domingo, 10 de novembro de 2013

Nos embalos da máfia do ISS

folha de são paulo
MÁFIA DO ISS
Fiscais suspeitos de desviar impostos apreciavam vida regada a champanhe, vinhos caros, charutos e garotas de programa em endereços badalados
ROBERTO DE OLIVEIRADE SÃO PAULOImponente prédio de estrutura de vidro, pé-direito duplo e mezanino, a Casa Mathilde destoa dos vizinhos na praça Antônio Prado, no centro paulistano. Seus 1.200 m2 vivem apinhados de engravatados do poder público. Era ali, segundo servidores, o "point" frequentado pela "intelligentzia dos reis do ISS".
A tradicional doçaria portuguesa está a 70 passos, sem desviar dos andarilhos e moradores de rua que trafegam por lá, de uma das entradas do edifício Martinelli, onde funciona a Secretaria de Habitação, entre outras, e a duas quadras da sede da prefeitura e da Secretaria de Finanças, epicentro do escândalo.
Entre um "mocaccino" (R$ 8) e um "travesseiro de Sintra" (R$ 5), só há um assunto na boca de Mathilde: a máfia do ISS, grupo de auditores e fiscais que fraudava o recolhimento do Imposto sobre Serviços, segundo investigações da Controladoria- Geral do Município e do Ministério Público.
Em meio à trovoada de denúncias, a discrição anda pautando as conversinhas no café, mas funcionários se lembram muito bem de uma "loira bonitona, corpão", que carregava um celular vestido com uma capa de oncinha.
Era Vanessa Alcântara, 27, a ex de Luís Alexandre Cardoso de Magalhães, 41, fiscal que, envolvido no esquema, aceitou o benefício da delação premiada.
Na doçaria, segundo servidores, a loira não costumava ser flagrada desfilando ao lado de Magalhães, mas, depois de deixar a Promotoria, na última segunda, ela ganhou os holofotes em todo o país. Na ocasião, ela vestia uma blusa estampada com imagens de tigres e, é claro, de oncinhas.
Sob a condição de anonimato, outros funcionários públicos municipais descreveram Magalhães como "garanhão" e "pityboy quarentão".
Ele e os outros suspeitos de integrar a máfia do ISS circulavam por aquelas bandas da rua São Bento, conforme atestam funcionários, ostentando "ar de superioridade", como se nada temessem.
O ex de Vanessa adora charutos --cubanos, bem entendido. Era cliente assíduo da Cigar & Book, loja discreta que, quase espremida entre prédios da Vila Nova Conceição, na zona sul, também vende vinhos e presentes.
Para entrar lá, é preciso tocar a campainha e aguardar o vendedor abrir a porta. A área reservada aos charutos fica no fundo, à esquerda.
Acondicionados em caixas de madeira com 25 unidades, os cubanos confeccionados pela Habanos S.A., da marca Cohiba, estão entre os favoritos do auditor. Preço? R$ 1.100.
Em um dos cartões-postais da gastronomia, o restaurante Figueira Rubaiyat, o casal gostava de se sentar no amplo salão principal, debaixo da centenária figueira.
O presunto ibérico pata negra Bellota era obrigatório na abertura dos banquetes, seguido pelo "queen beef", prato preparado com carne da fazenda própria do restaurante. A entrada saía por R$ 109, e o principal, por R$ 248.
Para acompanhar, Charmes-Chambertin Grand Cru 10, vinho francês de R$ 833.
Outro funcionário lembra que o "sarado do Porsche" tomou ao menos uma vez o vinho magnum Vega Sicilia Unico. O "clássico dos clássicos" espanhóis sai pela "bagatela" de R$ 4.977, "dinheiro de pinga" para quem tem uma fortuna avaliada em R$ 18 milhões, segundo a controladoria.
"A gente não está aqui para pedir cartão de visita. Só de crédito ou de débito. Mas ele sempre pagava com dinheiro vivo", conta o garçom.
O foco do desvio na arrecadação eram prédios residenciais e comerciais, com custo de construção superior a R$ 50 milhões, segundo as investigações. A Promotoria estima que as fraudes tenham causado prejuízo R$ 500 milhões em ISS não recolhido.
LAGOSTA E STRIPTEASE
Os fiscais também costumavam ir, em Pinheiros, ao Bomboa, clube frequentado por garotas de programa que cobra R$ 230 a entrada.
O valor pode ser usado para consumir bebida ou comida ali, onde uma caixinha de água de coco sai por R$ 30.
O que eles apreciavam mesmo, porém, era o uísque Johnnie Walker Blue Label e o champanhe Dom Pérignon (cada garrafa custa R$ 2.100).
