Em meio ao tumulto
Tentaram fazer uma morte em meio à movimentação popular. E isso não foi à toa e é muito grave
Os momentos mais graves das violências que se seguiram às passeatas estão sob uma nebulosidade espessa. Ou assim se encobre o que a Polícia Civil e a PM já sabem a respeito, ou se encobre a falta de ação das duas polícias para saber, a respeito, o legalmente indispensável.
Desde junho, todos os tumultos que se seguiram às passeatas incluíram ferros, pedras, paus e fogo, mas tiros só apareceram no dia 15 de outubro. Na Cinelândia carioca.
Às 8h30 da noite, um rapaz teve os dois braços atingidos por dois ou pelo mesmo tiro, não chegou a perceber. Rodrigo Lacerda, estudante de 18 anos, estava com um amigo em um grupo que, no extremo do tumulto já bastante violento, apedrejava um ônibus da PM aparentemente vazio. Socorristas voluntários lhe deram o primeiro atendimento e mais tarde foi levado para uma clínica particular, onde passou pela primeira cirurgia. Já precisou de outras duas.
Não foi identificado pelo rapaz, nem pelos circunstantes próximos, o lugar de origem dos tiros. Outros tiros deram oportunidade a um registro também posto sob a nebulosidade. Em suas imagens do tumulto, a Globo e a GloboNews exibiram a ação de dois homens que se revezavam no disparo de pistolas, e recuavam, escondendo-se, depois do tiro. Estavam junto às paredes de uma esquina.
As imagens foram exibidas quase como um flash, com locução apenas descritiva do já evidente. Nenhuma referência à localização, conhecida, é claro, por quem testemunhou e gravou os atiradores.
A entrada de Rodrigo na clínica foi seguida, com poucas horas de intervalo, de três levas de PMs, ao menos duas delas de oficiais do chamado serviço reservado. Não seria por acaso. Como não foi outra presença policial, na manhã seguinte: a do delegado Orlando Zaccone, da 15ª DP, na Gávea. Ou seja, não o delegado da área onde se deu o crime, como seria normal, mas o da região da clínica onde Rodrigo estava.
É típico do jornalismo brasileiro o desacompanhamento de fatos que ainda se desenrolam, ou mal começaram. Seja por tal tipicidade antijornalística ou por outra influência, os tiros na Cinelândia e o ocorrido a Rodrigo Lacerda ficaram só na notícia inicial, dada mínima e precariamente. A cena dos atiradores não suscitou outra exibição, com os merecidos questionamentos. O delegado Orlando Zaccone, que antes fizera o desmentido da morte do pobre Amarildo por bandidos, foi transferido há pouco da prestigiosa Gávea para o distante subúrbio de Ricardo de Albuquerque, sem dar sequer sinal público de alguma providência sobre o caso que o levou a procurar Rodrigo.
Um incidente banal na Cinelândia, portanto. Mas tiros que acertam braços são tiros dirigidos ao tronco. Tentativa de homicídio. Mais um qualquer, outra bala a esmo?
Tentaram fazer uma morte em meio à movimentação popular. E isso não foi à toa e é muito grave. Não é incidente para se perder no silêncio e no esquecimento.
O CORREÇÃO
Textos assinados só podem ser alterados pelo autor ou com sua autorização. É o que diz o jornalismo, pela simples razão prática de que sobre o autor, e não sobre outro que o altere, recaem os efeitos entre o ridículo e o ilegal.
Em nota na edição de terça passada, sobre correções das correções na polêmica das biografias, escrevi "a" Última Hora, "a" UH e "à" UH. Foram publicados "o" Última Hora, "o" UH e "ao" UH. Ah, é por ser "o" jornal Última Hora? Em dezenas de anos noFolha, só vi chamarem o Folha, dito ou escrito, pelo vexaminoso "a" Folha.
Está feita a correção da correção da correção.
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