domingo, 13 de outubro de 2013

Marcelo Gleiser

folha de são paulo
Cinco bilhões de anos de solidão
Mesmo se houvesse mais seres inteligente na galáxia, estariam tão longe que, para todos os efeitos, estamos sós
Cinco bilhões de anos de solidão. Esse é o nome do novo livro do jornalista Lee Billings, lançado na semana passada nos EUA. O título, obviamente, faz menção ao romance de Gabriel García Márquez, com os cem anos mudados para 5 bilhões.
Os 5 bilhões aqui retratam, em números arredondados, a idade da Terra e do Sistema Solar. O número mais preciso é 4,5 bilhões de anos, mas ficaria meio estranho no título de um livro.
A afirmação de que são 5 bilhões de anos de solidão vem do fato de que não temos indicação de que haja outras formas de vida no Cosmo, especialmente inteligentes. Billings traça a história da busca pela vida extraterrestre, incluindo entrevistas com alguns de seus protagonistas.
Quando falamos de vida extraterrestre, temos de ter cuidado para diferenciar entre vida simples e vida complexa. Por vida simples, entende-se seres unicelulares, como bactérias. A vida surgiu há cerca de 3,5 bilhões de anos, 1 bilhão de anos após a formação do nosso planeta.
Por que a demora? Durante seus primeiros 600 milhões de anos, a Terra foi bombardeada por asteroides e cometas, que tornavam sua superfície um inferno. Só em torno de 3,9 bilhões de anos atrás é que a coisa se acalmou e os oceanos fincaram pé. Se a primeira vida de que temos informação surgiu cerca de 3,5 bilhões de anos atrás, foram apenas 400 milhões de anos entre a calmaria dos bombardeios celestes e a vida. Não é muito tempo quando se pensa em bilhões de anos.
A vida na Terra foi dominada por bactérias por quase 3 bilhões de anos. Houve uma sofisticação em que células simples (procariotas) tornaram-se mais complexas (eucariotas, com o material genético protegido num núcleo), mas ficou por aí. A transição da vida unicelular para a multicelular deu-se em torno de 600 milhões de anos atrás e, na explosão do Cambriano (540 milhões de anos atrás), tomou força.
Se as leis da física e da química são as mesmas no Cosmo, e se só na nossa galáxia há cerca de 200 bilhões de estrelas e mais de 1 trilhão de planetas e luas, é natural especularmos que há a probabilidade de existirem outras terras --planetas com água, carbono e oxigênio, onde a vida também é sofisticada.
Mas esse raciocínio é simplista, como explico no livro "Criação Imperfeita". A história da vida em um planeta reflete sua história.
A trajetória da vida na Terra é única e depende de vários fatores geofísicos: a existência de uma Lua grande, que estabiliza a inclinação do eixo de rotação do planeta; de um campo magnético forte o suficiente para refletir radiação cósmica nociva a seres vivos; de placas tectônicas que, ao moverem-se, regulam o gás carbônico na atmosfera, que por sua vez é densa e rica em oxigênio. A lista é longa. Seres complexos precisam de planetas estáveis, com muita energia disponível. Não basta o planeta ter água líquida e carbono para que tenha vida.
Quando vemos as várias barreiras que a vida simples transpôs para tornar-se inteligente, entendemos o título do livro de Billings. Mesmo se outros seres inteligente existirem na galáxia, estariam tão longe que, para todos os efeitos, estamos sós.
E se estamos sós neste planeta mágico, temos de aprender a celebrar nossa existência e a proteger o que temos a todo custo.

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