domingo, 27 de outubro de 2013

Mônica Bergamo

folha de são paulo

Após diagnóstico errado de bipolaridade, Cássia Kis tenta largar remédios

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"Cadê você?, que saco! P., menina!", gritava Cássia Kis Magro perto dos seguranças da entrada do Tuca, teatro da PUC-SP. A peça "Tribos", de seu colega Antônio Fagundes, começaria em dez minutos e a atriz esperava aflita pela repórter Ana Krepp.

Atriz está escrevendo sua autobiografia

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Zanone Fraissat/Folhapress
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Cássia Kis no restaurante Spot, um de seus preferidos em SP, fazendo graça com seu figurino "típico de carioca" no frio paulistano
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Os espectadores ainda chegavam ao teatro. Cássia empurrava alguns deles para entrar o mais rápido possível. "Ninguém conhece o Fagundes como eu, ele vai mandar fechar as portas já, já", ia falando, enquanto ultrapassava as pessoas. Sentada, recobrou a placidez.
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Há oito anos, no consultório de um psiquiatra, foi diagnosticada com transtorno bipolar. Começou a tomar três remédios. "Um que te nocauteia, te faz dormir 15 horas por dia; um que te levanta um pouquinho. E outro que te faz sorrir. Daí, lógico que eu melhorei. Você vira um pássaro, só falta voar."
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Ao assumir publicamente a bipolaridade, começou a receber convites para estrelar campanhas publicitárias. "Fui convidada por entidades de psiquiatria e fabricantes de remédios. Eu sacaneei. Pedi R$ 3 milhões. As farmácias são trilhardárias. Se eu for vender isso, vão ganhar R$ 200 milhões. Essa indústria é f.. O medicamento que eu tomo é caríssimo."
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Virou referência, uma espécie de confessionário para os bipolares que queriam dividir suas experiências. "Eu via as pessoas que se aproximavam de mim e pensava: eu sou assim? Não, eu não sou!" Cinco anos depois de conviver com a ideia de que tinha o transtorno, procurou outro psiquiatra. Que garantiu: ela não era bipolar. Não precisava de medicação controlada.
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"Tive um diagnóstico errado, feio. Os médicos fazem uma cirurgia falando da 'trepada' que deram no dia anterior, que 'comeram' a enfermeira. Esquecem espuma, instrumento dentro de você, porque ficam voando. É muito grave eu sair de uma consulta com três receitas. Quem vai pagar o dano? São bulas enormes, dobradas em mil."
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A atriz está agora escrevendo uma autobiografia. Nela, relatará as consequências do equívoco médico.
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Ainda hoje tenta se livrar de remédios. A meditação é a aliada sugerida pela atual psiquiatra, que a auxilia a diminuir as doses de medicação. "Sentando a bunda meia hora de manhã e à noite, tiro qualquer remédio barra pesada. Meditação cura tudo."
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No ano passado, outra crise: dez dias antes do início das gravações, ela desistiu de interpretar a enfermeira Ordália, de "Amor à Vida", papel que Eliane Giardini acabou assumindo. "Eu não tinha condição emocional, não podia trabalhar naquele momento. Meu único caminho foi me recolher."
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As informações de que teve desentendimentos com o autor da trama, Walcyr Carrasco, e a atriz Susana Vieira são falsas, diz. "Sou funcionária da Globo. Se me chamarem para assobiar e chupar cana, eu vou. Mas, pela primeira vez em 30 anos, senti que não ia dar conta. Uma hora ia dar uma m.. Era melhor sair antes de começar."
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Cássia guarda as minúcias para o livro, que planeja lançar até 2015. "Não vou te contar tudo, tá louca? Eu quero é vender biografia."
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Num passeio em uma livraria, comprou "As Quatro Nobres Verdades do Budismo" e deu de presente para a repórter. "Meu marido [o psicanalista João Magro], que é o salvador da pátria, me deu esse livro. Foi a minha luz."
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Adotou dieta saudável quando percebeu, aos 15 anos, que arroz integral colocava seu intestino em pleno funcionamento. Já testou dietas e jejuns e hoje acredita na cura pela alimentação. Mas sem radicalizar. Até comeu pão no almoço, por exemplo.
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Nunca fez plástica. "Você vai tirar pelanca do olho. Quem te garante que não vai ficar de olho aberto, sem fechar nunca mais? Prefiro rugas do que a orelha fora do lugar. Por que não se discute isso? Porque tudo é mercado."
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Interpretou Maria, mãe de Jesus, na Jornada Mundial da Juventude. "Foi uma polêmica do cão, os jovens me perguntavam: 'Você é católica?', 'Quem é você para viver Maria?'. Acabei me considerando muito mais católica que muita gente que tava ali."
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Cássia Kis, 55, interrompeu uma gravidez aos 30 anos. Hoje, integra o movimento católico Pró-Vida, radicalmente contra a descriminalização do aborto. "Carrego não uma culpa, mas a história de uma vida que eu tirei. Sou dona do meu destino, mas não posso ser dona do destino de outro ser." Participa de passeatas ao lado de Elba Ramalho.
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Mãe de quatro filhos --de 9, 11, 16 e 18 anos-- de dois casamentos anteriores, faz questão de reunir todos à mesa para o jantar. "Cuidar talvez seja a palavra mais importante da minha vida. Aprendi sobretudo depois de me casar com o João. Ele pegou esse verbo e fez assim, ó [como se marca gado], na minha pele."
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"Se existe uma guerra de verdade, é dentro da família. Filho matando mãe, mãe matando filho. É a historia da humanidade", afirma, ao falar dos projetos profissionais para os próximos anos, todos sobre dilemas familiares. Em março, estreia a peça "Deus Salve a Rainha", no Rio. E, no ano que vem, atuará no longa "Juliano Pavollini", dirigido por Caio Blat.
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Uma vez por semana, os filhos dormem em seu quarto. "Todo mundo puxa o colchão, parece um acampamento." O caçula, que mamou até os quatro anos, ainda tem mimo especial: é levado até lá no colo de Cássia.
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Está levando a mãe, Piedade, com quem deixou de conviver aos 15, quando saiu de casa, para morar com ela. "Fiz uma suíte com tanto amor. Moro numa casa bárbara, em frente à praia." Preparou o cenário e vislumbra as melhores cenas. "Ela vai ter os netos por perto. Vou poder dizer pra meus filhos: 'Maria, vá dar o 'remedinho' pra sua avó'; 'Joaquim, prepara o mingau dela'."
Mônica Bergamo
Mônica Bergamo, jornalista, assina coluna diária publicada na página 2 da versão impressa de "Ilustrada". Traz informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999.

