sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Diário da Dilma

REVISTA PIAUÍ 

Diário da Dilma - Periquito que acompanha morcego acorda de ponta-cabeça




 1º DE OUTUBRO_João Santana baixou aqui no gabinete. Disse que eu devia trabalhar meus aspectos mais joviais para me aproximar do eleitorado com menos de 30. Já ia retrucando com um “chuchu beleza” quando ele desapareceu atrás dos drapejados da cortina. Esse homem parece o Mestre dos Magos.
 Fernando Bezerra também pediu demissão para se juntar ao Dudu Campos. Batuquei na mesa, “Aonde a vaca vai, o boi vai atrás”. Eu sou raiz.
  2 DE OUTUBRO_Para provar que não me esqueci de nenhum estado, visitei o Rio Grande do Norte. A governadora do DEM, de cujo nome não me recordo, levou uma vaia indecorosa. Inspirada pelo trailer do filme da Diana, representada por aquela mocinha Naomi qualquer coisa, decidi ser fina e saí em defesa da colega. Pra quê. Não adianta ser elegante em terra de grosso. Acho que o maior malfeito de que fui vítima foi a imigração intempestiva dos Rousseff. Se tivessem ficado na Bulgária, hoje eu teria um passaporte comunitário e poderia ser gerente da Eurodisney.
  
 3 DE OUTUBRO_Estou por aqui com o João Santana! Ratinho?! Eu sou padrão Globo de qualidade, ele não entende?! Como custa caro uma reeleição! E o pior: assisti a um pedacinho na tevê e a dúvida se instalou. Sentei mal ou ganhei barriga? Na dúvida, dieta.
  
 4 DE OUTUBRO_Como ter sossego com essa base aliada? Me explica as 2 toneladas de carne na casa do presidente do Senado. O pessoal do Porcão já me ligou. Querem saber se um dos três poderes tem planos de entrar no ramo do rodízio. Em caso positivo, reivindicam chuleta, lagarto e maminha a juros do BNDES.
 Projeto Dilminha Verão 2014: trinta polichinelos ao acordar, vinte abdominais três vezes durante a novela e tonificação do tríceps na cadeira do meu gabinete.
  
 5 DE OUTUBRO_Marina Silva, quem diria, é mais uma que bandeou para o Eduardo Campos. Esse homem é o Triângulo das Bermudas: atrai todo mundo e depois naufraga.
 Aposto que esse noivado será mais curto do que coice de porco.
  
 6 DE OUTUBRO_Domingueira de muito suor no spinning. Ainda estou com What a Feeling na cabeça. Ser jovem tem dessas coisas.
  
 7 DE OUTUBRO_Tiririca, corintiano e brasileiro brotam em qualquer lugar mesmo. Olha a encrenca que essa gaúcha do Greenpeace me arrumou lá na Rússia. O Putin é ninja, não tem jogo. Vamos ver o que o Marco Aurélio pode fazer. Comunistas se entendem. O rapaz que ficou no lugar do Patriota não sei se dá conta.
  
 8 DE OUTUBRO_Fui convidada a abrir a exposição da Eliana Kertész aqui no Planalto. As esculturas são todas de mulheres gordinhas. Resolvi me aceitar como sou.
 De que jeito a Marina chegou aos 20 milhões de votos dizendo coisas como “Prosperará a aliança fática de apoio a sua candidatura”? Com quem ela aprendeu a falar? Com Djavan? Gil? Os criptógrafos da NSA? Ou será que povo da floresta fala assim? Não espanta que tantas tribos ainda não foram contatadas pelo homem branco. A gente contata e, depois, não entende nada?
  
 9 DE OUTUBRO_Tem horas em que todo o sacrifício é recompensado: sancionei a lei que transfere licença de taxista aos herdeiros.
 Soltei para a imprensa que “estou na fase dos grandes beijos”. Em seguida, convoquei reunião com o ministro das Minas e Energia. Vamos ver, vamos ver.
  
 10 DE OUTUBRO_Lula apareceu sem avisar e ficou escondido atrás do sofá. Quando passei, jogou uma escultura da Kertész na minha direção: “Pensa rápido!” O homem anda mais desocupado que barbeiro de índio.
 Marina soltou o tal fático de novo. “Não há incoerência com um partido de direita que não tenha nenhuma realidade fática para esse encontro.” Lula acha que é bloqueio freudiano. O Id quer dizer fálico, mas o subconsciente cristão bloqueia.
  
