém, agora ela tá com cara de Olivia".
    Outro dia fomos ao pediatra e tive que preencher uma ficha. Vi lá "Nome do pai" e já saí escrevendo: "Mario Alberto Campos de Moraes Prata". Levou uns cinco segundos para eu entender que o pai era eu. Pensando bem, talvez ainda não tenha entendido. Terei que preencher mais algumas fichas até que a ficha caia de vez.
    Semana passada, Olivia fez 3 meses: nossas olheiras aparentam 300 anos; nossos corações rejuvenesceram 30 --e não são à toa os múltiplos de 3.
    Durante três meses eu fui apenas um assistente desqualificado. Olivia chorava, eu chegava pra socorrer e, do fundo do berço, ela franzia a testa: "Saco, mandaram o estagiário...". Mas, para minha felicidade, após 90 dias tudo mudou: eu chego, ela sorri. Minha filha finalmente se deu conta da existência do seu pai! (Ou, talvez, só tenha começado a achar graça deste desengonçado estagiário da mãe.)
    Agora, com licença: o Atlântico me chama e, pelo rugir das ondas, não está nada pacífico.

      Falta de cadastro nacional permite um RG por Estado

      folha de são paulo
      Repórter tira carteira de identidade em 9 Estados
      Sem implantação de cadastro nacional, é possível fazer RG com outro nome
      Lei criada em 1997 que prevê um registro único para armazenar os dados de todo o país nunca saiu do papel
      REYNALDO TUROLLO JR.ENVIADO ESPECIAL AOS ESTADOS DE AL, ES, MS, PB, RN, AC, RO, RS E MGA lei criada em 1997 para unificar a emissão de carteiras de identidade no país nunca saiu do papel, omissão do governo federal que permite a uma mesma pessoa ter um RG em cada Estado.
      Ou seja: um mesmo nome, mas 27 documentos com numerações diferentes.
      E essa mesma pessoa pode ainda tirar facilmente um RG com a própria foto e outro nome, prática que serve de base a uma série de crimes.
      Folha encontrou essas brechas em apuração iniciada em janeiro deste ano.
      O mesmo repórter, com RG original de SP, viajou a oito capitais e, em cada uma delas, fez uma nova carteira.
      Foi assim em Vitória, Campo Grande, Maceió, João Pessoa, Natal, Rio Branco, Porto Velho e Porto Alegre.
      Ter um RG em cada Estado é possível porque a emissão dos documentos é estadual, e os institutos de identificação não trocam informações.
      Previsto em lei desde 1997 para corrigir essa falha, um cadastro nacional de identidades, que deveria armazenar eletronicamente dados de todas as pessoas, nunca saiu do papel, embora tenha sido anunciado pelo ex-presidente Lula em dezembro de 2010.
      Atualmente o único requisito para fazer um RG é a apresentação da certidão de nascimento ou de casamento.
      A falta de um sistema que reconheça digitais coletadas em outros Estados permitiu ao repórter fazer em Belo Horizonte um RG com sua foto e suas digitais, mas com o nome de um colega do jornal.
      Expedido por órgão oficial, o documento com o nome incorreto é válido e revela a brecha. Basta que o fraudador tenha certidão de nascimento ou casamento.
      Para corrigir as falhas existentes, o governo federal anunciou em 2010 a implantação do RIC (Registro de Identidade Civil), um cartão com chip para substituir o atual RG em até dez anos.
      O projeto, porém, empacou. Um contrato com a Casa da Moeda para emissão de 2 milhões de RICs, ao custo de R$ 90 milhões, fracassou. Foram produzidos apenas 14 mil cartões, e só 52 estão válidos.
      O RIC teve de ser "redesenhado" em 2012. Foi previsto um custo de R$ 6 bilhões em 12 anos. Decisões sobre onde ficará o cadastro nacional de identidades e qual tecnologia será usada nunca foram tomadas, porque aguardam decisão do Palácio do Planalto.

