segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Aécio Neves

folha de são paulo
Futuro
Ao lado do Plano Real, nenhuma outra política de governança foi mais transformadora da realidade brasileira que os programas de transferência de renda gestados e instituídos nos anos 90 e continuados e adensados nos anos 2000.
A inútil e reincidente discussão sobre paternidade e protagonismo desses programas deixou de lado desafios importantes, sobre como aperfeiçoá-los ou acrescentar-lhes ativos ainda mais inovadores.
Nos últimos anos, o governo se conformou em fazer a gestão diária da pobreza, como se ela se reduzisse ao universo da renda e não alcançasse um elenco extenso e complexo de carências sociais.
Poucas inovações ocorreram neste tempo. Nem sequer foi tomada a iniciativa de institucionalizar o Bolsa Família, o que acabou por reforçar o seu aspecto de benemerência política de alto valor eleitoral.
Em perspectiva histórica, cabe lembrar a trajetória inversa percorrida por aquele que é o maior programa de transferência de renda em vigor no país, o Beneficio de Prestação Continuada (BPC), previsto pela Constituição de 1988, e implantado pelo governo do presidente Fernando Henrique.
Regulado pela Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), o BPC paga um salário mínimo a cada idoso e deficiente que tenha renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo. Nos últimos 10 anos, ele transferiu mais de R$ 180 bilhões à população. O Bolsa Família transferiu R$ 124 bilhões.
Na última semana, apresentei projeto de lei propondo a incorporação do Bolsa Família à Loas, para que ele deixe de ser ação de governo e se transforme em política de Estado, permanecendo como instrumento a favor dos brasileiros seja qual for o partido que esteja no Palácio do Planalto.
Com isso, podemos dar um passo importante: deixamos para trás, a cada quatro anos, a discussão se o Bolsa Família vai ou não permanecer e podemos avançar com confiança no debate sobre como aprimorá-lo. Nesse sentido, defendo uma primeira proposta que visa superar a insegurança de quem evita tentar o mercado de trabalho com medo de perder o benefício. Para eles, o BF deveria ser continuado por até seis meses.
É preciso também que seja reforçado o acompanhamento dos beneficiários, com especial atenção à educação e qualificação. É inexplicável que não haja acompanhamento a cerca de dois milhões de crianças atendidas pelo programa. A responsabilidade do Estado não pode terminar com a transferência do benefício.
Precisamos ter coragem de avançar. É preciso reconhecer que a pobreza é um conjunto de privações de renda, serviços e oportunidades. E é nessa abordagem multidimensional que precisa ser enfrentada e superada. Só assim faremos a travessia na direção da verdadeira inclusão social.

    Ruy Castro

    folha de são paulo
    Formações rochosas
    RIO DE JANEIRO - Você ainda recebe ou manda beijos no coração? Até há pouco, para alguns, não havia maneira mais poética de se despedir: "Um beijo no coração!". A mim, sempre pareceu que um beijo no coração deve ter algo de viscoso e grudento, mesmo que aplicado numa mesa de cirurgia por uma enfermeira loura e decotada. Outra mania é a das pessoas que dizem "Inté!" em vez de "Tchau!". Conheço uma socióloga paulista que diz "Inté!". Tem pós-doutorado em Harvard.
    Se alguém lhe prometer "Vou dar o meu melhor", pode saber que o melhor do cavalheiro não será suficiente e você fará bem em procurar outro. Idem se ele lhe contar que "apostou todas as fichas" em alguma coisa. Claro que ele vai se dar mal --só um bobo aposta todas as fichas de uma vez. E, se o mesmo sujeito disser que "ligou o sinal de alerta", é porque a vaca dele já foi para o brejo e ele está apenas querendo ganhar tempo.
    E a nova praga "Como se não houvesse amanhã"? Rezam os sites de fofocas: "Entre um capítulo e outro das gravações da novela, Maricotinha foi vista tomando sol no Leblon, como se não houvesse amanhã". É mentira --sempre haverá amanhã, e ai de Maricotinha se não voltar ao Projac para trabalhar. E o projeto do Fulano que conta com o "auxílio luxuoso" do Beltrano? Se alguém está prestando um "auxílio luxuoso", é porque está sem projeto próprio e precisando aparecer.
    "Beijo no coração", "Inté!", "Vou dar o meu melhor", "Apostar todas as fichas", "Ligar o sinal de alerta", "Como se não houvesse amanhã" e "Auxílio luxuoso" são apenas clichês --expressões que surgem frescas, mas adquirem consistência rochosa e se pregam à língua.
    Um dia, desgastam-se e somem, e já vão tarde.