As meninas não sabem de coisa alguma, nunca viram nada e nem sequer usam o nome verdadeiro. "Fernanda" é o "nome de guerra" de uma morena de 1,75 m, lábios carnudos e vestido tão grudado ao corpo que parecia confundir-se com a sua pele.
Ela diz que os fiscais pagavam R$ 200 pelo "striptease", que rolava ali mesmo, sobre a mesa. Tudo em "cash".
Qualquer uma das cerca de 200 meninas que ali trabalham cobra R$ 30 por um simples selinho. Beijo de verdade? Sobe para R$ 50. Já o programa de 60 minutos oscila entre R$ 400 e R$ 700.
Com a namorada atual, a personal Nágila Coelho, 38, Magalhães escolhia lugares em um dos três pisos do restaurante cearense Coco Bambu, no Itaim.
"Já eu gostava de coisas mais sofisticadas", alfineta Vanessa, a ex-companheira. "Como a Enoteca Fasano, em Campos [do Jordão]."
Magalhães e Nágila "esbanjavam", segundo uma frequentadora da casa. Ela conta que eles pediam a chamada "rede do pescador", um prato com lagosta, camarão, mexilhões, peixe e lula gratinados com arroz de açafrão, top do menu, por R$ 239,90.
Na hora de pegar o Porsche, avaliado em R$ 400 mil e hoje apreendido por determinação da Justiça, Magalhães incorporava o "mão de vaca". Chegou a recusar-se a dar gorjeta, como lembra um manobrista que pede anonimato e recebe salário líquido inferior a R$ 1.000.

    Antonio Prata

    folha de são paulo
    Abaixo, a ironia
    Volto ao tema para que não haja riscos de reforçar ideias que tentei ridicularizar
    Domingo passado, escrevi aqui uma crônica em que satirizava o discurso mais raivoso da direita brasileira. Muita gente não entendeu: alguns se chocaram pensando que eu de fato acreditava que o problema do país era a suposta supremacia de negros, homossexuais, feministas, índios e o "poderosíssimo lobby dos antropólogos"; outros me chocaram, cumprimentando-me pela coragem (!) de apontar os verdadeiros culpados por nosso atraso. Volto ao tema para que não haja risco algum de eu estar reforçando as ideias nefastas que tentei ridicularizar.
    Uma sátira é uma caricatura. Escolhemos certos traços de uma obra e produzimos outra, exagerando tais características. Narizes aparecem desproporcionalmente grandes, orelhas podem ser maiores que a cabeça, um bigode talvez chegue até o chão. É como se puséssemos uma lupa nos defeitos do original, a fim de expô-los.
    Na crônica de domingo, achei que havia carregado o bastante nas tintas retrógradas para que a sátira ficasse evidente. Descrevi um quadro que, pensava eu, só poderia ser pintado por um paranoico delirante. No país bisonho do meu texto, José Maria Marin e o pastor Marco Feliciano eram de esquerda, os brancos estavam escanteados por negros, que ocupavam a direção das empresas, as mesas do Fasano e os assentos de primeira classe dos aviões. O Brasil (segundo maior exportador de soja do mundo) não era, na crônica, uma potência agrícola, por culpa das reservas indígenas. No fim, me levantava contra "as bichas" e "o crioléu". O texto não estava suficientemente descolado da realidade para que todos percebessem a impossibilidade de ser literal?
    Talvez, infelizmente, não: fui menos grosseiro, violento e delirante na sátira do que muitos têm sido a sério. Poucos dias antes da crônica ser publicada, um vereador afirmou em discurso que os mendigos deveriam virar "ração pra peixe". Com esse pano de fundo, ser "apenas" racista, machista, homo e demofóbico pode não soar absurdo. Quem se chocou achou o personagem equivocado, mas plausível. Quem me cumprimentou achou minha "análise" perfeitamente coerente. Ora, só dá para concordar com o texto se você acreditar que as cotas criaram uma elite negra e oprimiram os brancos, acabando com a "meritocracia que reinava por estes costados desde a chegada de Cabral", se achar que os 20 anos de ditadura foram "20 anos de paz" e que é legítimo e bem-vindo levantar-se contra "as bichas" e "o crioléu".
    Em "Hanna e Suas Irmãs", do Woody Allen, Lee, uma das irmãs, é casada com um intelectual rabugento chamado Frederick. Lá pelas tantas, o personagem assiste a um documentário sobre Auschwitz, em que o narrador indaga "como isso foi possível?". Frederick bufa e resmunga: "A pergunta não é essa! Do jeito que as pessoas são, a pergunta é: como não acontece mais vezes?". Esta semana, diante dos e-mails elogiosos que recebi, a fala me voltou algumas vezes à memória: "Como não acontece mais vezes?". Vontade é o que não falta, por aí --e, infelizmente, não estou sendo irônico.