        José Simão

        folha de são paulo
        Ueba! Eike vai pro Bolsa Familiax!
        E o PSDB é o Benjamin Button que deu errado: nasceu velho e continua velho! É O NOVO!
        Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Festival de Piadas Prontas! "Narcisa Tamborindeguy se filia ao partido errado". Ai, que ferradura! Confundiu o PSD com PSDB. Imagine na hora de votar!
        Um cara no Twitter disse que a Narcisa devia entrar pro LSD! Porque ela parece um fliperama que deu "tilt"!
        Ela tem mania de abrir a janela do apartamento e gritar: "Rio, eu te amo!". E todo mundo acha lindo. Se um corintiano abre a janela e grita, o vizinho chama a polícia! Rarará!
        Outra piada pronta: "Enquanto confessa os pecados, mulher furta padre na catedral de Ribeirão Preto". A mulher furtou o iPhone 5 do padre. Mas roubar iPhone 5 não é pecado, é necessidade. Furto famélico.
        Outra: "Menino entra no hospital para realizar cirurgia na língua e o médico opera a fimose, em Ponta Grossa". Isso que é falta de comunicação. E o médico não era cubano!
        E essa: "Ideli Salvatti usa helicóptero do Samu para périplos em Santa Catarina".
        É o IDELICÓPTERO! Tudo certo: como ela se chama Salvatti, usou o Samu! Samu salvatti a Ideli!
        E diz que o Eike vai entrar pro Bolsa Família. BOLSA FAMILIAX! Rarará!
        E essa dupla? Eduardo Marina. Marinardo e Eduina! A Marina parece o Vasco: tanto barulho pra ser vice no final!
        A Marina se filiou ao PSB, que filiou dois socialistas convictos: Heráclito Fortes, do DEM, e Bornhausen, do DEM. Deu Em Merda!
        O Partido Socialista Brasileiro filia qualquer um, contanto que não seja socialista!
        Então estamos assim: o PT se junta ao Maluf e ao Sarney. Marina se filia ao PSB, que filiou Heráclito Fortes e Bornhausen.
        E o PSDB é o Benjamin Button que deu errado: nasceu velho e continuou velho! É O NOVO!
        E eu não entendo nada que a Marina fala. Fala grego, com legenda em curdo e dublado em sânscrito. Parece filme da Mostra! Rarará!
        Marinardo e Eduina. Lua de mel do barulho. No segundo dia da lua de mel, a Marina teve uma crise alérgica. Por isso que o Campos tem aquele olho esbugalhado. "Tô com alergia". "JÁ?". E esbugalha o olho! Rarará!
        O Campos tem um ovo frito de cada lado do nariz! Ovo verde! Rarará!
        Nóis sofre, mas nóis goza!
        Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

          'Não dormi com o presidente', avisa consultora que inspirou 'Scandal'

          folha de são paulo
          Judy Smith, ex-gestora de crise na Casa Branca, diz ter ética e atitude diferentes da personagem
          Série é a primeira com protagonista negra na TV americana em 35 anos; 2ª temporada é exibida aqui pelo Sony
          MARCO AURÉLIO CANÔNICODO RIOOlhando para a plateia majoritariamente feminina que acabara de assistir ao piloto da série "Scandal", cuja protagonista é inspirada em sua vida, a americana Judy Smith, 54, se antecipa à pergunta que inevitavelmente viria.
          "Devo deixar uma coisa clara antes de começarmos: não dormi com o presidente", diz ela, referindo-se ao ocupante da Casa Branca e diferenciando-se da protagonista.
          "Com nenhum deles."
          Não que Smith, uma gerenciadora de crises que atuou em casos históricos dos governos Reagan (Irã-Contras), Bush (Guerra do Golfo) e Clinton (o escândalo Monica Lewinsky), fosse admitir caso tivesse feito como Olivia Pope, seu alter ego na série.
          Sigilo e discrição são essenciais em sua área de atuação, como ela ressalta para o público que assistiu a sua palestra no último domingo, durante o Festival do Rio.
          Seu trabalho foi a inspiração para "Scandal", produzida por Shonda Rhimes (criadora de "Grey's Anatomy") e hoje em sua segunda temporada no Brasil, onde novos episódios são exibidos pelo canal Sony às segundas, 22h.
          A série conta a história de uma ex-consultora de mídia da Casa Branca, interpretada por Kerry Washington ("Django Livre"), que abre uma empresa de gerenciamento de crises, ajudando a proteger a imagem pública de figuras da elite --políticos, executivos, celebridades e corporações.
          "Scandal se tornou algo importante porque foi a primeira vez que uma mulher afro-americana interpretou a protagonista na TV, nos últimos 35 anos", diz Smith, que é também uma das produtoras e consultora de roteiro.
          "O público feminino fica feliz de ver alguém com quem pode se identificar. Olivia é uma mulher forte, no ápice de sua forma, mas não é perfeita, tem uma vida pessoal um tanto tumultuada, para dizer o mínimo."
          DURONA
          Diferentemente do estilo "gladiadora de terno" que caracteriza a protagonista da série, Smith diz adotar uma postura mais suave e mais dentro da lei.
          "Não encorajo meus investigadores a bater nos outros para obter informação ou a mexer em cenas de crimes."
          Ela e Pope têm em comum o que ela chama de "compaixão pelo cliente". Mas mesmo quando eles praticaram algum crime?
          "Todos cometemos erros. A diferença é que os erros que eu e você cometemos não aparecem nos jornais ou na televisão. Acredito muito no perdão e na redenção. O importante é aprender com os erros", responde.

