quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Antonio Prata e Gregorio Duvivier lançam livros juntos com debate e balada

folha de são paulo
Em livro, Duvivier leva humor à poesia
'Ligue os Pontos' é o segundo volume de poemas publicado pelo ator do Porta dos Fundos e colunista da Folha
Com Antonio Prata, que também lança livro hoje, carioca fala sobre seu trabalho literário em evento em São Paulo
RAQUEL COZERCOLUNISTA DA FOLHAO ator e poeta Gregorio Duvivier, 27, diz que é a "galinha pintadinha" do canal de internet Porta dos Fundos.
Seus vídeos, avalia, têm humor quase infantil na comparação com os outros, mais anárquicos e escrachados, produzidos pelo grupo que desde 2012 atrai milhões de espectadores no Youtube.
Esse interesse por um humor mais poético é bem anterior ao formato que fez dele uma estrela virtual. Teve sua primeira aparição em 2008, quando saíram os poemas de "A Partir de Amanhã Eu Juro que a Vida Vai Ser Agora" (7Letras), obviamente com menos alcance que o programa de vídeos.
"Poesia em geral é considerada o supérfluo, o desutensílio', como diz o Manoel de Barros", comenta o escritor, colunista da Folha.
Mesmo assim, Duvivier resolveu tirar da gaveta versos dos últimos cinco anos e reuni-los em "Ligue os Pontos --Poemas de Amor e Big Bang" (Companhia das Letras), que será lançado hoje, em São Paulo, em evento do qual também participa Antonio Prata (leia nesta página).
Com o livro, Duvivier busca mostrar que a poesia não precisa ser oposta ao humor. "Quando você ri de algo, está se identificando. Assim como a poesia, o humor passa pelo afeto. E ambos têm de puxar os tapetes da certeza."
São pouco mais de 30 poemas curtos, como "no princípio era o verbo/ uma vaga voz sem dono/ vagando pela via láctea.// depois veio o sujeito/ e junto com ele todos/ os erros de concordância.". Os versos são sempre dispostos na forma de pequenos blocos de texto.
"Os poemas são todos quadrados, quase emoldurados. Não ligo para métrica, mas gosto desse formato. É como uma espécie de TOC de não pisar nas linhas brancas", ri.
O volume é dividido em duas linhas temáticas: "cartografia afetiva", com referências líricas ao Rio natal do autor, e "aprender a gostar muito", sobre amor.
Os poemas de amor são dedicados à atriz e cantora Clarice Falcão, 24, mulher de Duvivier e colega de Porta dos Fundos. "Foi ela quem me intimou a tirá-los da gaveta."
Com o poeta Paulo Henriques Britto, de quem foi aluno na faculdade de letras, Duvivier aprendeu que a gaveta é boa para a literatura. "Se um poema não resiste à gaveta, não resistirá à estante. É um tubo de ensaios: basta deixar um ano ou dois e ver no que dá. Às vezes melhora, mas em geral estraga."
No teste, muitos tiveram a validade vencida. "Eliminei uns 60 deles, com a ajuda dos editores, que são ótimos em jogar coisa fora", diz.
    Antonio Prata faz retrato sobre a infância
    DA COLUNISTA DA FOLHAA infância que Antonio Prata, 36, retrata em seu novo livro, "Nu, de Botas" (Companhia das Letras), poderá parecer estrangeira a quem nasceu depois dos anos 1980.
    É num cenário sem internet, "num mundo de pequenas barbáries no qual não existiam o protetor solar, o politicamente correto nem o photoshop", como define o autor, que se desenrolam os contos e crônicas protagonizados pelo menino Antonio, na flor da primeira infância.
    "Se parar para pensar, há uma proximidade cultural maior entre quem nasceu entre o final da Segunda Guerra [1945] e os anos 1980 do que entre quem nasceu entre os anos 1980 e os anos 2000. Nesse sentido, o livro está preso no século passado", avalia o colunista da Folha.
    As narrativas se passam em sua maior parte no bairro paulistano do Itaim (Bibi, e não Paulista, como descobrirá Antonio apenas depois de perder a chance, por pura falta de noção de endereço, de ganhar uma bicicleta do programa de TV do Bozo).
    Nesse cenário, o menino descobre os tufos de poeira debaixo dos móveis, o divórcio dos pais, a morte de dois bichos de estimação, a sexualidade e os desafios da vida -- por exemplo, como esconder dos adultos o fato de ter feito cocô na calça no auge de seus quatro anos de vida.
    Fatos da vida do autor estão lá (como o caso do cocô, cuja solução então imaginada e imediatamente desvendada pelos adultos foi vestir várias peças de roupa por cima da calça para ninguém reparar no estrago), embora a maior parte do material esteja lustrada pela ficção.
    "Não dá para falar que uma memória dos quatro anos não seja ficção, porque não se pode lembrar o que é verdade e o que você inventou. O material já começa suspeito", diz o autor, que elaborou pensamentos e personagens a partir de "resquícios arqueológicos" da memória.
    Os textos começaram a ser pensados há uma década, quando Prata foi convidado pela escola onde estudou até os seis anos a escrever sobre aquele período.
    "Assisti aula com as crianças por dois meses. Então que reparei como aquelas memórias eram próximas de mim."
    Um dos contos, "Waldir Peres, Juanito e Pölöskei", garantiu a Prata um lugar entre os 20 selecionados da concorrida "Granta -- Os Melhores Jovens Escritores Brasileiros" (Alfaguara), lançada em 2012.
      Autores lançam livros juntos com debate e balada
      Hoje, às 20h, Antonio Prata e Gregorio Duvivier se encontram no Cine Joia (pça. Carlos Gomes, 82, tel. 3231-3705) para o lançamento de seus livros.
      O evento inaugura o que a Companhia das Letras define como "novo formato de noite de autógrafos". Haverá bate-papo e sessão de autógrafos seguidos de discotecagem feita pelos editores da casa.
      A classificação indicativa é de 14 anos. Os ingressos custam R$ 50 e dão direito aos dois títulos. Nas livrarias, os dois juntos saem por R$ 60,50 ("Nu, de Botas", de Prata, por R$ 31; e "Ligue os Pontos", de Duvivier, por R$ 29,50).