      O assunto é A Ciência e os Animais

      folha de são paulo
      SILVIA ORTIZ E JOÃO ANTONIO HENRIQUES
      O ASSUNTO É A CIÊNCIA E OS ANIMAIS
      A ciência em perigo
      É duro ouvir pessoas sem conhecimento científico opinando e, com base nisso, sermos acusados de maus-tratos que nunca existiram
      As últimas três semanas legaram uma grave lição ao país: a de que a pesquisa científica está sujeita aos humores de grupos que, caso entendam que assim devem agir, invadem e depredam laboratórios sob os olhares complacentes do poder público.
      Não é possível enxergar de outra maneira a cadeia de eventos que levou ao encerramento das atividades do Instituto Royal em São Roque, única instituição brasileira preparada para desenvolver uma atividade-chave para a sociedade, a pesquisa de segurança de medicamentos.
      É o caso clássico em que a vítima se torna réu. Por outro lado, seu agressor, apoiado em acusações vazias, posa de herói. É como se acusassem você, leitor, de maus-tratos com seus animais domésticos, invadissem e depredassem sua casa e os levassem embora, sem nenhuma prova concreta ou amparo legal. Como você se sentiria a respeito?
      Todos os responsáveis na esfera pública --do prefeito de São Roque (SP) ao ministro da Ciência e Tecnologia, passando pelo coordenador do Conselho Nacional de Experimentação Animal-- atestaram a lisura e a correção do Royal, bem como a importância do nosso trabalho. Todas as sociedades científicas relevantes manifestaram seu apoio.
      Enquanto isso, assistimos a um desfile de políticos e futuros candidatos em busca de fama, sem se preocupar com a verdade. Também pudemos observar autoridades que têm a obrigação de proteger a sociedade assistirem placidamente à atuação criminosa de um grupo de indivíduos, sem esboçar reação.
      Se pensarmos friamente, podemos encontrar as raízes desse mal em nossos próprios corações. Quem aceita passivamente que vândalos agridam um coronel da polícia, por exemplo, também não vê nada de errado em uma ação como a que foi perpetrada contra o Royal. O distanciamento acaba gerando aceitação. Novamente, cabe uma pergunta ao leitor: e se isso ocorresse na empresa em que você trabalha?
      Nossa equipe era formada por 85 profissionais que investiram anos em estudo e pesquisa. São biólogos, biomédicos e médicos veterinários cuja capacidade é resultado de seus esforços pessoais.
      Para todos nós, é muito duro ouvir pessoas sem um mínimo de conhecimento científico e capacidade técnica opinando sobre pesquisas e teses de mestrado que um leigo não conseguiria entender completamente e, com base nisso, sermos acusados de maus-tratos que nunca existiram.
      Além disso, precisamos conviver com nossos dados pessoais sendo divulgados na internet, além de ameaças, públicas e anônimas, à nossa integridade física.
      Ainda pior do que isso, porém, é saber que todos esses 85 profissionais estão agora na rua e que não haverá nenhum grupo de "ativistas" para defender suas famílias.
      A dúvida que ronda a comunidade científica é sobre aonde isso vai parar. Recentemente, um reconhecido instituto brasileiro iniciou testes em macacos para uma vacina anti-HIV, que pode salvar milhões de vidas ao redor do mundo. Haverá uma invasão à entidade?
      Em algum momento, um novo laboratório deverá ser criado ou certificado para dar conta da pesquisa de segurança de medicamentos no Brasil --e certamente utilizará animais. É possível fazer isso sem riscos?
      São dúvidas incômodas que demonstram o completo absurdo da situação. A única certeza por enquanto é que hoje, no Brasil, é preciso ter coragem para ser cientista.
      Aberto, o Royal era alvo de invasões e palco de interesses políticos. Fechado, é um dos muitos sinais aparentes de que algo, definitivamente, não vai bem neste país.
      FÁBIO OLIVEIRA, DANIEL LOURENÇO E CARLOS NACONECY
      O ASSUNTO É A CIÊNCIA E OS ANIMAIS
      A ética animal
      Alfaces realmente não choram. Humanos e porcos, sim. Tirar uma cenoura da terra e sangrar uma galinha não são a mesma coisa
      Eventualmente, quando lemos um artigo, podemos ficar em dúvida se o autor realmente acredita naquilo que escreveu ou se é despreocupadamente panfletário. No segundo caso, podemos concluir que consiste em pilhéria, afronta desrespeitosa que causa polêmica, mas não pela razão devida.