 11 DE OUTUBRO_Dudu Campos não sabe o que fazer com a Marina. Periquito que acompanha morcego acorda de ponta-cabeça.
 
12 DE OUTUBRO_Dia das quiança. Cadê o zimbebezinho da vovó?Assô! Não vejo a hora de dar um ministério para esse pequerrucho. “Coisa bonita, coisa gostosa/ Quem foi que disse que tem que ser magra pra ser formosa?”, cantarolei enquanto preparava um brigadeiro de colher.
 Essa nem eu entendi: por que diabos fui dizer que sempre que você olha para uma criança há uma figura oculta atrás, que é um cachorro? O brigadeiro bateu mal.
  
 14 DE OUTUBRO_Por que o Djavan está tão preocupado? Quem quer saber da vida dele? A gente nem entende o que ele canta. Açaí, som de besouro, um ímã, branca é a tez da manhã... isso lá é letra? A Ideli é avoada assim desde os idos de 80, quando ouviu a canção pela primeira vez. Desde então passa o dia tentando decifrar e não se concentra no resto.
  
 15 DE OUTUBRO_Pobre é um saco sem fundo. Nada está bom. Entreguei um monte de casa e ficam reclamando que não tem água nem luz. Tive que dar uns gritos e mandar providenciar. Deus me livre, eu descuido um segundo e já fazem bobagem. Vou te falar, que governo incompetente.
  
 16 DE OUTUBRO_O que está acontecendo com Cris Kir? O Lula foi lá mas não me contou nada. Coitada, boa ela não está...
  
 17 DE OUTUBRO_Dei um “meu querido” no Aldo Rebelo. Desconfio de comunista desde meus tempos da VAR-Palmares. Então o Aldo ficou todo belo e faceiro no ministério, tocando o bumbo para si mesmo, e na hora H faz a gracinha de sair para se candidatar a governador? E eu mico sozinha com o vexame da Copa? Se nem o PMDB quer o ministério! Vá catar coquinho em Tirana, meu querido.
 
18 DE OUTUBRO_Como uma Demi Moore em Ghost, o Kamura esculpia meu topete quando, do nada, o João Santana se materializou à minha frente. “Concentre seus ataques em Marina Silva e relegue Aécio ao limbo da indiferença.” Antes que eu pudesse argumentar, o homem já havia sumido por trás de minha sapateira.
  
 19 DE OUTUBRO_Fiquei com a maior peninha dos beagles. Não se faz uma coisa dessas! Mandei a Erenice ver se sobrou algum para eu adotar. Faz companhia para mamãe e talvez me ajude a explicar essa história do cachorro por trás de todo ser humano. O fato é que não ouvi um só protesto da Marina. Se não é na Amazônia, ela nem se importa. Falsa! Duro vai ser convencer a empregada. Essa gente detesta cachorro. Diz que dá muito trabalho.
  
 20 DE OUTUBRO_Preciso persuadir essa Paula Lavigne a ser coordenadora da campanha do Eduardo Campos. Com ela, até o Estatuto da Criança e do Adolescente fica impopular.
  
 21 DE OUTUBRO_Meu são Hermes de Filipópolis, que colar horroroso a Marina Silva me vestiu. Parece lápis de índio pendurado no pescoço. Esta moda étnica é medonha. E aquela voz me dá uma gastura. A sonhática agora deu para falar de tripé econômico. Me poupe! Mandei ela estudar! Engorde e apareça!
  
 22 DE OUTUBRO_Batata! Bastava colocar o Lobão de corpo presente para que o leilão de Libra prosperasse. Esse homem exsuda sucesso, secreta garbo, destila carisma. É um animal sensual.
  
 23 DE OUTUBRO_Essa imprensa anda tão sem assunto! Não aguento mais ver a Daniela Mercury com a noiva. Uma boa matéria investigativa para contar o que aconteceu de verdade entre a Grazi e o Cauã, isso ninguém faz.
  