Mauricio Stycer

folha de são paulo
Vendo TV na sala
O Twitter permite partilhar opiniões sobre programas, mas é ameaçado por novas tecnologias
Na capa de sua mais recente edição impressa, a "Forbes" americana meio que afirma, perguntando: "Como o Twitter vai salvar a TV (e como a TV vai salvar o Twitter)". O pretexto para a reportagem é a oferta pública inicial de ações da empresa, que deve ocorrer em meados de novembro.
A questão diz muito a respeito das possibilidades e dificuldades que tanto o mundo da televisão quanto o Twitter enfrentam neste momento. Enquanto a primeira não sabe o que fazer para impedir o derretimento da sua audiência, o segundo busca superar o ceticismo do mercado e demonstrar que é um negócio viável.
A "Ilustrada" tratou do assunto, no último domingo, ao detalhar algumas iniciativas deste "namoro entre telas". "Para sobreviver, a TV olha esperançosamente para Twitter e Facebook, a segunda tela'. As duas redes sociais olham de volta, interessadas principalmente nas transmissões ao vivo", escreveu Nelson de Sá.
Como não faço ideia de até onde vai a familiaridade dos leitores com esta relação entre Twitter e TV, tomo a liberdade de fazer um breve relato pessoal. Abri a minha conta na rede social no segundo semestre de 2008, há pouco mais de cinco anos.
Fui levado ao Twitter, inicialmente, pela vontade de promover os textos que escrevia no blog. Era (e ainda é) uma oportunidade de mostrar o meu trabalho a uma audiência que não o conhecia. Rapidamente, porém, entendi que esta era uma função secundária da rede social.
Não foi difícil perceber, como usuário, algo muito parecido ao que Dick Costolo, CEO do Twitter, constatou: "À medida que crescemos, ficou cada vez mais claro que as características que distinguem o Twitter --público, em tempo real e bom para conversar-- fazem dele um complemento perfeito para a televisão."
Seguindo e sendo seguido por pessoas com gostos mais ou menos semelhantes, o Twitter oferece a oportunidade de transformar a experiência de ver um determinado programa num bate-papo animado. É como se estivessem todos na sala, trocando ideias, discutindo e, frequentemente, brigando por conta de opiniões mais fortes, digamos, a respeito da falta de sutileza de Walcyr Carrasco ou da atuação do juiz no Maracanã.
Esta situação, como se já viu, é possível basicamente em dois tipos de situação: nas transmissões ao vivo (de um show ou de uma partida de futebol) e durante a exibição de programas previamente anunciados na grade das emissoras.
O americano, segundo o instituto Nielsen, ainda assiste a cinco horas por dia, em média, de programas. O problema, e aí retorno à capa da "Forbes", é que cada vez mais o espectador tem optado por ver televisão de outras formas.
Uma pesquisa citada diz que um terço dos espectadores veem os seus programas preferidos em laptops, smartphones e tablets. Assistindo a programas gravados anteriormente ou em serviços que o oferecem "on demand", você não apenas salta os anúncios comerciais: você escolhe a hora em que quer ver.
Esta experiência mais contemporânea bate de frente com aquela outra, que o Twitter oferece. É possível conversar com quem está assistindo à novela ou ao seriado na hora em que ele passa na TV, mas não com quem resolve vê-lo no momento em que bem entender. O Twitter, de alguma forma, resgata uma sociabilidade antiga, mas é ameaçado por tecnologias mais modernas do que ele.