      Em "A ética das baratas" ("Ilustrada, 16/9), o senhor Luiz Felipe Pondé se refere à corrente filosófica denominada ética animal como "seita verde", "mania adolescente".
      Qualificou aqueles que a defendem como "pragas", "ridículos", "adoradores de barata", "hippies velhos que fazem bijuteria vagabunda em praças vazias" e "pessoas com problemas psicológicos". Nunca tínhamos lido nada assim. Objeções sim, claro, mas nada nesses termos.
      Segundo Pondé, Peter Singer, da Universidade Princeton, Tom Regan, da Universidade da Carolina do Norte, Laurence Tribe, de Harvard, Cass Sunstein, da Universidade de Chicago, Andrew Linzey, de Oxford, além de tantos outros, inclusive dos autores deste arrazoado, são "ridículos", "hippies velhos", "pragas"...
      Singer, ao contrário do afirmado por Pondé, nunca sustentou, sem qualquer mais, que "bicho é gente". O que Singer afirma é que pelo menos alguns animais são suficientemente semelhantes a nós a ponto de merecer uma consideração moral também semelhante, adotando o critério da senciência ou consciência, com ênfase na capacidade de sofrer.
      Pondé, que não leu e/ou entendeu Singer, faz, então, uma leitura da natureza para dizer que ela "mata sem pena fracos pobres e oprimidos". O que isso tem que ver? Concluímos que devemos agir assim com animais e seres humanos? Embora a natureza não possa ser reduzida a isso, qual moralidade se pode extrair de fatos naturais?
      Ora, milhões de seres humanos são fracos, pobres e oprimidos. Os juízos de valor sobre a correção ou o erro de determinadas condutas são pertinentes somente aos agentes morais. Por isso, carece de qualquer sentido avaliar eticamente a conduta do leão de atacar a zebra. Essa interdição, porém, não nos impede de analisar a nossa conduta diante de outros humanos e animais.
      Pondé pergunta: "Como assim não se deve matar nenhuma forma de vida'?" Quem proclama isso, senhor Pondé? Certamente não é a ética animal. Nem a ética da vida. O que se afirma é que não se deve matar sempre que se possa evitar isso. O que significa que não é irrelevante matar uma barata ou que se está autorizado a matar uma vaca para satisfazer o paladar.
      A ciência nos informa que alfaces não sofrem --este é um estado atrelado a fisiologia que elas não têm. Alfaces realmente não choram, senhor Pondé. Humanos e porcos, sim. Tirar uma cenoura da terra e sangrar uma galinha não são a mesma coisa. Podar um galho de árvore ou cortar a pata de um cão também não. É o senso comum mais elementar.
      Ridicularizar é recurso para desqualificar: como muitas vezes feito, desprestigia a serenidade da argumentação acadêmica para angariar os risos da plateia por meio de artifícios sofistas. Todavia, como alertou santo Agostinho, uma coisa é rir de um problema, outra é resolvê-lo. E nós, senhor Pondé, não estamos sorrindo.

      Helio Schwartsman

      folha de são paulo
      Normal ou patológico?
      SÃO PAULO - Vai ganhando corpo a corrente dos profissionais de saúde mental que, como o americano Dale Archer, denuncia a patologização de comportamentos normais. Pressões da indústria de drogas seriam um dos motivos para essa verdadeira epidemia de diagnósticos.
      É fato que o aumento das doenças mentais ocorre num ritmo suspeito e que isso interessa aos laboratórios. Penso, porém, que ao menos parte do fenômeno está relacionado a uma questão de filosofia da medicina que é pouco explicitada. Quando se torna legítimo atuar? Na visão mais clássica, o médico só pode intervir para restaurar a saúde. A prescrição de drogas para qualquer outro fim que não curar uma doença bem definida seria antiética.
      A questão é que, sem muito alarde, esse paradigma está mudando. Hoje, as pessoas procuram médicos não só para recuperar a saúde mas também para melhorar sua performance numa área ou apenas para sentir-se melhor. Não vejo muito como condenar em termos morais essa ampliação do escopo da medicina. É evidente, porém, que ela cobra seu preço. A patologização de estilos de ser que poucas décadas atrás seriam classificados como meras variações de personalidade é parte da fatura.
      Paradoxalmente, a supermedicalização convive com seu reverso, que é o subdiagnóstico, já que parcela significativa da população brasileira não tem acesso ao sistema de saúde e fica sem tratamento. E, se queremos atender a todos, que me perdoem os psicoterapeutas, não há caminho que não o dos remédios.
      Imaginemos, num cálculo conservador, que 10% da população sofre de algum transtorno e poderia beneficiar-se de tratamento. Se fôssemos ministrar duas horas de terapia por semana a 20 milhões de pacientes, precisaríamos de um exército de 1,1 milhão de profissionais executando jornadas fordistas (sem intervalo) de 35 horas semanais. É muita areia para o caminhãozinho do SUS.