      Vinicius Mota

      folha de são paulo
      Perderam
      SÃO PAULO - Quem passou da infância à vida adulta nas décadas de 1980 e 1990 acostumou-se ao padrão. Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil nunca perdiam. Alinhados às boas causas, eram reputados como reserva de sabedoria de nossa vida pública corrompida.
      Tratava-se, obviamente, de uma fábula. O primeiro compromisso desses artistas sempre foi com seus legítimos interesses profissionais e empresariais. A qualidade intrínseca de suas intervenções na política e no debate de ideias jamais se aproximou do seu desempenho como letristas.
      A influência que exerciam nos palanques nacionais indicava a rarefação de nossa esfera pública. A conversão de capital cultural em capital político não é certa nem imediata nas democracias consolidadas, que separam muito bem esses campos.
      Celebre-se, portanto, como sinal de amadurecimento do país a derrota esmagadora do (ex-)grupo Procure Saber, encabeçado pelo trio de ouro da MPB, no debate das biografias não autorizadas.
      A causa era decerto ingrata. O grupo propunha-se a convencer a opinião pública de que biografias só poderiam circular mediante autorização do biografado ou de seus familiares. Não há meio de aceitar essa cláusula sem ferir a liberdade de expressão, consagrada na Carta de 88.
      Sim, a liberdade de expressão é também a liberdade de injuriar, caluniar e difamar. Para esses males, a lei determina remédios. Mas é sobretudo a liberdade de criticar e contar histórias e versões menos abonadoras sobre quem quer que seja. E de oferecê-las ao crivo do debate público.
      Habituados a despertar solidariedade automática nos círculos intelectuais e políticos, Chico, Caetano e Gil talvez pensassem que iriam levar mais esta. O tempo passou na janela, mas eles não notaram.
      O Brasil começa a descobrir que, como políticos e intelectuais, eles são apenas bons compositores e empresários.

        Editorial Folha de São Paulo

        Autonomia secundária
        É testemunho dos tempos que tenha sido o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), com seu histórico duvidoso no que se refere ao fortalecimento das instituições, quem tentou acelerar a tramitação de projeto de lei para conceder autonomia formal ao Banco Central.
        A investida, já abandonada, era sem dúvida um exercício de pressão do Congresso para obter favores do Executivo. Mas não só.
        A participação do ex-presidente Lula tinha outro objetivo político --tentar conter a perda de prestígio do governo perante o setor privado, preocupado com a erosão da qualidade da política econômica.
        São, de saída, dois péssimos motivos para defender a independência formal do BC. É ilusório pensar que instituições sólidas se constroem com a caneta da autoridade política de plantão, ou que basta copiar modelos estrangeiros.
        As instituições resultam da evolução histórica, cultural e social específica de cada país. A autonomia do BC, formal ou não, será apenas cosmética e passível de reversão se não tiver raiz profunda.
        Se o chefe do Banco Central não puder ser facilmente demitido, o que garante, por exemplo, que um presidente da República não indicará para o cargo alguém pouco técnico e maleável?
        A verdade é que tem servido bem ao país o padrão de trabalho entre a autoridade monetária e o governo --relação tecida ao longo de quase três décadas.
        Com o advento do sistema de metas para a inflação, em 1999, foi consolidado o modelo de autonomia na prática, pelo qual o Banco Central, com grande independência em suas decisões cotidianas, busca cumprir a meta determinada pelo Conselho Monetário Nacional --instância na qual o poder democraticamente eleito hoje define a missão do banco.
        Neste período, o BC mais acertou do que errou. Teve papel destacado na conquista da estabilidade monetária e reforçou sua credibilidade perante a sociedade --o mais forte sustentáculo de sua independência operacional.
        É neste quesito que peca a gestão atual do BC. Nos últimos anos, consolidou-se a percepção de que segue determinações da presidente da República e do ministro da Fazenda. Comprometeu-se com uma visão excessivamente otimista sobre a inflação e aceitou sem ressalvas a ideia de que o governo teria maior controle sobre suas contas.
        O debate sobre a autonomia formal é apenas mais um sintoma de seu enfraquecimento.