      Mônica Bergamo

      folha de são paulo

      Haddad deve lançar propaganda para explicar aumento de IPTU

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      O prefeito Fernando Haddad (PT-SP) deve lançar uma campanha publicitária para "explicar" o aumento do IPTU. Quer massificar a ideia de que os mais pobres não pagarão imposto ou terão aumento irrisório no valor.
      CARGA PESADA
      A possibilidade de fazer campanha foi discutida também com os vereadores que apoiam o governo. Seria uma forma de tentar diminuir o desgaste que eles têm sofrido com as bases eleitorais desde a aprovação do aumento, agora sub judice.
      SEMPRE JUNTOS
      O PP, partido de Paulo Maluf, formará um bloco parlamentar em Brasília com o Pros, legenda neogovernista criada com apoio do PT. "Seremos a terceira força do Congresso, atrás apenas do PT e do PMDB", diz Maluf.
      BOM CONSELHO
      E o ex-prefeito repete que será candidato a deputado de novo em 2014, apesar de condenado por superfaturamento pelo TJ-SP (Tribunal de Justiça de SP). "É evidente. Ninguém vai me expulsar da vida pública." E ainda se diz entusiasmado com as investigações na Prefeitura de SP. "O Haddad é um sujeito moço, quer fazer carreira política, faz muito bem em combater a corrupção."
      LIÇÃO DE CASA
      Segundo Maluf, o tipo de corrupção descoberto na prefeitura "existe em SP desde 1554", ano em que a cidade foi fundada. "Sempre existiu a figura do lançador, que ia na casa das pessoas determinar quanto elas teriam que pagar de IPTU. Na hora de lançar o valor, pediam alguma coisa." A prática "acabou" quando o imposto passou a ser determinado pela Planta Genérica de Valores. "Ou melhor, se sofisticou", diz o ex-prefeito.
      CADEIRA
      E o PSDB vai mandar carta a Haddad sugerindo o afastamento temporário do secretário Antonio Donato (Governo) durante a investigação das denúncias de que ele recebeu dinheiro para campanha de fiscais acusados de corrupção. "Não é um julgamento prévio", diz Milton Flávio, presidente do diretório municipal. "É para evitar qualquer tipo de pressão ou interferência na apuração."
      Daryan Dornelles
      PEGADA POP
      Fernando Temporão, 30, lança no dia 28, no Studio RJ, o disco "De Dentro da Gaveta da Alma da Gente". Hoje, ele disponibiliza na internet o single "Bambolê"; a produção é assinada por Kassin.
      *
      Filho do ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão (PMDB-RJ), o músico diz que aprendeu a tocar violão com o pai. "Ele foi a minha inspiração."
      VASSOURA
      O presidente do TJ-SP, desembargador Ivan Sartori, proibiu os fóruns da capital e do interior de usar recursos próprios para pagar despesas de órgãos que ocupam os prédios. Ministério Público, OAB, Defensoria Pública e Tribunal Regional Eleitoral serão afetados.
      VASSOURA 2
      No comunicado enviado às comarcas, Sartori especifica as despesas dos inquilinos que não podem ser custeadas: material de limpeza e de escritório, café, água mineral, contas de luz, água e telefone e até sabonete e papel higiênico. O presidente já tentou medida extrema: tirar os integrantes do MP dos prédios da Justiça.
      CONVITE DE FORA
      O crítico e curador do Masp, Teixeira Coelho, recebeu convite de uma instituição alemã para passar dois meses na Alemanha escrevendo um livro. Ele vai encerrar 2013 no Brasil e viaja para lá no ano que vem.
      A VOZ DO RAP
      Um dos nomes mais importantes do rap nacional, Sabotage será homenageado pela Secretaria de Estado da Cultura durante a sétima edição do Encontro Paulista de Hip Hop. Dez anos após sua morte, o rapper ganhará uma exposição inédita, que exibe fotos de sua trajetória na música brasileira. A festa será no dia 30, no Memorial da América Latina.
      SUBIU O MORRO
      Com a pacificação de 38 comunidades do Rio, a "Veja Rio" criou o Comer e Beber da Paz. A ideia da revista é premiar ainda em novembro bares e restaurantes que se profissionalizaram e viraram destaque nesses locais.