      Crepúsculo dos ídolos - Favela, sem eufemismo [editoriais folha]

      folha de são paulo
      EDITORIAIS
      Crepúsculo dos ídolos
      Chico Buarque e Oscar Niemeyer, Regina Duarte e Beatriz Segall: a favor de um ou outro candidato, artistas de variadas áreas não costumam recusar participação em campanhas eleitorais.
      Faltando quase um ano para a disputa presidencial, o governador Eduardo Campos (PE) e Marina Silva, ambos do PSB, já articulam contatos desse tipo. Conforme apurado pela Folha, programa-se um evento no Rio, no qual terão oportunidade de encontrar-se com personalidades do setor.
      Estaria em pauta a discussão de alternativas à política cultural. Ainda que esse tópico dificilmente ocupe por mais de 15 segundos a atenção da maior parte dos candidatos, não há nada de condenável em tais confraternizações.
      A dúvida é se a presença dessas celebridades ainda se reveste da importância que teve em momentos mais turvos da história política.
      Artistas de novela e músicos de MPB puderam, por algum tempo, emprestar um ar de familiaridade e crédito a candidatos que, por diversas razões, careciam de maior endosso na opinião pública.
      Num momento em que Lula, por exemplo, inspirava certo temor na classe média pelo excesso de esquerdismo, foi conveniente à sua candidatura o apoio de rostos bonitos e vozes maviosas. Do outro lado, as aventuras espumantes de Fernando Collor ganhavam uma credibilidade cosmética quando enaltecidas pelos sorrisos de alguma celebridade inofensiva.
      Atualmente, o quadro é diverso. Ou os políticos já despertam desconfiança demais para que artistas possam atenuá-la, ou o potencial de estranheza e perturbação já se dissolveu. Tornaram-se, em diversos casos, mais construídos do que os próprios atores de novela.
      Além disso, as celebridades, em especial as da música popular, veem diminuir a admiração que mereciam. Pelo menos do ponto de vista das ideias políticas, notáveis defensores da liberdade de expressão não se saíram bem quando a publicação de biografias a seu próprio respeito entrou em debate.
      Melhor assim, talvez; humanizam-se todos, sensíveis ao interesse comercial ou às suscetibilidades do estrelato. A democracia, se estimula a participação sem distinções, pode ter o efeito de mitigar idolatrias exageradas.
      Distinguem-se, ademais, os artistas que têm constante atividade política dos que surgem como convidados de luxo na propaganda eleitoral. Ou dos que só procuram, para beneficio próprio, converter em votos e cargos o apreço que conquistaram. Mas esses, como se sabe, são de outra laia.
        Embora tenham mais itens de consumo, moradores de "aglomerados subnormais" continuam abaixo da média nos indicadores sociais
        A iniciativa do IBGE de quantificar alguns aspectos da vida no que se chama genericamente de favelas --"aglomerados subnormais", na linguagem técnica-- embasa e ratifica algumas intuições antigas a respeito de seus habitantes.
        Segundo a pesquisa do IBGE que refinou o Censo 2010, uma casa de favela tem quase tantos eletrodomésticos básicos quanto as do restante do país, mas seus moradores estão pouco aparelhados para aspirar a uma vida que não seja apenas confortada por alguns poucos objetos de consumo.
        Os moradores da favela continuam "subnormais", fora da norma e abaixo da média, como seus ancestrais na criação ou ocupação de bairros precários, no século 19.
        Na sua média "subnormal", têm menos educação formal, menos acesso ao mercado de trabalho formal, menos acesso ao traçado formal de ruas (com o que acabam tendo menos acesso à infraestrutura básica, de saneamento a segurança). Têm, portanto, uma cidadania informal. Subnormal.
        Certamente não só eles vivem abaixo das médias já deprimentes do Brasil. Estar perto da cidade em tese traz algumas possibilidades de superação. Há pessoas em situações piores, desconectadas do mercado pela geografia e quase isoladas dos serviços do Estado.
        Mais gritante na condição dos moradores de "aglomerados subnormais" é que se concentram nas maiores regiões metropolitanas do país. São vizinhos muito próximos da "normalidade", e o conhecimento intuitivo que se tem deles não se distancia do que as estatísticas agora ilustram com precisão.
        Dado que a existência dos "subnormais" urbanos é secular, persistente, é razoável supor, não sem fundamento, que a favelização territorial e social tem alguma funcionalidade imediata, ainda que prejudicial a longo prazo (deterioração urbana e baixa produtividade, por exemplo).