          Anticorpos científicos

          folha de são paulo
          Pesquisa global se esforça para enfrentar efeitos colaterais do próprio sucesso e expurgar do acervo os erros e fraudes em expansão
          Graças à conexão crescente entre redes de computadores, a pesquisa científica e a circulação de seus resultados se tornaram fenômeno de fato global, complexo e vulnerável. Só em 2011, mais de 1 milhão de estudos foram publicados --desafio gigantesco para o compromisso de objetividade e autocorreção que granjeou à ciência moderna um prestígio incomum.
          Verdade que as comportas existentes parecem resistir bem à maré montante de artigos e periódicos. Dois pilares sustentam as barreiras: revisão por pares (exame crítico do estudo, por especialistas na área) e compromisso de reprodutibilidade (possibilidade de repetir experimentos ou observações).
          Mas a própria comunidade científica tem ventilado suspeitas de que haja fissuras em tais esteios.
          No primeiro caso, na fonte do problema parecem estar a facilidade de publicar e a explosão de periódicos científicos online. Só um diretório mantido pela Universidade de Lund (Suécia) listava em 2012 um total de 8.250 desses "journals" eletrônicos, mil deles incluídos naquele mesmo ano.
          Tais periódicos se sustentam não com assinaturas e publicidade, mas com tarifas pagas pelos autores dos estudos. Sem interesse comercial em recusar clientes, os editores tenderiam a rebaixar os padrões da revisão --ou eliminá-la.
          Isso foi evidenciado pela mais tradicional revista científica dos EUA, a "Science". Um jornalista fabricou estudo sobre medicamento antitumoral fictício e enviou 304 versões para essas publicações. Mais da metade (157) foi aceita.
          No segundo caso, pululam indícios de que muitas pesquisas jamais serão reproduzidas. A empresa de biotecnologia Amgen, segundo a revista "The Economist", só conseguiu repetir 6 de 53 estudos rumorosos sobre câncer. A farmacêutica Bayer fracassou em três quartos das tentativas de replicar resultados de 67 artigos relevantes.
          Na melhor das hipóteses, o problema decorre da omissão de informações imprescindíveis. Na pior, é causada por erros --ou por fraude.
          Quando falhas ou fraudes são descobertas, o mecanismo consagrado de autocorreção é a retração ("retraction"), uma nota no mesmo periódico anunciando a "despublicação" do artigo. Levantamento publicado no periódico eletrônico "PLoS One" revela aumento das retrações, sobretudo após 1995.
          Mas a análise também mostra que o crescimento de retrações segue, grosso modo, o de artigos publicados; que o intervalo entre publicação e retração tem diminuído; e que os critérios estão mais rígidos. Há mais casos de retirada por plágio e duplicação, por exemplo.
          Existem problemas, mas a ciência não perdeu a capacidade de produzir anticorpos contra a própria degeneração.

