Autonomia secundária
É testemunho dos tempos que tenha sido o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), com seu histórico duvidoso no que se refere ao fortalecimento das instituições, quem tentou acelerar a tramitação de projeto de lei para conceder autonomia formal ao Banco Central.A investida, já abandonada, era sem dúvida um exercício de pressão do Congresso para obter favores do Executivo. Mas não só.
A participação do ex-presidente Lula tinha outro objetivo político --tentar conter a perda de prestígio do governo perante o setor privado, preocupado com a erosão da qualidade da política econômica.
São, de saída, dois péssimos motivos para defender a independência formal do BC. É ilusório pensar que instituições sólidas se constroem com a caneta da autoridade política de plantão, ou que basta copiar modelos estrangeiros.
As instituições resultam da evolução histórica, cultural e social específica de cada país. A autonomia do BC, formal ou não, será apenas cosmética e passível de reversão se não tiver raiz profunda.
Se o chefe do Banco Central não puder ser facilmente demitido, o que garante, por exemplo, que um presidente da República não indicará para o cargo alguém pouco técnico e maleável?
A verdade é que tem servido bem ao país o padrão de trabalho entre a autoridade monetária e o governo --relação tecida ao longo de quase três décadas.
Com o advento do sistema de metas para a inflação, em 1999, foi consolidado o modelo de autonomia na prática, pelo qual o Banco Central, com grande independência em suas decisões cotidianas, busca cumprir a meta determinada pelo Conselho Monetário Nacional --instância na qual o poder democraticamente eleito hoje define a missão do banco.
Neste período, o BC mais acertou do que errou. Teve papel destacado na conquista da estabilidade monetária e reforçou sua credibilidade perante a sociedade --o mais forte sustentáculo de sua independência operacional.
É neste quesito que peca a gestão atual do BC. Nos últimos anos, consolidou-se a percepção de que segue determinações da presidente da República e do ministro da Fazenda. Comprometeu-se com uma visão excessivamente otimista sobre a inflação e aceitou sem ressalvas a ideia de que o governo teria maior controle sobre suas contas.
O debate sobre a autonomia formal é apenas mais um sintoma de seu enfraquecimento.
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