sexta-feira, 25 de outubro de 2013

José Simão

folha e são paulo
Bom dia, Timão! QUÉN, QUÉN!
E os corintianos querem soltar os beagles e entregar o Pato pra cobaia. Trocamos 178 beagles por um pato!
Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Bom dia, Ultimão! Quén, quén! Pato faz cavadinha, erra pênalti e elimina o Corinthians.
Cavadinha com pé de pato? Cavadinha com pé de pato cava a cova do Corinthians. E um leitor me disse que a única cavadinha que corintiano sabe fazer é pra fugir da penitenciária! Rarará!
E os corintianos querem soltar os beagles e entregar o Pato pra cobaia. É verdade. Já tem concentração de corintianos na frente do Instituto Royal. Trocamos 178 beagles por um pato!
E ontem foi dia vinte e quaquatro! E eu acho que o Dida tá esperando até agora a bola que o Pato chutou.
E eu acho que o Pato tá com aquela mão na cara até agora! Máscara da vergonha! Rarará!
E o site tem a foto do Ceni segurando a faixa: "Fica Pato!" Rarará!
E eu já disse que o Pato só fazia gol na filha do Berlusconi! E corintiano tá passando por cada uma. Um amigo meu corintiano foi pra 25 de Março e comprou de um chinês um pó pra ficar invisível. Mas o pó era falso: assim que ele saiu de casa, o vizinho cumprimentou com voz de pato: quén, quén.
E o Pato não fez uma cavadinha, fez uma cagadinha! Rarará! Pato desarranjado!
E de Pato passamos pra tucanos! Olha essa piada pronta: "José Serra usa termo cartel para criticar leilão de Libra". De cartel, os tucanos entendem. Isso que é opinião abalizada!
E mais essa: "Alckmin cria o Dia Estadual do Ovo". Agora, vai. Fundamental importância! Só falta o dia do pinto. Dia Estadual do Pinto. Rarará!
E aí o Alckmin quebra São Paulo e faz um omelete com os ovos! Rarará!
E sabe por que os chineses ganharam o plé-sal? Porque o pré-sal é tão fundo mas tão fundo que eles vão extrair lá da China mesmo. Rarará!
E o Timão virou o Quase Ultimão! Rarará! É mole? É mole, mas sobe! Ou como disse aquele outro: é mole, mas trisca pra ver o que acontece!
O Brasil é Lúdico! Brasileiro escreve tudo errado, mas todo mundo se entende. Olha essa placa numa porteira: "VEDESE AUFASE". E em Salvador um cara botou um cartaz em cima dum sofá: "VEDIS". Deve ser o sofá do Mussum! Rarará!
Nóis sofre, mas nóis goza!
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