            Estratégias de segurança de lojas em NY causam reclamações de clientes negros

            UOL

            J. David Goodman
            Nova York (EUA)

            Há alguns meses, uma reunião foi realizada na Barneys New York para discutir um problema crescente: uma quantidade significativa de mercadorias estava sendo perdida para furtos. Alguma coisa deveria ser feita.
            Uma nova equipe de segurança instituiu uma estratégia mais agressiva de prevenção às perdas. Os funcionários de segurança disseram que foram encorajados a "assumir riscos" ao abordar consumidores suspeitos, mesmo que isso significasse abordar pessoas inocentes. Uma prisão equivocada faz parte do negócio, disseram-lhes.
            O número de contatos com o Departamento de Polícia, feito quando os funcionários da segurança suspeitavam que uma pessoa estava furtando ou realizando uma fraude de cartão de crédito, logo saltou drasticamente.
            Mas junto com o aumento de casos, começaram a surgir queixas de consumidores negros que dizem ter sido vítimas de discriminação racial na loja, na Madison Avenue. Pelo menos um cliente entrou com uma ação contra a Barneys, e outros planejam fazer o mesmo.
            As ações, que vieram à tona na semana passada e acabaram na primeira página do The Daily News, atraíram a atenção nacional por suas alegações de discriminação baseadas em classe e cor. Os processos levantaram críticas não só contra a Barneys, mas também contra celebridades, como Jay-Z, que tem uma parceria com a loja. Elas também levaram à instauração de um inquérito por parte do procurador-geral estadual Eric T. Schneiderman, e, na terça-feira, houve uma reunião improvável entre o reverendo Al Sharpton e o executivo-chefe da Barneys, Mark Lee.
            Do outro lado da cidade, na principal loja da Macy's no Herald Square, pelo menos dois clientes negros, um deles o ator Robert Brown, da série "Treme" da HBO, disseram que também foram abordados este ano pela polícia depois que, segundo eles, funcionários da segurança consideraram suas compras suspeitas. O inquérito de Schneiderman também inclui a Macy's.
            Nenhum cliente que denunciou ter sido detido pela polícia foi acusado de qualquer crime.
            As acusações foram particularmente problemáticas para a Macy's, que, em 2005, chegou a um acordo com a Procuradoria Geral do Estado para corrigir suas práticas de segurança depois que investigadores descobriram que clientes negros e hispânicos eram abordados com mais frequência por suspeita de furto. O acordo terminou em 2008. Este ano, disse uma autoridade a par da investigação em curso e que não tem autorização para comentar publicamente os detalhes da mesma, a Procuradoria Geral do Estado recebeu cerca de uma dezena de reclamações de consumidores que disseram ter sido abordados por funcionários da segurança na Macy's.
            No caso da Barneys , disse o oficial, o procurador geral do Estado está investigando alegações de tratamento semelhante em outros casos que não os dos dois clientes que entraram na justiça.
            "Chegou à atenção da promotoria o fato de que há problemas com a prática chamada de 'compra e revista' em algumas grandes lojas de Nova York", disse Schneiderman numa coletiva de imprensa em Buffalo na terça-feira.
            Schneiderman disse que a investigação analisaria as políticas das lojas bem como a relação entre os funcionários de segurança e o Departamento de Polícia de Nova York. Tanto a Macy's quanto a Barneys negaram envolvimento nos episódios de detenção de compradores que vieram à tona.
            "Em ambos os casos, ninguém da Barneys New York levantou qualquer problema com essas compras", disse Lee na terça-feira, depois de sair de sua reunião com Sharpton no Harlem. "Ninguém da Barneys chamou a atenção da nossa segurança interna para estas pessoas, e ninguém da Barneys buscou qualquer autoridade externa."
            O Departamento de Polícia contestou essa afirmação. Em ambos os casos, "policiais do NYPD [Departamento de Polícia de Nova York] estavam conduzindo investigações independentes e tomaram atitudes com base em informações levadas a seu conhecimento por funcionários da Barneys enquanto estavam na sala de segurança", disse John J. McCarthy, porta-voz do departamento.
            No centro da disputa envolvendo a Barneys estão dois jovens clientes negros: Trayon Christian, 19, que entrou com ação contra a loja e a prefeitura no Supremo Tribunal estadual; e Kayla Phillips, 21, que entrou com uma notificação de intenção de processo.
            Em seu processo, Christian disse que o problema aconteceu dia 29 de abril depois que ele comprou um cinto Salvatore Ferragamo com seu cartão de débito Chase. A alguns quarteirões dali, na Quinta Avenida, ele disse que foi parado por policiais à paisana.
            Os policiais questionaram se ele podia pagar pelo cinto, no valor de cerca de US$ 350, e disseram que o cartão de débito deveria ser falso, de acordo com o processo. Christian foi algemado e levado para a 19ª Delegacia de Polícia onde ele foi detido, de acordo com o processo, por cerca de duas horas antes de ser solto.
            Phillips descreveu ter sido "parada, revistada e detida" pela polícia na loja depois de uma compra de uma bolsa de mais de US$ 2.000 na Barneys.
            Ambas as detenções, bem como mais duas relacionadas a clientes da Macy's, estão sendo investigadas pelo Departamento de Assuntos Internos da Polícia, disse McCarthy.
            As mudanças de segurança que a Barneys pôs em prática foram detalhadas por Raymel Cardona, um ex-assistente de gerente para prevenção de perdas na loja, e pelo ex-segurança à paisana, Aaron Argueta, 36. Ambos foram demitidos da Barneys e pretendem contestar suas demissões diante das autoridades de trabalho federais, disse seu advogado, J. Patrick DeLince.
            Tradutor: Eloise De Vylder