        Diferentemente dos moradores dos grotões e sertões, os habitantes desses bairros precários terminam sendo reserva de mão de obra para uma sociedade que aceita, na prática, conviver com a desigualdade de direitos e o subemprego como soluções para uma economia eivada de ineficiências e de serviços sociais precários.
        A esse respeito, cabe a comparação com a situação até há pouco tempo enfrentada pelos trabalhadores domésticos. Também eles eram "subnormais", já que não tinham os mesmos direitos de outros trabalhadores. A subnormalidade, enfim, resulta no barateamento, ao menos no curto prazo, da vida "normal", mas dura, de uma sociedade ainda medianamente pobre e, sobretudo, tolerante com o abismo social.

        Situação na prefeitura era de descalabro, diz Haddad

        FOLHA DE SÃO PAULO
        ENTREVISTA FERNANDO HADDAD
        Controladoria é resposta a situação de descalabro
        Orgão de controle envolve riscos políticos, mas traz benefícios superiores no campo da ética, diz prefeito de São Paulo
        FERNANDA MENADE SÃO PAULOMARIO CESAR CARVALHOQuase sempre avarento e professoral nos adjetivos de acusação, o prefeito Fernando Haddad (PT) subiu o tom contra a gestão de Gilberto Kassab (PSD) --mesmo sem nunca citar o seu nome.
        Em entrevista à Folha, ele classificou a situação que encontrou na Prefeitura de São Paulo de "descalabro": "Havia uma degradação. Nichos instalados e empoderados".
        Por outro lado, não poupou elogios à Controladoria-Geral do Município, criada por ele a partir da experiência da Controladoria-Geral da União (CGU), que revelou a máfia do ISS (Imposto sobre Serviços): fiscais que cobravam propina para reduzir o valor do tributo pago para imóveis novos num esquema que fraudou a prefeitura em cerca R$ 500 milhões.
        Ele recusa, no entanto, a pecha de xerife da cidade. "Se existe uma pessoa que controla o processo de investigação, ele está viciado. A ideia é que não haja um controlador, mas uma controladoria."
        Haddad afirma que a controladoria, por ter autonomia em relação ao Executivo, traz riscos políticos que devem ser desprezados (seu principal secretário, Antonio Donato, foi citado em quatro episódios no caso dos fiscais).
        "É uma covardia medir os ganhos éticos com os eventuais prejuízos políticos."
        Leia, a seguir, trechos da entrevista concedida à Folha.
        Folha - O sr. se encontrou com o ex-presidente Lula. O que ele falou dos fiscais do ISS?
        Fernando Haddad - Ele comentou: "A gente reclama da CGU [Controladoria-Geral da União], mas ela faz um bem para o Brasil, né?". A CGU às vezes interrompe um processo, suspende um edital... E a gente reclama, pois quer fazer obras. Mas um órgão de controle pode ser um freio na gestão ao mesmo tempo em que é imprescindível para chegar a seus problemas.
        A investigação, por respingar no ex-prefeito Gilberto Kassab, pode prejudicar alianças do PT nas eleições de 2014?
        Não acredito nisso.
        Há quem diga que, nesta crise, o sr. foi inábil politicamente.
        Dependendo de como foi usado o termo, eu o fui com muito orgulho. Quando você monta uma controladoria, ou ela é um órgão de controle ou não é. Não tem meio-termo. Porque, se 10% do que ouvi em 2012 sobre a prefeitura fosse verdade, já era o caso de montar uma controladoria.
        O que o sr. ouviu?
        Ouvi que a situação era a pior possível do ponto de vista ético. Havia uma degradação. Nichos instalados e empoderados. Havia uma percepção de degradação.
        Mas há petistas que dizem que o sr. está colocando em risco uma aliança com Kassab.
        Nos valemos de dez anos de tecnologia de combate à corrupção da CGU. Não é pouco trazer isso para São Paulo. É um patrimônio inestimável para a cidade. Em vez de inabilidade política, deveria ser visto como resposta do Executivo a uma situação de descalabro.
        Quem fala mais alto neste momento: o prefeito de São Paulo ou o prefeito do PT?
        O filho do Khalil e da Norma.
        Qual é a diferença entre a corregedoria que existia e a controladoria criada em sua gestão?
        É um divisor de águas. A controladoria tem duas ou três características importantes. A primeira é a autonomia. Ela não presta contas ao prefeito.
        O [controlador-geral Mario] Spinelli não presta contas a mim. Não pede permissão para investigar este ou aquele procedimento. Não tem o dever de sequer me comunicar.
        Em segundo lugar, a controladoria não é um agente passivo, que reage a denúncias. Ela faz trabalho de inteligência. Não se trata de dizer quem começou ou continuou a investigação. É uma mudança de cultura e de mentalidade.