      Erasmo Carlos recebe medalha

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      Bruno Poletti/Folhapress
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      A artista plástica Tomie Ohtake foi homenageada na cerimônia da Ordem do Mérito Cultural, terça (5), no Auditório Ibirapuera, e o neto Rodrigo Ohtake a acompanhou
      TROPA DE ELITE
      A artista plástica Tomie Ohtake e o arquiteto Oscar Niemeyer foram os homenageados na cerimônia da Ordem do Mérito Cultural, anteontem, no Auditório Ibirapuera. Erasmo Carlos, Antonio Fagundes e Bárbara Paz e a novelista Maria Adelaide Amaral receberam medalhas por sua contribuição à cultura. O arquiteto Rodrigo Ohtake, neto de Tomie, acompanhou a avó no evento, que também contou com a presença de Emílio Kalil, presidente da Fundação Cidade das Artes.

      Lançamento de biografia

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      Bruno Poletti/Folhapress
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      A dona do restaurante Rodeio, Silvia Macedo Levorin, recebeu convidados no lançamento da biografia póstuma sobre seu pai, Roberto Macedo, terça (5), nos Jardins
      O REI DO RODEIO
      A dona do restaurante Rodeio, Silvia Macedo Levorin, recebeu convidados no lançamento da biografia póstuma sobre seu pai, Roberto Macedo, escrita por Nirlando Beirão. O advogado Carlos Miguel Aidar, o jornalista Daniel Lian e Julio Casares, vice-presidente de marketing do São Paulo, passaram por lá.
      CURTO CIRCUITO
      Ronnie Von apresenta bazar e almoço beneficente da Associação Cedro do Líbano, hoje, no Clube Monte Líbano, a partir das 11h.
      Philip Kotler dá palestra sobre marketing, hoje, às 9h, no campus Higienópolis da Universidade Mackenzie.
      A mostra "Rumos Cinema e Vídeo - Linguagens Expandidas" começa hoje, às 9h, no Itaú Cultural.
      Aldo Bonadei será homenageado com exposição, hoje, às 19h, na Galeria Almeida e Dale, nos Jardins.
      A cantora Karina Buhr faz show amanhã, à meia-noite, no Anexo B. 18 anos.
      Mônica Bergamo
      Mônica Bergamo, jornalista, assina coluna diária publicada na página 2 da versão impressa de "Ilustrada". Traz informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999.