            Justiça do país veta 25 obras em dez anos

            folha de são paulo
            Levantamento realizado pela Folha mostra que hoje há pelo menos 19 livros que ainda estão proibidos no Brasil
            Pesquisa ouviu 250 editoras e consultou bancos digitais em tribunais de todos os Estados brasileiros
            DE SÃO PAULONos últimos dez anos, ao menos 25 obras foram proibidas pela Justiça após ações propostas por quem se sentiu caluniado, ofendido ou invadido em sua intimidade.
            Sentenças baseadas nos direitos à honra e à privacidade não impediram apenas a publicação de biografias. Também foram riscados de catálogo cordéis, investigações jornalísticas e até um relato mediúnico sobre os mortos no acidente da TAM.
            Deste total, pelo menos 19 obras continuam proibidas.
            Os livros e um espetáculo teatral saíram de circulação sob ameaça de multas de até R$ 50 mil diários.
            Esse é o valor que a editora Planeta teria de pagar a Roberto Carlos caso não recolhesse, em 2007, os exemplares da biografia "Roberto Carlos em Detalhes", tirada de circulação após acordo judicial entre as partes.
            Processos movidos por personalidades retratadas ouseus herdeiros inibiram o mercado. Há no mínimo três trabalhos de interesse público que não são publicados porque seus editores não conseguiram autorização daqueles que detêm o direito sobre imagem ou tema proposto.
            É o caso do livro de memórias que o ex-jogador Sócrates Brasileiro escreveu pouco antes de morrer em 2011.
            Para que a editora Prumo publique o livro deixado sob cuidados da viúva do autor, Kátia Bagnarelli, ela espera a autorização dos seus seis filhos. "Eles acham que não é o momento", diz Bagnarelli.
            Enquanto o livro escrito por Sócrates não é publicado, a viúva lança "Sócrates Brasileiro - Minha Vida ao Lado do Maior Torcedor do Brasil" (Prumo, R$ 34,90).
            LEVANTAMENTO
            O levantamento feito pela Folha consultou arquivos de jornais e bancos digitais dos 27 tribunais de Justiça do país. Foram consultados por e-mail 570 editoras, livreiros e distribuidores. Por telefone, foram ouvidas 250 editoras.
            O resultado da pesquisa não é completo porque há processos que correm sob segredo de Justiça. É o caso de "O Mapa da Corrupção no Governo FHC", de Larissa Bortoni e Ronaldo de Moura, proibido desde 2008.
            O levantamento abrange o período após a criação do novo Código Civil, de 2002, que defende (artigos 20 e 21) direitos relativos a intimidade e privacidade. O texto do Código é alvo de projeto que pretende facilitar a publicação de biografias não autorizadas, a ser votado na Câmara.
            Antes de 2002, no entanto, houve livros proibidos pela Justiça, como "Nos Bastidores do Reino", de Mario Justino, censurado e recolhido em 1995, a pedido da Igreja Universal do Reino de Deus. A mesma juíza que proibiu o livro o liberou um ano depois.