    Barbara Gancia

    folha de são paulo
    Isolar ou não isolar? Eis a questão
    Alô, Haddad! Só tomando uns mé para engolir mais uma mudança na política das internações de dependentes
    Em um mundo ideal, tomates seriam os organismos mais indicados para servir de pi­loto de testes da indústria farma­cêutica. A ritalina, aquele remédio que é dado para crianças hiperati­vas, só seria receitado em casos em que se faz estritamente necessário, nunca como sossega leão. Que tal?
    Nos últimos anos, distúrbios co­mo o TDAH, TOC e a dislexia (difi­culdade de aprendizado de leitura que até ontem não era reconhecida por lei e excluía legiões de brasilei­ros do mercado de trabalho por fal­ta de acesso a diagnóstico e a méto­dos específicos de alfabetização) e a própria condição de dependente do álcool e de substâncias químicas começaram a ser tratadas à luz do dia. Problema é que em vez de a transparência prevalecer, quem dominou o debate foram a ideolo­gia e o mercantilismo.
    Ao contrário do que pensa Myres Cavalcanti, coordenadora de saúde mental da prefeitura, alguns dependentes precisam, sim, de inter­nações prolongadas. São casos ex­tremos, a minoria. Outros, cada ca­so é um caso, podem ser tratados tranquilamente em ambulatórios e conseguem trabalhar e funcionar em sociedade enquanto são trata­dos. No AME (Ambulatório Médi­co Especial) da Vila Maria, em SP, por exemplo, há um programa de acompanhamento de grande su­cesso.
    Outro modelo, em que o depen­dente de drogas ou álcool passa o dia, é o do Caps (Centros de Atenção Psicossocial). Além disso, se cada região tivesse um centro de emer­gência com um par de leitos em ca­da hospital e um psiquiatra para atender casos de surtos, nós já esta­ríamos bem munidos, certo, pre­feito Haddad? Governador Alck­min? Não seria mais preciso ficar discutindo qual o modelo ideal, se o das internações longas ou curtas, se o encaminhamento para hospitais, ambulatórios ou para a Ilha do Dia­bo na Guiana Francesa. Cada caso é um caso e deve ser contemplado como tal, se é que a gente quer mes­mo resolver e não ficar entrando e saindo de guerrinhas ideológicas.
    Em um mundo ideal, e naquele em que o Estado está inclusive dis­posto a atender mais gente com mais eficiência e por menos dinhei­ro, estes quatro modelos funciona­riam em conjunto a um programa perene de prevenção.
    Nesta semana, participei do lan­çamento da cartilha "Papo em Fa­mília" elaborada em conjunto com gente do calibre da nossa Rosely Sayão e dos estúdios da Maurício de Sousa Produções, seguindo as diretrizes estabelecidas pela Orga­nização Mundial de Saúde e patro­cinado pela indústria de bebidas (para quem eu presto serviços na forma de palestras sobre alcoolis­mo).
    Menor não pode consumir álcool porque suas sinapses ainda não es­tão formadas e, quanto mais cedo ele entrar em contato com a bebida, mais chances terá de desenvolver uma adição. Isso é fato. Como tam­bém é fato de que a melhor maneira de convencê-lo de que não pode in­gerir álcool é conversando em fa­mília desde cedo.
    Há uma pesquisa feita entre jovens tapuias indicando que ele confia mais nos pais do que nos amigos. Só que os pais não sabem conversar sobre certos temas mais tênues com seus filhos. Ou não se dão conta de que o exemplo dado em casa vale mais do que um mi­lhão de horas de blablablá. Ou não estão informados de que a conversa sobre a bebida deve começar a par­tir dos seis anos. Ou que amar é im­por limites e não ser um facilitador obsceno. Ou que estabelecer limites não significa moralizar nem a con­versa deve ocorrer de cima para baixo. Seja como for, viu, Haddad e Alckmin, educadores, pais, indús­tria, todo mundo: vamos apressar o passo?