 24 DE OUTUBRO_Menina, deu certo. Esqueci do Aécio Neves. Tenho dormido bem melhor.
  
 25 DE OUTUBRO_Quando é que vai parar essa coisa de protesto todo dia? Ninguém trabalha? 

Haddad diz que escutas envolvendo Kassab devem ser apuradas com critério

folha de são paulo
O prefeito Fernando Haddad (PT) disse nesta sexta-feira (8) que é preciso apurar com 'critério' as escutas telefônicas obtidas pela Folha em que o auditor fiscal Ronilson Bezerra Rodrigues afirma que o 'secretário' e o 'prefeito' com quem trabalhou sabiam do esquema de fraudes na prefeitura.
Editoria de arte/Folhapress
Ronilson foi subsecretário da Receita Municipal na gestão Gilberto Kassab (PSD). O ex-prefeito nega as acusações.
Segundo o prefeito, essa pode ser mais uma tentativa do grupo em tumultuar a investigação. AFolha mostrou na edição de hoje que o auditor fiscal Ronilson Bezerra Rodrigues, preso sob acusação de liderar o grupo que cobrava propina para reduzir o ISS (Imposto sobre Serviços) de imóveis, diz num telefonema que o "secretário" e o "prefeito" com que trabalhou "tinham ciência de tudo", revela gravação da conversa obtida pela Folha.
Autorizada pela Justiça, a gravação foi feita em 18 de setembro deste ano, dia em que Rodrigues foi convocado pela Controladoria Geral do Município para explicar por que seu patrimônio era incompatível com seus rendimentos.
Rodrigues foi subsecretário da Receita Municipal, um apêndice da secretaria das Finanças, no governo de Gilberto Kassab (PSD).
Segundo investigação da controladoria e do Ministério Público, as fraudes lideradas por ele na administração anterior, entre 2010 e 2012, causaram prejuízo de cerca de R$ 500 milhões em impostos não recolhidos.
"Tinham que chamar o secretário e o prefeito também, você não acha? Chama o secretário e o prefeito com quem eu trabalhei. Eles tinham ciência de tudo", diz Rodrigues na conversa com Paula Sayuri Nagamati, amiga do fiscal e chefe de gabinete da secretaria de Finanças na gestão anterior.
OUÇA O ÁUDIO
Kassab classificou as informações de "falsas" e disse que "repudia as tentativas sórdidas de envolver o seu nome" em irregularidades.
Na gestão atual, de Fernando Haddad (PT), Rodrigues teve outro cargo: foi diretor financeiro da SPTrans, empresa municipal de transporte. Segundo a Controladoria, Rodrigues não tinha acesso ao sistema das Finanças e, por isso, não poderia ter dado prosseguimento às fraudes.
No dia da conversa gravada, além de Rodrigues, os outros três fiscais presos junto com ele também foram interrogados na Controladoria. São eles: Eduardo Horle Barcellos, Carlos Augusto di Lallo do Amaral e Luis Alexandre Cardoso de Magalhães.
Do grupo, só Magalhães foi solto após fazer um acordo de delação premiada --ele aceitou colaborar com as investigações em troca de uma possível redução de pena.
Com o esquema, o grupo conseguiu acumular um patrimônio estimado pela Controladoria em R$ 80 milhões.

Emissões brasileiras de CO2 em 2012 são as menores em 20 anos

folha de são paulo
Redução do desmate da Amazônia foi a principal causa da queda
GIULIANA MIRANDADE SÃO PAULOEm 2012, o Brasil emitiu a menor quantidade de gases-estufa em 20 anos: 1,48 bilhão de toneladas de CO2 equivalente. A redução do desmatamento na Amazônia foi a principal responsável pelo bom desempenho.
Entre 1990 e 2012, as emissões brasileiras cresceram 7% --bem abaixo da média mundial, que foi de 37%.
Os números são de uma iniciativa inédita para estimar a quantidade de gases-estufa emitida no Brasil. Lançado ontem, o Seeg (Sistema de Estimativa de Emissão de Gases de Efeito Estufa) é um esforço do Observatório do Clima, um coletivo de ONGs ambientais que se debruçou sobre os dados mais recentes a respeito do tema no país.
Até agora, as informações sobre as emissões nacionais nunca foram muito claras. O Brasil não faz parte do grupo de países que é obrigado a oferecer anualmente um inventário com esses números, e o governo tem fornecido esses dados sem uma periodicidade definida.
"Nesses inventários oficiais, havia uma defasagem grande entre a divulgação dos dados e o período a que eles se referem", afirma Tasso de Azevedo, coordenador do projeto.
A estimativa foi feita seguindo critérios científicos do IPCC (painel de mudanças climáticas da ONU), usando algoritmos e cálculos de cruzamento de informações oficiais e dados de acesso aberto. O conteúdo está disponível gratuitamente na internet.
"O inventário não quer substituir [os números oficiais], mas nos dá uma boa fotografia de como estamos atualmente", diz Carlos Rittl, coordenador do Seeg no Observatório do Clima.
ALERTA
Apesar de o Brasil responder por apenas 2,8% entre os 52 bilhões de toneladas das emissões de todo o mundo em 2012, os autores alertaram: a tendência é que as emissões voltem a subir.
Historicamente, o desmatamento tem sido o grande vilão nas emissões brasileiras, respondendo por mais de 60% do total. Com sua redução, no entanto, cresce a participação das outras fontes.
Segundo o relatório, outros setores têm tido "uma nítida tendência de aumento de emissões". A subida mais significativa foi no setor energético, que elevou suas emissões de gases de efeito estufa em 126% entre 1990 e 2012.
O Brasil ainda tem boa parte de sua matriz energética baseada em fontes renováveis, mas, segundo o relatório, essa "zona de conforto" está se reduzindo, conforme aumenta a participação de fontes "sujas" de geração de energia, como as usinas termelétricas.
Os processos industriais e a as emissões ligadas à questão de resíduos também tiveram altas significativas: 65% e 64%, respectivamente.