      'Sociedade venceu debate', dizem editores

      folha de são paulo
      BIOGRAFIAS
      Para associação, saída de Roberto do Procure Saber facilita ação anticensura prévia
      JULIANA GRAGNANIDE SÃO PAULOA saída de Roberto Carlos do Procure Saber facilitará a ação que contesta, no Supremo Tribunal Federal, exigência de autorização prévia para a publicação de biografias.
      Anteontem, o músico anunciou que deixaria o grupo por meio de seu empresário, Dody Sirena. Roberto, segundo seus representantes, continuará atuando na questão das biografias.
      "As divergências internas interessam mais a eles do que a nós. O que importa é que com seu prestígio os artistas ajudaram a construir um debate do qual nós e a sociedade brasileira saímos vencedores", afirma Gustavo Binenbojm, advogado da Associação Nacional de Editores de Livros, grupo autor da ação.
      O desligamento do músico do grupo Procure Saber está ligado a um mal-estar causado por uma crítica feita ao "Rei" por Caetano Veloso e à insatisfação com a forma como Paula Lavigne, empresária do baiano e presidente da entidade, conduziu o debate.
      Desde o início de outubro, integrantes do grupo se manifestaram a favor da necessidade de autorização prévia para a publicação de biografias. O Procure Saber foi fundado por Roberto, Caetano, Chico Buarque, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Erasmo e Djavan.
      No domingo, Caetano escreveu no jornal "O Globo" que Roberto Carlos apenas aparecera no debate "quando da mudança de tom".
      Roberto deu entrevista ao "Fantástico" há duas semanas, quando se disse a favor de biografias não autorizadas, desde que com "certos ajustes". O cantor não definiu quais modificações espera e afirmou que era necessário "conversar" e "discutir".
      Depois, gravou um vídeo com Gil e Erasmo, dizendo não ser a favor da censura, mas defender a privacidade.
      "O Roberto está mudando de tática no meio da batalha. Se com os artistas juntos já foi difícil, separados vai ficar mais ainda", diz Paulo César de Araújo, autor da biografia "Roberto Carlos em Detalhes", proibida pelo cantor.
      O desligamento de Roberto deixa dúvidas quanto à participação política do Procure Saber no debate.
      A entidade pretendia ingressar como parte interessada na ação no Supremo Tribunal Federal. Nos bastidores, afirma-se que a pauta das biografias foi introduzida no grupo por Roberto Carlos.
      Um projeto de lei sobre o tema tramita na Câmara, mas não há previsão para a votação da proposta.
      ERASMO
      A permanência dos outros artistas no grupo também é incerta. À Folha, Erasmo Carlos disse que precisaria refletir sobre a questão. "Agora eu não sei, preciso pensar e me reunir até com Deus", disse.
      A reportagem procurou as assessorias dos outros integrantes do Procure Saber. Chico Buarque ainda fará parte do grupo. Milton Nascimento está em Portugal e não deseja se pronunciar sobre o tema. Até a conclusão desta edição, as assessorias de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Djavan não haviam respondido às perguntas enviadas pela reportagem.
      A empresária Paula Lavigne não atendeu às ligações da Folha e tampouco respondeu aos e-mails enviados pela reportagem.