    Michel Laub

    folha de são paulo
    O ponto final do cinema
    A série é tão espetacular assim que valha o esforço, numa época em que se tem pouco tempo para ler?
    É quase unânime que as séries de TV reúnem hoje o que há de mais talentoso no setor audiovisual, ao menos no caso americano. E que mobilizam de forma rara o público de ficção, vide o barulho provocado pelo final de "Breaking Bad".
    Não discordo, já que também me impressionei com o que vi de "Mad Men", "The Wire", "Roma" e da própria saga de Walter White. Apenas relativizo o discurso que vê nesses exemplos o fim do cinema como linguagem relevante.
    Na história da arte, toda mudança tecnológica/de suporte deixa para trás elementos suficientemente peculiares para terem seu valor reconhecido e cultivado. O teatro foi em tudo substituído por câmeras que registram cenas, menos na intensidade que um palco pode oferecer --a presença física dos atores, a intimidade da sala, a sensação de que aquilo nunca mais se repetirá daquela forma e naquelas circunstâncias.
    Dizem que a superioridade atual de "Breaking Bad" e congêneres é temática, porque Hollywood teria perdido a coragem de tratar determinados assuntos com determinados enfoques. Pode ser, mas o mundo não é só Hollywood e a arte narrativa não é feita só de enredo.
    Minha impressão é que o cinema sobreviverá menos por atributos técnicos, da textura da imagem em película ao som e tamanho de tela, cujos efeitos já são ou logo serão reproduzíveis em ambiente doméstico, do que por uma certa liberdade que seu formato permite.
    Ironicamente, é uma liberdade que começa com uma limitação: o tempo que dura um longa-metragem. Numa série, o que está em jogo é a eficiência. As coisas precisam andar para a frente, jogando iscas para que o espectador mantenha o interesse por várias temporadas ou maratonas de episódios.
    Há um investimento alto na trama, o que um filme não precisa ter. O espectador está ali por algo como duas horas, e o diretor pode manejar a disponibilidade fazendo a história ter pontos mortos, contemplativos, durante os quais são digeridas informações e sensações vindas das sequências mais movimentadas.
    Pode também fazer desses pontos a essência de sua obra. A duração menor de um filme permite testar a paciência e capacidade de concentração do público. Imaginem algumas das sinopses de títulos da Mostra de São Paulo, em cartaz agora na cidade, aplicadas a uma série que, como "Os Sopranos", durou nove anos.
    (Exemplo tirado do site do festival: "Fata Morgana", Áustria, 2012, é sobre dois amantes que "falam devagar, calmamente, procurando as palavras certas para seus demônios interiores", e "tudo se resume à impossibilidade de entender a si próprio, que dirá o outro").
    O que parece até charmoso de tão árido, integrando o folclore clássico de piadas com o cinema de arte, é o que faz do longa uma plataforma de experimentação e diversidade. Até em termos comerciais. É mais provável um sujeito do Uzbequistão financiar seu pequeno filme mudo sobre camundongos do que alguém conseguir algo parecido numa série da HBO ou da Sony.
    Mesmo em "filmes de enredo", gosto de saber que existe um ponto final próximo. Vi a primeira temporada de "House of Cards", tenho uma ideia razoável de quem é o (bom) personagem de Kevin Spacey e para onde ele vai, mas nada garante que eu esteja certo. Para tirar a prova, precisarei investir dezenas de horas acompanhando cada trama paralela conduzida por cada diretor convidado.
    A série é tão espetacular assim que valha o esforço, numa época em que se tem pouco tempo para ler, procrastinar trabalho, xingar os outros na internet? Tão melhor que um filme cujo argumento e condução são semelhantes, como "Ides of March", de George Clooney, e que me exigiu apenas uma caminhada distraída até a Augusta --durante a qual pensei no ser e no nada-- e um pacote de M&M's?
    Por precisar dar o ponto final, uma visão de mundo que seguirá repercutindo na memória e imaginação do espectador, o cinema busca conduzir trama, personagens, ambientação e sentidos de forma mais intensa e concentrada. É um desafio que, quando respondido à altura, nos dá a ilusão maravilhosa de conhecer um universo ou uma biografia completa num período tão curto.
    Tal concentração se opõe ao caráter folhetinesco das séries de modo análogo ao que a literatura moderna, lançando mão de atributos diversos, usou para se opor ao próprio e anterior caráter folhetinesco. Que era majoritário no século 19 e, outra ironia, começou a morrer quando surgiram os filmes.