            Marcelo Gleiser

            folha de são paulo
            Cinco bilhões de anos de solidão
            Mesmo se houvesse mais seres inteligente na galáxia, estariam tão longe que, para todos os efeitos, estamos sós
            Cinco bilhões de anos de solidão. Esse é o nome do novo livro do jornalista Lee Billings, lançado na semana passada nos EUA. O título, obviamente, faz menção ao romance de Gabriel García Márquez, com os cem anos mudados para 5 bilhões.
            Os 5 bilhões aqui retratam, em números arredondados, a idade da Terra e do Sistema Solar. O número mais preciso é 4,5 bilhões de anos, mas ficaria meio estranho no título de um livro.
            A afirmação de que são 5 bilhões de anos de solidão vem do fato de que não temos indicação de que haja outras formas de vida no Cosmo, especialmente inteligentes. Billings traça a história da busca pela vida extraterrestre, incluindo entrevistas com alguns de seus protagonistas.
            Quando falamos de vida extraterrestre, temos de ter cuidado para diferenciar entre vida simples e vida complexa. Por vida simples, entende-se seres unicelulares, como bactérias. A vida surgiu há cerca de 3,5 bilhões de anos, 1 bilhão de anos após a formação do nosso planeta.
            Por que a demora? Durante seus primeiros 600 milhões de anos, a Terra foi bombardeada por asteroides e cometas, que tornavam sua superfície um inferno. Só em torno de 3,9 bilhões de anos atrás é que a coisa se acalmou e os oceanos fincaram pé. Se a primeira vida de que temos informação surgiu cerca de 3,5 bilhões de anos atrás, foram apenas 400 milhões de anos entre a calmaria dos bombardeios celestes e a vida. Não é muito tempo quando se pensa em bilhões de anos.
            A vida na Terra foi dominada por bactérias por quase 3 bilhões de anos. Houve uma sofisticação em que células simples (procariotas) tornaram-se mais complexas (eucariotas, com o material genético protegido num núcleo), mas ficou por aí. A transição da vida unicelular para a multicelular deu-se em torno de 600 milhões de anos atrás e, na explosão do Cambriano (540 milhões de anos atrás), tomou força.
            Se as leis da física e da química são as mesmas no Cosmo, e se só na nossa galáxia há cerca de 200 bilhões de estrelas e mais de 1 trilhão de planetas e luas, é natural especularmos que há a probabilidade de existirem outras terras --planetas com água, carbono e oxigênio, onde a vida também é sofisticada.
            Mas esse raciocínio é simplista, como explico no livro "Criação Imperfeita". A história da vida em um planeta reflete sua história.
            A trajetória da vida na Terra é única e depende de vários fatores geofísicos: a existência de uma Lua grande, que estabiliza a inclinação do eixo de rotação do planeta; de um campo magnético forte o suficiente para refletir radiação cósmica nociva a seres vivos; de placas tectônicas que, ao moverem-se, regulam o gás carbônico na atmosfera, que por sua vez é densa e rica em oxigênio. A lista é longa. Seres complexos precisam de planetas estáveis, com muita energia disponível. Não basta o planeta ter água líquida e carbono para que tenha vida.
            Quando vemos as várias barreiras que a vida simples transpôs para tornar-se inteligente, entendemos o título do livro de Billings. Mesmo se outros seres inteligente existirem na galáxia, estariam tão longe que, para todos os efeitos, estamos sós.
            E se estamos sós neste planeta mágico, temos de aprender a celebrar nossa existência e a proteger o que temos a todo custo.