        Contardo Calligaris

        folha de são paulo
        Dia dos mortos e dia dos vivos
        Para meu pai, a presença dos mortos não tinha por que ser pavorosa, pois ela só enriquecia nossa vida
        Mesmo estando em Veneza, não passei pelo cemitério de San Michele no dia dos mortos.
        Se eu fosse até lá no dia 2, teria visitado um amigo dos meus pais, que mal se lembraria de mim, e alguns ilustres: Stravinsky, Joseph Brodsky, que é um poeta que me toca e escreveu um livro lindo sobre Veneza ("Marca d'Água", Cosac Naify), e Franco Basaglia, que desencadeou o movimento antipsiquiátrico, no hospital de Gorizia.
        É provável que as visitas aos cemitérios se tornem cada vez mais raras. Além de um túmulo concreto, muitos já erigem monumentos virtuais para seus entes queridos, e visitar os mortos, no futuro, talvez signifique passear por um lugar virtual: rever fotos e textos, lembrar-se e deixar um pensamento (há sites para isso, cemitérios virtuais --peoplememory.com, por exemplo).
        Na Itália, há também cemitérios reais em que, graças a câmeras filmando ao vivo, é possível visitar qualquer tumba virtualmente, sem sequer sair de casa (a coisa começou, aliás, com os cemitérios de lugares com forte índice de emigração, de modo que netos e bisnetos do outro lado do mar pudessem visitar "i nonni").
        Mas a razão pela qual não visitei San Michele é outra. Especialmente em Veneza, para mim, os mortos não estão separados dos vivos. Claro, Napoleão chegou até aqui e instituiu os cemitérios (entre eles San Michele), proibindo que os mortos fossem sepultados perto dos vivos.
        Mas meu pai pensava diferente de Napoleão; para ele, a presença dos mortos não tinha por que ser pavorosa ou insalubre --ao contrário, ela só enriquecia nossa vida.
        Meu pai queria que eu me interessasse pelas pedras da cidade, por sua arte e por sua história. O jeito que ele encontrou foi me seduzir com histórias (algumas verdadeiras, outras --suspeito-- inventadas).
        Em Veneza, há mais de uma rua dos assassinos, mais de um "malcantón" (canto ruim), mais de uma ponte do diabo ou dos esquartejados. De todos esses lugares, uma lenda explica o nome. Mesma coisa para cada pedra estranha no meio da calçada, cada busto de anjo ou de diabo num muro. Para quem cresceu ouvindo essas histórias, o passado é uma outra dimensão, quase presente, visível, e a cidade é povoada pelas sombras dos que foram.
        Por exemplo, visitei a parte da Bienal de Arte que é apresentada no antigo Arsenal. Artistas contemporâneos mostram suas obras, inclusive ao ar livre, nas docas onde eram construídos os navios da República. Reis e poderosos, passando por Veneza, sempre eram convidados a festas no Arsenal, que duravam uma tarde, para eles constatarem que, numa tarde, Veneza conseguia construir um navio. Pois bem, no Arsenal, misturo-me à fauna variada da Bienal, mas nunca deixo de enxergar, no fundo, o trabalho dos obreiros que terminavam uma galera num dia só.
        Uma vez, passeando pelas Fondamenta delle Zattere num fim de tarde, meu pai me mostrou o enorme edifício do moinho Stucky, abandonado. Ele apontou luzes trêmulas nas janelas escuras. Eu não enxerguei nada, mas aprendi que aquelas eram as chamas que assinalavam o lugar onde jazia a beata Giuliana de Collalto, esquecida na vala comum das freiras de seu mosteiro, no fim do século 13.
        Nada demais, só que o mosteiro de Giuliana tinha sido demolido e, no seu lugar, surgia, justamente, o moinho Stucky, uma gigantesca oficina neogótica. Ora, em 1910, o próprio Stucky foi assassinado, e, em 2003, o moinho, antes de se tornar mega-hotel, sofreu um grave incêndio. Talvez tenha sido Giuliana de Collalto; talvez e mais provável, tenha sido a sombra de John Ruskin voltando para defender o gótico de sua Veneza amada contra o horror neogótico do Stucky.
        Seja como for, no dia dos mortos, não precisamos visitar os cemitérios porque nossos mortos já estão entre nós (ou dentro de nós). E não é necessário ter medo: eles, em tese, estão do nosso lado e contra nossos inimigos. Por quê?
        A melhor resposta é a de Cinqué, na versão que Steven Spielberg filmou da história do navio "Amistad".
        No filme, Cinqué explica a John Quincy Adams (seu advogado) que ele chamará seus antepassados para que o ajudem na hora do processo no qual será decidido se ele ganhará sua liberdade de volta ou continuará escravo. Cinqué afirma com clareza e convicção que os antepassados não poderão deixar de vir para ajudá-lo, por uma razão simples: ele, Cinqué, é a única razão de eles terem existido.