    quinta-feira, 24 de outubro de 2013

    Eólicas saem em busca de fornecedores nacionais


    Por Claudia Facchini | De São Paulo
    Ana Paula Paiva/Valor / Ana Paula Paiva/Valor
    Sergio de Souza, diretor da GE: multinacional negocia com empresas brasileiras para substituir itens importados
    Uma nova cadeia de fornecedores de equipamentos, peças e matérias-primas para a indústria eólica está se desenvolvendo no país desde que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) passou a ser mais exigente com os empreendedores. Para financiar a construção dos parques eólicos, o banco estatal começou a exigir que cada uma das quatro partes dos aerogeradores - torre, pás, nacele (compartimento que fica no alto da torre) e hub (peça que conecta as três hélices) - tenha 70% de conteúdo nacional, no mínimo.
    Até abril, o banco exigia que toda a usina fosse feita com 60% de conteúdo nacional. Os fabricantes podiam, por exemplo, importar os equipamentos da nacele, incluindo a caixa multiplicadora, o gerador elétrico e o conversor de potência. Mas, com as novas regras, dois desses três mecanismos terão de ser feitos no Brasil.
    Os fabricantes de pás também terão de trocar a resina e a fibra de vidro importadas por insumos produzidos no país, enquanto as torres terão de utilizar 70% de aço brasileiro, e não mais 60%. No caso dos hubs (que conectam as pás), três das quatro partes do equipamento precisarão ser produzidas localmente.
    Sérgio de Souza, diretor de vendas da GE na América Latina, elogia o plano do BNDES e afirma que a multinacional americana, a maior fabricante de turbinas eólicas do mundo, está negociando com fornecedores locais para cumprir com as exigências. Segundo ele, as novas regras de nacionalização serão implementadas de forma progressiva até 2016. "O plano foi muito bem feito e não vai interromper a oferta de aerogeradores como muitos previam", disse Souza, durante seminário promovido pela corretora Coinvalores.
    Com as novas regras, as indústrias estão buscando fornecedores no mercado nacional. Hoje, apenas a Usiminas vende, por exemplo, chapas grossas de aço para fabricação das torres. "Mas a Gerdau também vai começar a fornecer o insumo", disse Souza.
    Na semana passada, a dinamarquesa LM Wind Power inaugurou sua primeira fábrica de pás eólicas no Brasil. A unidade foi instalada em Pernambuco, e consumiu investimentos de R$ 100 milhões. O Brasil já possui grandes fabricantes de pás eólicas, como a Tecsis, de Sorocaba (SP), uma das maiores do mundo, e a Aeris Energy.
    No entanto, dificilmente todos os equipamentos importados poderão ser substituídos por itens nacionais, afirma o diretor da GE. Mesmo com o aumento acelerado no número de parques eólicos, que devem agregar 2 mil MW de capacidade instalada por ano, o mercado brasileiro não é grande o suficiente para justificar a instalação de uma fábrica de alguns itens. As caixas multiplicadoras são um exemplo. "Nem todos os aerogeradores utilizam esse equipamento e, mesmo se um fabricante viesse ao país, não teria 100% de participação de mercado", afirma Souza.
    Diferentemente da GE, a expectativa é que algumas indústrias saiam do mercado brasileiro. Dos onze fabricantes de aerogeradores que vieram ao país nos últimos cinco anos, devem sobrar cinco ou sete. Na avaliação da firma de consultoria EY, que publicou em setembro um panorama sobre a indústria eólica mundial, as exigências do BNDES dividem o setor. "Alguns fabricantes estão analisando os prós e contras de ficar no Brasil", escrevem os analistas da EY, para os quais a Vestas seria uma dessas empresas. "Estamos, neste momento, definindo um plano para nos enquadramos nas qualificações exigidas nas novas regras do BNDES", respondeu a Vestas.


    © 2000 – 2013. Todos os direitos reservados ao Valor Econômico S.A. . Verifique nossos Termos de Uso em http://www.valor.com.br/termos-de-uso. Este material não pode ser publicado, reescrito, redistribuído ou transmitido por broadcast sem autorização do Valor Econômico.