        Kassab tem insistido que ele começou essa investigação.
        É uma disputa estéril. O ganho que a sociedade pode ter é que os processos hoje são de um órgão 100% autônomo.
        O sr. se mostra envolvido na divulgação de cada passo dessa investigação. Quais os riscos políticos dessa postura?
        Se conseguir convencer a sociedade de que a controladoria é um marco que pode ser disseminado pelo país, terei feito o melhor para a cidade. Penso mais nisso que no cálculo político, de curto prazo.
        O sr. responde agora à pergunta sobre quem fala mais alto.
        Estou falando da minha formação. Quando criamos este órgão, sabíamos que ele envolvia riscos de natureza política na exata medida em que envolve uma solidez do ponto de vista ético e moral.
        Os benefícios no campo da ética são tão superiores e mais consistentes que os riscos políticos que nem coloco as duas coisas na balança.
        É uma covardia medir os ganhos éticos com os eventuais prejuízos políticos.
        Seu principal secretário, Antonio Donato, é citado em quatro episódios desta investigação. Por que não foi aberta investigação em torno dele?
        Olha... O Donato acompanhou, até como secretário de Governo, os procedimentos adotados nas investigações. O fato narrado em 2008...
        Há fatos recentes do Ronilson Rodrigues, tido como chefe da máfia do ISS, o procurando.
        Isso não é negado. Ronilson entregou dois estudos à minha campanha: sobre ISS e sobre IPVA. Participou da transição, indicado pela administração anterior.
        E o sr. não pretende abrir uma investigação do Donato?
        Os fatos sobre a campanha de 2008 têm de ser investigados pelo Tribunal Regional Eleitoral, se o órgão julgar que deve [Donato teria recebido dinheiro dos acusados em sua campanha; ele nega].
        O sr. quer passar uma imagem do tipo Rudolph Giuliani, o prefeito-xerife de Nova York?
        Se há uma pessoa que controla o processo de investigação, ele está viciado. Se é institucional, atua com princípios de institucionalidade, moralidade e apartidarismo. A ideia é que não haja um controlador, mas uma controladoria.
        Num telefonema gravado, o chefe da máfia do ISS diz que o prefeito sabia de tudo. O sr. sabe quem é esse prefeito?
        [Ri] Olha... Não é possível desconsiderar que [Ronilson] ocupou um cargo da maior importância durante muito tempo na gestão anterior.
        O que se pode esperar das investigações daqui pra frente?
        Existem evidências fortes de que esses fiscais também atuavam no cadastro do IPTU. A fraude no IPTU pode ser pior que a do ISS.
        Há quem defenda que corrupção ocorre pela forma como as administrações públicas são estruturadas. Há algum projeto de reestruturação?
        As áreas de ISS das construtoras e IPTU são as únicas da Secretaria de Finanças que não tinham sido informatizadas. Agora, estão sendo.
        A novidade não é a existência de servidores corruptos, mas do caminho para diminuir as chances de isso voltar a acontecer. O crime aprende. E a controladoria terá de aprender mais do que elas.

          TV Globo retoma características clássicas da novela com 'Em Família'

          folha de são paulo
          A volta do novelão
          Com 'Em Família', que tem estreia prevista para fevereiro
          ISABELLE MOREIRA LIMA
          ENVIADA ESPECIAL A GOIÂNIA
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          Um novelão daqueles vai encerrar a saga das Helenas de Manoel Carlos. "Em Família", novela das 21h da Globo que estreia em fevereiro, retoma as características clássicas do gênero: muito drama, romances problemáticos, histórias de superação e uma linguagem visual careta.
          Desde "Avenida Brasil" (2012), com reviravoltas diárias e um ritmo acelerado comum aos seriados norte-americanos, a emissora tem tentado emular o gênero estrangeiro transmutando o que sempre foi sua principal fonte de audiência, a telenovela.
          Com a estreia, é como se congelasse a estratégia e voltasse à fórmula que em outros tempos era garantia de sucesso: uma trama que se desenvolve lentamente e se explica a cada capítulo.
          João Miguel Júnior/Divulgação/TV Globo
          Bruna Marquezine grava cena em praça no centro de Goiânia (GO)
          Bruna Marquezine grava cena em praça no centro de Goiânia (GO)
          "Vamos usar uma linguagem menos arrojada, queremos uma coisa mais tradicional", diz o diretor-geral de "Em Família", Leonardo Nogueira. Jayme Monjardim assina a direção de núcleo.
          Partindo dessa ideia, a Globo escolhe mostrar uma trama baseada em situações familiares e triângulos amorosos, além dos temas "campanha social" -como o alcoolismo e a doença de Parkinson-, num ritmo mais lento, de "vida real", que caracteriza a obra de Manoel Carlos.