Ferreira Gullar

Folha de São Paulo
Tanto barulho por nada
Embora seja ilegal fazer barulho atordoante em área residencial, isso ocorre sem qualquer reação da polícia
Não faz muito tempo, um cidadão de mais de 60 anos invadiu o apartamento acima do seu, aqui no Rio, e matou a tiros o casal que morava ali; em seguida, suicidou-se. E qual foi a causa dessa tragédia? Barulho, excesso de barulho.
Esse é, sem dúvida, um caso extremo, mas não deixa de ser indicativo do alto nível de barulhos de todo tipo que atormenta os cariocas.
O Rio, aliás, é uma cidade particularmente barulhenta. O barulho parece fazer parte de sua cultura, talvez pela tradição dos batuques que estão na origem mesma da cidade, tornada a capital do Carnaval. Nas favelas, originalmente, tornou-se natural promover batuques que atravessavam as noites. Isso se consolidou com o crescimento das escolas de samba, realizando seus ensaios, que mais tarde desceram dos morros e se alastraram por vários bairros da cidade.
Pode ser que me engane, mas a verdade é que, dada essa tradição, todo mundo se sente no direito de fazer festa em cada esquina. Um simples boteco, de apenas uma porta, toma a calçada em frente com mesas e cadeiras para vender chopes e batidas. E, para que a alegria seja completa, põe caixas de som num carro e toca música até altas horas da noite. Os moradores dos apartamentos próximos que se mudem.
E o que mais espanta é que, embora seja ilegal ocupar calçadas e fazer barulho atordoante em área residencial, isso ocorre sem qualquer reação da polícia ou dos órgãos oficiais. Acham engraçado, é o espírito festivo do carioca.
Em alguns casos, paga-se o guarda. Suborno é coisa comum, mas é outro assunto. Fiquemos na poluição sonora que é o tema desta crônica, o que é bastante porque, como já diz aqui, barulho faz parte da cultura carioca. E quem reclama é, no mínimo, um chato.
E tanto isso é verdade, ou seja, que o barulho é parte de nossa cultura, que os órgãos oficiais não apenas se omitem no combate à poluição sonora, como, pelo contrário, ajudam a poluir. Quer um exemplo? As sirenes dos carros de bombeiros e dos carros de polícia. Quando qualquer um desses veículos passa em frente a minha casa, corro e fecho as janelas, além de tampar os ouvidos. São sirenes absurdamente estridentes, que soam numa altura alucinante e sem necessidade, sem razão plausível.
A finalidade dessas sirenes é abrir caminho, no trânsito, para esses veículos. Ou seja, basta que os motoristas que estão à frente do carro da polícia a ouçam para que ela cumpra sua função. Não é necessário que todas as pessoas num raio de centenas de metros tenham de ser atordoadas por tais sirenes, nem quem está a várias quadras de distância nem muito menos quem está em seu apartamento, vendo televisão, conversando ou dormindo.
Certa vez, estava no meu carro, em meio ao tráfego engarrafado, quando um desses carros oficiais subitamente disparou sua sirene atordoante: levei um susto e quase joguei meu carro sobre o veículo que estava a meu lado. Cabe perguntar: não é função do governo combater a poluição, como, então, em vez disso, polui mais que todos? Ou estamos naquela de que ao governo tudo é permitido? Não apenas os chefes, o pequeno funcionário também pensa assim, quanto mais se trata de alguém que zela pela segurança pública. A ele, claro, tudo é permitido.
Mas se fossem só os carros oficiais, já me daria por feliz. Somos, sem dúvida alguma, um povo do barulho. Não por acaso, inventaram de algum tempo para cá, que todo mundo adora música e quer ouvi-la 24 horas por dia.
O resultado disso é que onde você entra há música (ruim) tocando e irritantemente alta: seja no supermercado, na loja de eletrodomésticos e até em algumas farmácias.
Ainda fiquei surpreso ao entrar numa loja de frutas e legumes e me deparar com um fundo musical atordoante. Fugi de lá na mesma hora. E nos restaurantes, há música também, claro. Aliás, em alguns deles, a moda agora é pôr numa altura que permite todo mundo ver uma televisão ligada o tempo todo, no pior programa e para todo o mundo ver e ouvir.
Isso sem falar no pessoal que fala berrando no telefone celular. Como disse um amigo meu: é que eles não sabem que já inventaram o telefone.