        Janio de Freitas

        folha de são paulo
        Em meio ao tumulto
        Tentaram fazer uma morte em meio à movimentação popular. E isso não foi à toa e é muito grave
        Os momentos mais graves das violências que se seguiram às passeatas estão sob uma nebulosidade espessa. Ou assim se encobre o que a Polícia Civil e a PM já sabem a respeito, ou se encobre a falta de ação das duas polícias para saber, a respeito, o legalmente indispensável.
        Desde junho, todos os tumultos que se seguiram às passeatas incluíram ferros, pedras, paus e fogo, mas tiros só apareceram no dia 15 de outubro. Na Cinelândia carioca.
        Às 8h30 da noite, um rapaz teve os dois braços atingidos por dois ou pelo mesmo tiro, não chegou a perceber. Rodrigo Lacerda, estudante de 18 anos, estava com um amigo em um grupo que, no extremo do tumulto já bastante violento, apedrejava um ônibus da PM aparentemente vazio. Socorristas voluntários lhe deram o primeiro atendimento e mais tarde foi levado para uma clínica particular, onde passou pela primeira cirurgia. Já precisou de outras duas.
        Não foi identificado pelo rapaz, nem pelos circunstantes próximos, o lugar de origem dos tiros. Outros tiros deram oportunidade a um registro também posto sob a nebulosidade. Em suas imagens do tumulto, a Globo e a GloboNews exibiram a ação de dois homens que se revezavam no disparo de pistolas, e recuavam, escondendo-se, depois do tiro. Estavam junto às paredes de uma esquina.
        As imagens foram exibidas quase como um flash, com locução apenas descritiva do já evidente. Nenhuma referência à localização, conhecida, é claro, por quem testemunhou e gravou os atiradores.
        A entrada de Rodrigo na clínica foi seguida, com poucas horas de intervalo, de três levas de PMs, ao menos duas delas de oficiais do chamado serviço reservado. Não seria por acaso. Como não foi outra presença policial, na manhã seguinte: a do delegado Orlando Zaccone, da 15ª DP, na Gávea. Ou seja, não o delegado da área onde se deu o crime, como seria normal, mas o da região da clínica onde Rodrigo estava.
        É típico do jornalismo brasileiro o desacompanhamento de fatos que ainda se desenrolam, ou mal começaram. Seja por tal tipicidade antijornalística ou por outra influência, os tiros na Cinelândia e o ocorrido a Rodrigo Lacerda ficaram só na notícia inicial, dada mínima e precariamente. A cena dos atiradores não suscitou outra exibição, com os merecidos questionamentos. O delegado Orlando Zaccone, que antes fizera o desmentido da morte do pobre Amarildo por bandidos, foi transferido há pouco da prestigiosa Gávea para o distante subúrbio de Ricardo de Albuquerque, sem dar sequer sinal público de alguma providência sobre o caso que o levou a procurar Rodrigo.
        Um incidente banal na Cinelândia, portanto. Mas tiros que acertam braços são tiros dirigidos ao tronco. Tentativa de homicídio. Mais um qualquer, outra bala a esmo?
        Tentaram fazer uma morte em meio à movimentação popular. E isso não foi à toa e é muito grave. Não é incidente para se perder no silêncio e no esquecimento.
        O CORREÇÃO
        Textos assinados só podem ser alterados pelo autor ou com sua autorização. É o que diz o jornalismo, pela simples razão prática de que sobre o autor, e não sobre outro que o altere, recaem os efeitos entre o ridículo e o ilegal.
        Em nota na edição de terça passada, sobre correções das correções na polêmica das biografias, escrevi "a" Última Hora, "a" UH e "à" UH. Foram publicados "o" Última Hora, "o" UH e "ao" UH. Ah, é por ser "o" jornal Última Hora? Em dezenas de anos noFolha, só vi chamarem o Folha, dito ou escrito, pelo vexaminoso "a" Folha.
        Está feita a correção da correção da correção.