    Leia mais em:
    http://www.valor.com.br/empresas/3314850/eolicas-saem-em-busca-de-fornecedores-nacionais#ixzz2ifZyDAWC

    Alguma coisa está (muito) fora da ordem [tendências/debates]

    folha de são paulo
    NEWTON LIMA
    Alguma coisa está (muito) fora da ordem
    A prevalecer a legislação atual, a história de ditadores como o general Médici, se autorizada por sua família, o tornaria merecedor do Nobel da Paz
    "A liberdade não é para aqueles que concordam conosco, mas para aqueles que têm ideias que odiamos" (Oliver Wendell Holmes, juiz da Suprema Corte dos EUA, 1929)
    Alguns artistas tiveram um papel fundamental na luta pela liberdade de expressão no Brasil, principalmente no período conhecido como "os anos de chumbo".
    Em 1968, antes da decretação do AI-5, alguns deles denunciavam o arbítrio e o "terrorismo cultural" perpetrado pelo regime.
    Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil estavam na vanguarda dessa luta pela liberdade. Hoje, no entanto, eles passaram a defender que suas biografias só podem ser publicadas com suas autorizações.
    A Constituição de 1988 acabou com a censura à produção cultural e intelectual no país. O artigo 220 é claro: "Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social [...] É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística".
    Mas, expulsa pela porta da frente, a censura --na sua pior forma, a prévia-- voltou sorrateiramente em 2002, no Código Civil, sob o manto diáfano do direito à privacidade.
    No intuito de proteger a privacidade do cidadão comum, os legisladores colocaram no mesmo patamar a pessoa física e a personalidade pública, dando a este ou a seus familiares o direito de vetar ou negociar a publicação de suas histórias.
    Com isso, contrariaram a doutrina reconhecida de que uma personalidade, seja ela artista ou político, não tem o mesmo direito à privacidade de um cidadão comum.
    Em países democráticos, uma pessoa, a partir do momento em que se expõe voluntariamente ao público --seja se candidatando a algum cargo eletivo, seja subindo aos palcos--, abdica de seu direito à privacidade absoluta.
    Baseada no Código Civil, várias obras artísticas foram proibidas, deixadas de ser produzidas ou até retiradas de circulação. Algo totalmente absurdo, além de desnecessário, pois a lei maior protege as celebridades, impondo indenizações contra calúnias e difamações para a reparação da verdade, da imagem e da honra eventualmente ofendidas.
    Com o objetivo de corrigir essa anomalia, elaborei o projeto de lei nº 393/11, na Câmara Federal, que retira a exigência de autorização para publicação de obras biográficas.
    Alguns argumentos apresentados para defender a censura a biografias têm aspectos kafkianos. Por exemplo, com o fim da ditatorial Lei de Imprensa, ninguém terá problemas se escrever sobre a vida de uma celebridade ou de um político e publicá-la periodicamente em revistas ou jornais. Mas, se a mesma história for compilada na forma de livro, poderá, com base no Código Civil, ter sua comercialização impedida.
    E houve quem sugerisse que os artistas tenham participação nos honorários de biógrafos. É como se dissessem: podem falar livremente sobre a minha vida, desde que me paguem para isso.
    Roberto Carlos, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque foram e são protagonistas da história deste país. Criaram costumes, influenciaram gerações e contestaram a ditadura. Impedir que suas biografias sejam livremente publicadas é mutilar a historiografia do país.
    Já fomos privados de biografias como as de Roberto Carlos e do escritor Guimarães Rosa, entre outros, mas, a prevalecer a legislação atual, a história de ditadores como o general Emílio Garrastazu Médici, por exemplo, se autorizada por sua família, o tornaria merecedor do prêmio Nobel da Paz.
    Já que a Constituição Federal garante que é proibido proibir a livre manifestação do pensamento, livremo-nos imediatamente dessa chaga legislativa antes que ela contamine outras conquistas do Estado de Direito.