Suzana Singer - Folha Ombudsman

folha de são paulo 
OMBUDSMAN
Arena de debates
Ao trazer novos colunistas, o jornal não pode reproduzir a polarização estéril que reina na internet
Na semana em que o assunto foram os simpáticos beagles, a Folha anunciou a contratação de um rottweiler. O feroz Reinaldo Azevedo estreou disparando contra os que protestam nas ruas, contra PT/PSDB/PSOL, o Facebook, o ministro Luiz Fux e sobrou ainda para os defensores dos animais.
A coluna publicada anteontem não destoa do que Reinaldo vem defendendo em seu blog no site da "Veja" nos últimos sete anos. "Eu sou mesmo um reacionário à moda antiga", escreveu o jornalista na quarta-feira, emendando que é "humanista e cristão", contra o aborto e contra a pena de morte. Dá para deduzir o que ele pensa dos governos Lula e Dilma pelo título do seu livro "O País dos Petralhas", uma corruptela de petistas e irmãos Metralha.
Sua volta à Folha, onde já havia trabalhado como editor-adjunto de política, suscitou reações fortes. O leitorado mais progressista viu a chegada do colunista como o coroamento de uma "guinada conservadora" do jornal. "Trata-se de uma pessoa que dissemina o ódio e não contribui com opiniões construtivas", escreveu a socióloga Mariana Souza, 35.
Poucos se manifestaram a favor de Reinaldo, mas isso não significa que não exista uma parcela considerável que esteja comemorando a sua vinda, já que ao ombudsman costumam recorrer os insatisfeitos. Ana Lúcia Konarzewski, 61, funcionária aposentada do IBGE, afirma que vai voltar a assinar o jornal por causa do novo colunista. "Não aguentava mais tanta gente defendendo o governo", disse.
A contratação de Reinaldo é coerente com o "saco de gatos" da Folha, que dá abrigo à ambientalista Marina Silva e à defensora do agronegócio Kátia Abreu, a dois filósofos tão díspares quanto Luiz Felipe Pondé e Vladimir Safatle, à contundente Barbara Gancia e ao delicado Antonio Prata.
Os novos nomes -além de Reinaldo, escreverão, no caderno "Poder", o geógrafo Demétrio Magnoli e o jornalista Ricardo Melo- vão engrossar o já extenso plantel de colunistas do jornal. São hoje 102, provavelmente um recorde mundial.
Não dá para fazer um censo ideológico de tanta gente. Do novo trio, Demétrio é também crítico entusiasmado do PT. Em sua estreia ontem, negou a tarja de direita e acusou os "lulo-petistas" de serem "conservadores, corporativistas e racialistas". Ricardo Melo, que foi um dirigente estudantil trotskista, deve fazer o contrapeso à esquerda.
A Secretaria de Redação diz que "o jornal não pensa em colunistas em termos de esquerda e direita, mas no que eles têm de original para dizer aos leitores e como podem reforçar o pluralismo da Folha".
No atual momento da mídia, em que boa parte do noticiário está de graça na internet e no qual falta dinheiro para expandir as equipes de reportagem, aumentar o espaço destinado à opinião tem sido uma forma de tentar diferenciar-se.
Com o movimento da semana passada, a Folha almeja tornar-se a principal arena de debate político em 2014, ano de campanha eleitoral. Para que o leitor seja de fato beneficiado por isso, será preciso garantir um bom nível de "conversa", à altura do que escrevem Janio de Freitas e Elio Gaspari, colunistas do mesmo espaço.
No impresso, espera-se mais argumento e menos estridência. Mais substância, menos espuma. Do contrário, a Folha estará apenas fazendo barulho e importando a selvageria que impera no ambiente conflagrado da internet.
E O PROBLEMA DO UOL?
Na semana passada, cerca de 60 mil usuários do UOL (de um total de 7 milhões) enfrentaram problemas ao acessar seus e-mails. A falha começou no último dia 17 e levou cinco dias para ser totalmente superada.
Apesar de leitores terem avisado o jornal, nada foi publicado. Só uma nota, no site daFolha, avisava na segunda-feira que o e-mail estaria normalizado naquele dia.
O jornal deveria ter noticiado a falha no UOL, empresa que faz parte do Grupo Folha. Na quarta-feira passada, a interrupção do sinal da Net, durante a madrugada no Rio, virou nota na coluna "Outro Canal". Se é para defender o consumidor, não dá para abrir exceções. A Secretaria de Redação reconhece o erro.