        Justiça obriga Alckmin a refazer ação contra cartel

        folha de são paulo
        Juíza aponta falhas em processo aberto contra empresa que revelou conluio em licitações de trens em São Paulo
        Governador terá que reapresentar pedido de indenização incluindo empresas postas sob suspeita pela Siemens
        MARIO CESAR CARVALHOJOSÉ ERNESTO CREDENDIODE SÃO PAULOSe quiser receber alguma indenização das empresas acusadas que formar um cartel para fraudar licitações do Metrô e da CPTM, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) terá que refazer a ação proposta em agosto contra a multinacional alemã Siemens.
        Em decisão tomada na terça-feira, a juíza Celina Kiyomi Toyoshima, da 4ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, mandou o governo refazer a ação, incluindo outras empresas acusadas de conluio.
        O pedido original do governo só citava a Siemens e foi tratado como piada nos meios jurídicos. Advogados diziam que a Procuradoria-Geral do Estado criara com a ação uma anomalia semelhante à quadrilha de um homem só: era o cartel de uma empresa só.
        Cartel é a ação de um grupo de empresas para combinar o resultado --e os valores-- de uma concorrência.
        "As sociedades que integram o cartel ou consórcios empresariais e que agiram em diversas licitações levadas a cabo pela CPTM e Metrô deverão integrar o polo passivo", escreveu a juíza em sua decisão. "A integração de todas é indispensável, sob pena de se dar brecha a decisões conflitantes, caso haja propositura de futuras ações."
        Folha revelou em julho que a Siemens fizera um acordo com o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), órgão federal encarregado da defesa da concorrência, no qual a empresa confessava integrar um cartel, junto com 19 empresas.
        O conluio, segundo a Siemens, ocorreu em licitações realizadas em São Paulo e no Distrito Federal entre 1998 e 2008, época em que São Paulo foi governado pelo PSDB.
        A decisão manda o governo corrigir várias falhas apontadas na ação inicial. Ela não apontou os valores dos contratos sob suspeita, por exemplo, e sem isso é impossível calcular o eventual sobrepreço e a indenização devida.
        A juíza também determina que o governo atribua valor mais realista à causa. Originalmente, ele dera à ação o valor de R$ 50 mil, quase nada se comparado aos bilhões de reais dos contratos que estão sob investigação no Cade.
        A juíza diz ainda que o governo talvez tenha sido precipitado: "A falta de prova do envolvimento de cada um no suposto esquema de fraude-licitação sugere que tenha sido a ação prematuramente ajuizada, como bem sustentou o Ministério Público".
        O Ministério Público pediu que a Justiça rejeitasse a ação por inépcia. Segundo a Promotoria, não faz sentido pedir indenização à Siemens sem antes investigar as responsabilidades de cada empresa participante do cartel.
        Em nota, a Procuradoria Geral do Estado disse que vai cumprir a decisão da Justiça, mas defendeu a ação. A Procuradoria argumenta que somente a Siemens é ré confessa no caso até agora, e afirma que outras medidas judiciais "serão propostas conforme a produção de provas" nas investigações sobre o cartel.