    ANSELMO HENRIQUE CORDEIRO LOPES
    A sociedade não silenciará
    É preciso estudar e debater mais os efeitos da liberação comercial de sementes transgênicas resistentes a agrotóxicos perigosos
    A senadora Katia Abreu, em sua coluna na Folha, criticou a atuação do Ministério Público Federal (MPF) e, em especial, deste membro, acusando-nos de promover o que chamou de "fundamentalismo ambiental" ("Pragas ideológicas", 12/10).
    Em realidade, a crítica foi uma reação contra solicitação que dirigimos à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), a fim de que esta promovesse audiência pública, bem como mais estudos técnicos, antes que sejam liberadas para comercialização sementes transgênicas de soja e milho resistentes a agrotóxicos perigosos. O principal deles é o herbicida 2,4-D, usado inclusive como arma química na Guerra do Vietnã e considerado extremamente tóxico pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
    O pedido do MPF foi motivado por informações prestadas por vários pesquisadores, alguns membros da própria CTNBio. Segundo se suspeita, a liberação comercial poderia proporcionar um aumento relevante do consumo de 2,4-D no Brasil, país que já é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo.
    Na solicitação que enviamos ao órgão, não determinamos que fossem indeferidas as liberações (que beneficiariam grandes empresas estrangeiras, as quais lucram com a produção simultânea de agrotóxicos e sementes transgênicas resistentes aos mesmos agrotóxicos).
    Simplesmente solicitamos que as sementes que ainda não foram autorizadas para circulação econômica sejam objeto de mais exames, com participação da sociedade civil.
    Essa medida de cautela é motivada pela necessidade de se respeitar os direitos da população à saúde, à alimentação e ao ambiente equilibrado, os quais não podem ser sacrificados a fim de satisfazer o interesse de empresas internacionais.
    Também nos preocupa a possibilidade de que as liberações das sementes em questão aumentem a dependência do setor rural brasileiro aos produtos fornecidos pelas multinacionais --tanto das próprias sementes quanto dos agrotóxicos aos quais elas são resistentes.
    Essa dependência não é boa nem ambientalmente (como já vimos), nem economicamente, pois gera um aumento de custos na produção, prejudicando principalmente os pequenos produtores, que não têm recursos suficientes para adquirir tais tecnologias genéticas e químicas.
    Voltando ao pedido de audiência pública que fizemos à CTNBio, ele foi submetido ao órgão no último dia 17, sendo acolhido pela maioria simples dos presentes. Contudo, como não foi alcançado o quórum regimental de maioria absoluta para aprovação, a CTNBio decidiu por não promover o debate público.
    Em razão de tal deliberação, decidimos promover no próprio MPF a audiência pública, a fim de debater com a sociedade civil os efeitos diretos e indiretos que podem ser produzidos caso sejam liberadas as sementes transgênicas de soja e milho tolerantes ao herbicida 2,4-D.
    Todos serão convidados para essa audiência popular, inclusive a senadora Katia Abreu, que poderá, democraticamente, continuar a defender os interesses econômicos das empresas estrangeiras, dentro de um espaço público em que a sociedade não se calará e em que será dada voz a todos.