    sábado, 26 de outubro de 2013

    Brasileiros propõem novo método para descobrir planetas

    folha de são paulo
    SALVADOR NOGUEIRA
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
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    Um trio de cientistas brasileiros desenvolveu um novo método para descobrir planetas fora do Sistema Solar e pretende testá-lo em breve.
    A estratégia pode ao menos em parte suprir a ausência do satélite Kepler, da Nasa, que havia sido lançando em 2009 e pifou em maio deste ano, depois que dois de seus giroscópios (dispositivos de controle da orientação da nave) falharam.
    Espera-se que a técnica, que envolve o uso do observatório Alma (rede de radiotelescópios instalada a 5.000 metros de altitude no deserto do Atacama, no Chile), possa revelar pelo menos alguns planetas potencialmente habitáveis em torno de estrelas menores que o Sol.
    NA SINTONIA
    Os dois principais métodos conhecidos para encontrar mundos são o de velocidade radial e o do trânsito.
    O primeiro mede o suave bamboleio da estrela conforme planetas interagem gravitacionalmente com ela.
    Já o segundo verifica pequenas reduções no brilho da estrela conforme um planeta passa à frente dela.
    A estratégia sugerida por Caius Lucios Slhorst e Cássio Leandro Barbosa, ambos da Univap (Universidade do Vale do Paraíba), em associação com Adriana Válio, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, tem associação com esse segundo método.
    A técnica também medirá, mas em frequências de rádio e de micro-ondas, reduções de brilho ocasionadas pelo trânsito de planetas à frente das estrelas.
    Contudo, o que para os telescópios tradicionais destinados a observar trânsitos era uma fraqueza --o nível de atividade da estrela--, para o Alma será uma vantagem.
    Quanto maior o nível de atividade estelar (na forma de manchas e erupções), mais sensível será o equipamento para conseguir detectar planetas pequenos.
    Por isso os cientistas esperam que em anãs-vermelhas --estrelas menores, mas mais ativas que o Sol-- seja possível encontrar até mesmo planetas do tipo terrestre na zona habitável.
    Alex Argozino/E
    PILOTO
    O trabalho que sugere a nova técnica já foi aceito para publicação no periódico "The Astrophysical Journal Letters". "Foi aceito em tempo recorde", afirma Cássio Barbosa.
    A ideia do trio agora é fazer um teste do método com um sistema planetário já conhecido --Epsilon Eridani.
    Trata-se de uma estrela próxima, bastante ativa, que tem um planeta gigante e dois cinturões de asteroides conhecidos.
    O teste do método será detectar pelo menos o planeta já conhecido, como prova de princípio.
    Caso funcione, aí sim os cientistas esperam pedir tempo de observação no Alma para tentar descobrir novos planetas em outras estrelas.
    A comunidade científica brasileira tem acesso ao Alma por meio da participação nacional no ESO (Observatório Europeu do Sul), um dos parceiros no conjunto de radiotelescópios.
    Embora o acordo ainda não tenha sido ratificado no Congresso, a organização europeia já trata o Brasil como membro desde 2010, quando o governo Lula assinou o protocolo de adesão.