          quarta-feira, 6 de novembro de 2013

          Comum, assédio sexual no trabalho é pouco denunciado no Brasil

          folha de são paulo
          DA DEUTSCHE WELLE
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          "Na hora eu fiquei muito mal. Eu não consegui reagir de forma alguma, porque você se sente tão humilhada, tão 'lixo humano', que você não tem confiança para responder. A única coisa que eu fiz foi ir ao banheiro. Eu me tranquei lá e vomitei. Fiquei uns dez minutos lá dentro, pensando no que eu ia fazer e rezando para que ele já tivesse ido embora quando eu voltasse para a sala."
          É assim que Maria (nome fictício), 20, descreve a sua reação ao ser vítima de assédio sexual no trabalho. Ela era estagiária havia quatro meses. O colega, mais velho, já trabalhava há mais tempo na empresa.
          Maria diz que o assédio começou quase despercebido. Segundo ela, o colega simulava uma intimidade que não existia. Com o passar do tempo, conta, esses pequenos gestos viraram declarações constrangedoras e de cunho sexual. Foi quando Maria procurou deixar claro que não gostava do que estava acontecendo. "Não quis arrumar confusão porque ele era amigo do dono [da empresa]. Não o enfrentei, mas ele percebeu que eu não gostei. Eu achei que ele iria parar."
          Mas ele não parou, diz. "Ele se aproximou da minha mesa, como quem quer olhar alguma coisa no monitor do computador. Abaixou-se, tirou os cabelos do meu ombro e disse: 'Eu estou morrendo de tesão por você e ainda vou te montar, você vai ver'." Maria prestou queixa da agressão -e o caso dela virou uma exceção à regra.
          VERGONHA E MEDO
          Não existem estatísticas de quantas mulheres são vítimas de assédio sexual, mas especialistas acreditam que o número de casos é bem superior aos que se tornam públicos. Vergonha, medo de serem culpadas pela agressão, dificuldade de conseguir provas e até mesmo falta de informação são as causas desse silêncio.
          "Muitas vezes a mulher não sabe que pode se posicionar e denunciar. Ela se sente vítima, mas tem vergonha e acha que, se fizer uma denúncia, vai ser acusada de ter favorecido a situação", afirma Erika Paula de Campos, integrante da Comissão de Estudos à Violência de Gênero da Ordem dos Advogados do Brasil no Paraná (OAB-PR).
          Soa absurdo, mas muitas vezes a vítima é tratada como culpada. Quando decidiu denunciar, Maria foi acusada, através de comentários postados na internet, de ter provocado a situação ou de querer tirar vantagem do ocorrido. "O assédio em si já foi muito difícil, mas, além dele, todo dia tinha essa carga emocional muito grande", conta Maria, falando dos comentários anônimos.
          DIVERSAS FORMAS DE ASSÉDIO
          Pela definição do Ministério do Trabalho e do Emprego, assédio sexual é o constrangimento de colegas de trabalho através de cantadas e insinuações de teor sexual. Essas atitudes podem ser claras ou sutis, como piadinhas, fotos pornográficas, brincadeiras e comentários constrangedores. Podem também se manifestar através de coação, quando há promessas de promoção ou chantagem. Essa violência não atinge somente mulheres, mas também homens.
          Como no caso denunciado por Maria, o assédio costuma ser uma situação que se repete, provocando desconforto na vítima. "Raramente haverá uma situação de assédio isolada. Assédio é essa conduta repetida que é repelida, de ordem sexual, e que torna a situação no ambiente de trabalho insuportável", diz Campos, que também é professora de Direito na PUC-PR.
          A orientação para as vítimas é procurar a direção da empresa, o sindicato e também um advogado, além de registrar a ocorrência na delegacia da mulher e na Superintendência Regional do Trabalho e Emprego.
          "Em se tratando de uma empresa grande, cabe procurar o setor responsável ou a direção a fim de que a empresa tome as medidas cabíveis para proteger a vítima. A outra opção é procurar a delegacia da mulher e registrar a ocorrência", reforça a professora de direito Vanessa Chiari Gonçalves, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
          Mas, para Maria, justamente o registro na delegacia da mulher mostrou ser uma das etapas mais difíceis. A falta de preparo dos funcionários e também as informações exigidas para registrar a ocorrência criaram uma situação constrangedora. Cabe à vítima informar, por exemplo, os dados pessoais do agressor, incluindo a data de nascimento e o número da carteira de identidade. "No primeiro registro eu não sabia esses dados e eles colocaram o agressor como não identificado. Eu mesma tive que ir atrás disso."
          Além de ser obrigada a reunir informações sobre o agressor, Maria, assim como todas as mulheres que denunciam assédio, também precisa apresentar provas da acusação. Elas nem sempre existem, já que o assédio sexual pode ser cometido de forma verbal e sem testemunhas. Diante de todas essas dificuldades, muitas vítimas desistem da denúncia.
          Segundo o procurador do trabalho Flávio Henrique Freitas Evangelista Gondim, a Justiça está ciente de que, em alguns casos, o assédio não deixa rastros, e tende a ser mais flexível na hora de exigir provas. "Sabendo disso, a Justiça tende a flexibilizar um pouco o ônus da prova, e em alguns casos admite que a prática seja comprovada através de indícios."
          Gondim, que também é vice-coordenador nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho do Ministério Público do Trabalho, cita como exemplo de indício o registro de ligações telefônicas feitas em horários inapropriados ou com muita frequência.
          Apesar de todas as dificuldades, a denúncia, aliada a campanhas de prevenção e educação dentro das empresas, ainda é a melhor maneira de combater esse crime. Segundo os especialistas, uma mudança na legislação não traria grandes efeitos.
          Para Campos, as empresas precisam adotar medidas educativas e deixar claro que não admitem essa prática. Além disso, é importante criar um canal para que as vítimas possam encaminhar denúncias. "Ocorrendo o assédio, o empregador deve se posicionar e proteger a vítima, dando apoio psicológico, médico, se for necessário, e jurídico, além de punir esse empregado, para que isso tenha um caráter pedagógico dentro da empresa."
          Gonçalves também diz que a melhor maneira para reduzir essa violência é a conscientização sobre os limites no local de trabalho e o incentivo para que as vítimas façam a denúncia. "A ampliação do debate em torno desse tema é de fundamental importância", afirma.
          Maria deixou o estágio que tanto quis, mas diz que fazer a denúncia foi a melhor decisão. "Pessoas me disseram para não dar bola, que assédio acontece em várias empresas, todos os dias, e que não seria a primeira nem a última vez que eu seria assediada. Mas eu não queria, eu disse para mim mesma: é a última vez que eu vou ser assediada, eu não vou deixar que as pessoas façam isso comigo e essa foi a minha decisão."