          "Estou escrevendo como sempre escrevi. Talvez seja correto dar a esse formato o nome de tradicional, mas para mim é apenas o que acredito saber fazer", diz o autor. Ele anunciou que essa deve ser sua última novela.
          A história central em questão é a de uma menina, Helena, que se apaixona pelo primo, Laerte, com quem cresce e quase casa, até que um evento (este fechado a sete chaves pela Globo) os leva a direções opostas.
          Ela deixa Goiás, onde os dois nasceram, e se muda para o Rio. Ele, anos depois, vai para o exterior e vira um flautista famoso.
          Bruna Marquezine e Júlia Lemmertz interpretam Helena, a protagonista, em duas fases da vida. Marquezine, na segunda parte da novela, vive ainda sua filha, Luiza.
          A escalação foi bem planejada por Manoel Carlos. Marquezine começou a carreira em uma novela do autor, "Mulheres Apaixonadas" (2003), como a menina Salete, aos 8 anos, e desde então não trabalhou mais com seus textos.
          Lemmertz é filha de Lilian Lemmertz (1937-1986), a primeira Helena e a quem a novela é dedicada. "Pensei imediatamente na Júlia, uma atriz que sempre admirei e para quem nunca escrevi."
          Sobre Marquezine, diz que precisava de uma artista versátil: "É uma atriz jovem, mas já com experiência para encarar dois papéis diferentes".
          Laerte, o primo que se envolverá com mãe e filha, é interpretado por Guilherme Leicam ("Malhação") e por Gabriel Braga Nunes.
          A repórter viajou a convite da TV Globo
          CAPA
          Globo vai a Goiânia atrás de audiência
          Primeiros capítulos incluem cidades de Goiás, numa tentativa de melhorar o mau desempenho da emissora no Estado
          Próxima novela das nove pode ser a última de Manoel Carlos; autor diz que vai passar a escrever minisséries
          ISABELLE MOREIRA LIMADA ENVIADA ESPECIAL A GOIÂNIANovela de Manoel Carlos é sinônimo de Leblon, bairro nobre da zona sul do Rio de Janeiro. Mas, desta vez, outro cenário deve abrir a nova trama das 21h da Globo: Goiás. A novela tem início na cidade fictícia de Esperança, onde Helena viverá sua infância. Foram feitas gravações em locações do município de Goiás e na capital, Goiânia.
          Assim como a escalação das atrizes, a escolha das cidades é estratégica para a Globo, que enfrenta na capital goiana sua pior audiência.
          "Temos o enorme desafio de fazer com que as pessoas assistam à TV aqui", disse o diretor-geral Leonardo Nogueira antes de gravar cenas com Bruna Marquezine.
          Já Manoel Carlos diz que a história começa fora do Rio porque precisava de um cenário "rico, mas que mantivesse os costumes regionais". Na vida adulta, Helena sairá de lá e viverá no Leblon.
          A Folha assistiu a gravações da novela na capital goiana. Na primeira, a vida real da cidade quase interferiu na "vida real" que a novela tentava reproduzir.
          Gabriel Braga Nunes (Laerte) e Helena Ranaldi (Verônica) faziam sua primeira cena em um parque, onde adolescentes fantasiados de fantasmas e zumbis cobertos de sangue falso comemoravam o Dia das Bruxas.
          Horas mais tarde, no centro, Helena (Bruna Marquezine) vivia seu romance juvenil na saída de um baile de formatura, ao lado do primo, vivido por Guilherme Leicam.
          A cena, que se passa nos anos 1990, era composta por figurantes com longos vaporosos e penteados extravagantes, além de Opalas e Chevettes estacionados.
          A novela será dividida em três fases que se passam nos anos 1980 e 1990 e em 2014. Além de Goiás e do Rio, Viena será cenário.
          A cidade foi escolhida, diz o diretor Jayme Monjardim, "por ser musical", uma vez que a novela conta com ao menos quatro músicos entre os personagens principais.
          Mas Monjardim afirma que nenhum desses elementos deve ser a principal marca da obra: "Nada fala mais alto nas novelas do Maneco [Manoel Carlos] do que o próprio Maneco. O desafio é não atrapalhar o texto dele."
          O autor diz que essa será sua última novela. Esse anúncio já fora feito há dez anos, quando ele lançou "Mulheres Apaixonadas" (2003). "Cheguei aos 80 anos e prefiro parar enquanto me julgo ainda capaz de encarar essa empreitada", afirma.
          Ele diz, no entanto, que não está se aposentando: quer escrever minisséries e pode ainda experimentar o formato dos seriados.