    Sem apoio do Brasil, Suíça arquiva parte do caso Alstom

    folha de são paulo
    Após 2 anos de espera, procuradores suíços desistiram de investigar 3 suspeitos
    'Falha administrativa' impediu buscas na casa de acusado de receber propinas em SP, diz Procuradoria brasileira
    FLÁVIO FERREIRAMARIO CESAR CARVALHOJOSÉ ERNESTO CREDENDIODE SÃO PAULOCansados de esperar pela cooperação de seus colegas brasileiros, procuradores da Suíça que investigam negócios feitos pela multinacional francesa Alstom com o governo do Estado de São Paulo arquivaram as investigações sobre três acusados de distribuir propina a funcionários públicos e políticos do PSDB.
    Em fevereiro de 2011, a Suíça pediu que o Ministério Público Federal brasileiro interrogasse quatro suspeitos do caso, analisasse sua movimentação financeira no país e fizesse buscas na casa de João Roberto Zaniboni, que foi diretor da estatal CPTM entre 1999 e 2003, nos governos dos tucanos Mário Covas e Geraldo Alckmin.
    Como nenhum pedido foi atendido, nesta semana autoridades brasileiras foram informadas de que o Ministério Público da Suíça desistiu de contar com a colaboração do Brasil e decidiu arquivar parte das suas investigações.
    Segundo a Procuradoria da República em São Paulo, o gabinete do procurador Rodrigo de Grandis, responsável pelas investigações sobre os negócios da Alstom no Brasil, cometeu uma "falha administrativa": o pedido da Suíça foi arquivado numa pasta errada e isso só foi descoberto anteontem.
    O Ministério Público da Suíça havia pedido que Grandis fizesse buscas na casa de Zaniboni porque ele é acusado de receber US$ 836 mil (equivalentes a R$ 1,84 milhão) da Alstom na Suíça para assinar contratos do Estado que beneficiaram a multinacional francesa.
    A procuradoria suíça também pediu que fossem interrogados os consultores Arthur Teixeira, Sérgio Teixeira e José Amaro Pinto Ramos, suspeitos de atuar como intermediários de pagamento de propina pela Alstom.
    Segundo os procuradores da Suíça, Arthur Teixeira e Sérgio Teixeira foram os responsáveis pelos repasses ao ex-diretor da CPTM.
    O Ministério Público estadual paulista, que também investiga negócios da Alstom, soube do pedido da Suíça e pediu cópias da documentação ao órgão federal responsável pela cooperação com autoridades estrangeiras, o DRCI (Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional).
    Indagado sobre a situação, o gabinete de Grandis afirmou só ter encontrado o pedido suíço anteontem.
    A Procuradoria informou que o gabinete falhou ao deixar de anexar a solicitação a outro pedido de cooperação da Suíça, e o documento acabou indo para uma pasta de arquivo. O pedido ficou sem qualquer providência por dois anos e oito meses.
    A Procuradoria disse que já avisou o DRCI sobre o problema e que as autoridades suíças serão indagadas se ainda querem adotar medidas quanto aos suspeitos.
    Porém, nesta semana autoridades brasileiras receberam a informação de que os suíços cansaram de esperar e arquivaram as investigações sobre Zaniboni, Ramos e Sérgio Teixeira, morto em 2011.
    Eles haviam sido indiciados pelas autoridades suíças por suspeita de corrupção e lavagem de dinheiro.
    O único que continua sendo investigado é Arthur Teixeira, controlador da empresa Gantown, sediada no Uruguai, que teria feito repasses da Alstom para Zaniboni entre 1999 e 2002.
    Zaniboni afirma que o dinheiro se referia a serviços de consultoria prestados antes de sua chegada à CPTM.
      Multinacional pagou US$ 43 mi para encerrar caso
      DE SÃO PAULOA Suíça continua investigando brasileiros suspeitos de intermediar o pagamento de propina, mas encerrou as investigações em torno da Alstom em novembro de 2011.
      À época, as autoridades daquele país fizeram um acordo judicial com a multinacional francesa pelo qual ela pagou uma multa de US$ 42,7 milhões (o equivalente hoje a R$ 94 milhões).
      A multa foi aplicada porque a Justiça suíça considerou que a Alstom não tinha mecanismos adequados para evitar o pagamento de propina a funcionários públicos de três países: Tunísia, Malásia e Letônia.
      A legislação europeia proibiu depois de 2000 o pagamento de comissões para as empresas obterem negócios no exterior --até então, esse tipo de mecanismo era legal e dedutível no Imposto de Renda das corporações.
      As investigações em torno da Alstom começaram na Suíça em 2008, quando policiais e procuradores daquele país encontraram indícios de que um banqueiro fora contratado pela empresa francesa para abrir contas que foram usadas para repassar propinas a funcionários públicos e políticos do Brasil, da Argentina, da Venezuela e da Indonésia. Havia a suspeita de que a Alstom teria distribuído um total de US$ 200 milhões em propinas desde o final dos anos 1990.
      O banqueiro, o suíço Oskar Holenweger, dono do Tempus Bank, era considerado uma peça-chave na investigação pelo Ministério Público suíço porque as contas eram usadas para esconder que o real pagador do suborno era a Alstom francesa. Ele era acusado de ter aberto 163 contas para distribuir propina para a Alstom.
      Em abril de 2011, o banqueiro também foi considerado inocente. Segundo o juiz Peter Popp, a investigação não trouxe elementos conclusivos de que ele sabia que os recursos que passavam pelas 163 contas haviam sido usados pela Alstom para o suborno.
      Se ele não sabia que o dinheiro seria usado para fins ilícitos, não cabia a acusação de lavagem de dinheiro, ainda de acordo com o juiz.
      Havia também problemas processuais na investigação. Os promotores e policiais foram acusados de esconder fatos do juiz e de extrapolar os limites da apuração.