            Para Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, advogado de Roberto Carlos, a opção para garantir direitos de biografados seria a supressão de trechos contestados em edições subsequentes.
            "Não existe mais espaço para defender a proibição de livros no Congresso, essa questão já foi superada", diz. A possibilidade de supressão de trechos já existe, mesmo sem regulamentação.
            Nos últimos dez anos, ao menos quatro livros foram modificados após ações judiciais, alguns porque continham dados questionáveis, outros porque expunham algo íntimo de alguém.
            Arnaldo Bloch, no livro sobre sua família "Os Irmãos Karamabloch "" Ascensão e Queda de um Império Familiar", mencionava antigo relacionamento extraconjugal com uma psicóloga.
            Na sentença, a juíza determinou supressão do nome da reclamante em futuras edições: "A circunstância de serem verdadeiros os fatos não dá direito ao autor de um livro de divulgá-los sem autorização, se envolvem intimidade de terceiro que não faz parte da família biografada."
            O deputado federal Ronaldo Caiado (DEM), por exemplo, pediu o recolhimento de "Na Toca dos Leões", de Fernando Morais, pois é citado em depoimento de um publicitário como alguém que defendia o controle populacional do Nordeste por meio de "remédio que esterilizava as mulheres" colocado na água.
            A obra, proibida em abril de 2005, foi liberada após seis meses; autor e editora, condenados a indenizar Caiado.
            BICHO DE SETE CABEÇAS
            O pedido de ação, hoje, pode partir de alguém que é citado em algum episódio, como no caso do livro "Canto dos Malditos" (Rocco), de Austregésilo Carrano Bueno, sobre suas internações em manicômios. A obra deu origem ao filme "Bicho de Sete Cabeças", de Laís Bodanzky.
            Em 2001, a família do psiquiatra Alô Guimarães pediu o recolhimento da obra, concedido em 2002 pelo Tribunal de Justiça paranaense.
            "O escritor criava diálogos imaginários, atribuía frases inteiras a Alô", diz Pedro Henrique Xavier, advogado dos herdeiros do médico.
            "A liberdade de expressão tem que ser respeitada, mas não pode ser a liberdade de praticar um crime."
            Em 2004, a obra voltou a circular, mas as edições subsequentes não trouxeram o nome do médico. "Eu me constrangeria de impedir previamente a manifestação do pensamento, mas se o produto é comprovadamente mentiroso, o Judiciário tem que ser acionado", diz Xavier.
            Para a professora de comunicação da USP Sandra Reimão, autora de "Repressão e Resistência: Censura a Livros na Ditadura Militar" (Edusp/ Fapesp, 2011) "a possibilidade censória para atividade intelectual, artística ou científica é uma violência e um limite à cidadania cujos malefícios ultrapassam muito os causados pela circulação de alguns bens culturais."

              PAUTE A FOLHA
              Ajude a listar os livros proibidos
              Para completar a listagem ao lado de obras impedidas nos últimos dez anos, a Folha convoca o leitor que conhece casos de proibição na Justiça a mandar e-mail para:livrosproibidos@grupofolha.com.br.