    Kenneth Maxwell

    folha de são paulo
    Liberdade de imprensa
    Nesta semana, a Escola de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Columbia anunciou os Prêmios Maria Moors Cabot, a mais antiga premiação internacional de jornalismo, na rotunda de sua biblioteca memorial, em Nova York.
    Os prêmios foram criados há 75 anos, quando Godfrey Lowell Cabot estabeleceu um fundo para concedê-los, em memória de sua mulher. Com os deste ano, 265 prêmios e citações foram conferidos a jornalistas cujos interesses estão voltados aos assuntos do hemisfério ocidental, tanto na América do Sul quanto na do Norte.
    A Escola de Jornalismo de Columbia foi fundada por Joseph Pulitzer, com a missão de treinar jornalistas sob os mais altos padrões e de conceder prêmios de reconhecimento à excelência no jornalismo, entre os quais os famosos Prêmios Pulitzer. A cada ano, a escola aceita 400 alunos, e, entre os mais de 11 mil estudantes que lá se formaram, há muitos jornalistas, editores, repórteres e produtores conhecidos, na mídia impressa, eletrônica e interativa de todo o planeta.
    Para celebrar o 75º aniversário dos Prêmios Cabot, a escola realizou um simpósio de dois dias sobre liberdade de imprensa, padrões de imprensa e democracia na América Latina.
    O Brasil teve presença marcante neste ano. Uma das medalhas de ouro coube a Mauri König, da "Gazeta do Povo", de Curitiba, por suas reportagens investigativas sobre abusos contra os direitos humanos, tráfico sexual e corrupção. Uma série de reportagens publicadas em 2006 e 2007 expunha casos de tráfico sexual ao longo das fronteiras brasileiras. Em 2002, König expôs o sequestro de crianças brasileiras para serviço militar na Bolívia, o que o levou a ser brutalmente espancado quando estava pesquisando para a história. Sua especialidade é o submundo corrupto do Brasil, e o Prêmio Cabot reconhece o jornalismo corajoso de König.
    Alberto Dines, premiado com o Cabot em 1970, também falou no simpósio. Ele apontou que é importante recordar o quanto as coisas mudaram para melhor no Brasil depois da ditadura militar, e, para König, o trabalho de Dines continua a ser um marco de integridade.
    Porém o conflito fundamental entre a liberdade de expressão e o segredo governamental continua irresolvido. Resta o paradoxo de termos Edward Snowden refugiado na Rússia, país que não é exatamente um baluarte da imprensa livre, e Julian Assange refugiado na Embaixada do Equador em Londres, em um momento no qual o governo equatoriano adota novas leis que muitos dos presentes à cerimônia dos Prêmios Cabot veem como restritivas à liberdade de imprensa.
    Mas são exatamente essas as questões que os Prêmios Maria Moors Cabot têm por objetivo contemplar. E é evidente que continuarão a fazê-lo.

      Paula Cesarino Costa

      folha de são paulo
      Urubus do Galeão
      RIO DE JANEIRO - Chegar ou sair do Rio de avião parece uma viagem no túnel do tempo. Não para o futuro, claro, do qual o Aeroporto Internacional do Galeão só traz lembrança quando se olha para o teto coberto de laminados prateados --iguais àqueles usados em filmes de ficção científica de quinta categoria.
      É uma viagem ao passado. O que mais impressiona no Galeão atual é sua semelhança com o laboratório do Frankenstein. Fios desencapados, canos aparentes, massa cinzenta deslocada de lugar --não é o cérebro de ninguém, mas compensados tenebrosos tentando ocultar a bagunça de uma obra que se arrasta ainda mais lentamente que o processo de concessão do aeroporto à iniciativa privada.
      O governo Dilma Rousseff foi lento e inseguro. Marcou data, depois adiou. Titubeou no formato, mudou as regras. Agora promete efetivá-la em 22 de novembro. O ministro Moreira Franco (Aviação Civil) disse que o modelo de concessão significará um "sacrifício" para o país, porque o Tesouro terá de capitalizar a Infraero.
      Sacrifício quem passa são os passageiros. Entre malas que nunca chegam, escadas quebradas, banheiros interditados, pouca informação e a luta por um táxi ou ônibus.
      A revitalização do Galeão é uma novela que começou em 2008. Inclui a ampliação dos dois terminais e obras nas pistas e pátios. Segundo a Infraero, até setembro último foram executadas 36% das obras do primeiro terminal e 44% das do segundo, mas serão entregues em abril de 2014, ou seja, antes da Copa. Será?
      Inaugurado em 1977, o Galeão já foi o mais importante aeroporto do país. Obcecado por sua privatização, o governador Sérgio Cabral forjou duras e precisas definições: "anticartão de visitas do Rio", "uma vergonha", "pior do que uma rodoviária de quinta categoria". Está certo. Talvez o Galeão com urubus que ameaçam os voos seja a única coisa mais impopular do que Cabral no Rio.