        Helio Schwartsman

        folha de são paulo
        Ritmo da evolução
        SÃO PAULO - A evolução humana está em processo de aceleração ou desaceleração? A pergunta, que pode parecer de um academicismo meio bizantino, na verdade encerra uma ácida polêmica que cinde em dois o habitat dos biólogos.
        O trabalho da brasileira Carolina Marchetto, que usou células embrionárias reprogramadas para mostrar que o homem está evoluindo de forma mais lenta do que chimpanzés e bonobos, dá algum suporte para a hipótese da desaceleração, mas a questão está longe de resolvida.
        Para os cientistas que se perfilam nesse grupo, o advento da cultura, com seus desenvolvimentos sociais e tecnológicos, nos tornou menos dependentes da genética. O paleontologista Stephen Jay Gould era um campeão dessa teoria. Para ele, não houve mudança biológica significativa nos últimos 40 mil anos.
        Na outra ponta, pesquisadores como os antropólogos Henry Harpending e John Hawks e o físico Gregory Cochran sustentam não só que a evolução genética continua viva e atuante na humanidade como se acelerou nos últimos 40 milênios, especialmente desde o surgimento da agricultura, dez mil anos atrás. Essa teoria, embora longe de consensual, tem ganhado a simpatia de pesquisadores de várias áreas.
        As conclusões desse grupo se baseiam principalmente em análises estatísticas de mutações observadas no genoma de diferentes populações humanas. Em suas contas, 23% de nossos genes estiveram sob pressão seletiva recente. No plano teórico, a ideia é que a concentração demográfica e a exposição a ambientes mais diversos favorecem a evolução.
        É cedo para cravar quem está certo. Mais trabalhos deverão ser produzidos e, pelo menos em princípio, as evidências podem resolver a questão. O complicador aqui é político. Evolução recente pode ser interpretada como sinônimo de raça, e este é um assunto que tende a ser especialmente explosivo na academia.