    Barbara Gancia

    folha de são paulo
    Ele foi o rei da pamonha --ups, errei!
    Rei do W.C. --ups, errei de novo!--, Alexander foi um Papai Noel fora de hora para paulistanos nesta semana
    O primeiro mandamento do "rei do camarote" é ser uma florzinha enrustida com sorriso de porcelanato da C&C.
    Não! Não! Não! Que zona é essa? Peço mil desculpas, tenho andado esquisita, há algo errado com meu segundo chacra, vamos começar tudo de novo.
    Alô, prefeito Haddad! Queria su­gerir que São Paulo entregasse uma comenda a um cidadão que nesta semana proporcionou alegrias à ci­dade como há muito não se via.
    Refiro-me, é evidente, ao singelo Alexander Augusto de Almeida, ocupação: não importa, denomina­do pela revista "Veja São Paulo" de "rei do camarote" e indivíduo que usa a mesma régua para medir longo prazo que a liderança do grupo Procure Saber.
    Alexander irrompeu a semana fa­zendo a felicidade da própria revis­ta que o perfilou. Acelerando sua Ferrari lá da zona leste em direção à fama, ele fez com que o site da pu­blicação, que andava meio na som­bra, ganhasse 2 milhões de acessos em apenas quatro dias.
    Ele capturou o coraçãozinho do paulistano sem fazer nenhum es­forço extra, além daquele de que já se empenha cotidianamente, que é garantir o pão de cada dia na mesa das profissionais a quem contrata, digo, seduz, com seu charme traba­lhado no plástico do cartão de cré­dito.
    Alô, prefeito Haddad? O Senhor continua me ouvindo? É que a liga­ção do meu celular da Cielo parece estar falhando. Deve ser o meu Visa que está dando pau. Melhorou?
    Então, para quem viu o vídeo, uma das trocentas paródias feitas a seu respeito ou leu a capa da tão co­mentada "Vejinha" do último do­mingo, o Alexander conseguiu um feito inacreditável.
    Ele fez com que cada um de nós, comuns mortais, nos sentíssemos lindos, gostosos, satisfeitos com o que temos e, sobretudo, super bem-comidos. O cara funcionou como um Papai Noel que chegou antecipado. O senhor não entende­ria nada sobre esse assunto, prefei­to Haddad, porque já nasceu boni­tão, mauricinho e abençoado e nunca precisou camelar para pegar ninguém. Mas posso lhe dar dois exemplos para esclarecer melhor o que estou tentando dizer.
    Conversei sobre o Alexander nes­ta semana com o rapaz que conser­ta meu computador, um garoto de 22 anos que não é exatamente um Cauã Reymond ou ganha salário de executivo. Ele disse o seguinte: "Ué? Eu vivo pegando mulher no banheiro da balada e só preciso pa­gar o preço da entrada".
    Em outra conversa, no percurso entre Interlagos e os Jardins no congestionamento monstro da úl­tima quarta, o motorista do táxi ra­ciocinou comigo: "Dos R$ 50 mil que o Alexander gasta numa noite, eu guardaria R$ 49 mil para trocar meu carro, daí fecharia minha rua, gastaria R$ 1 mil comprando muita cerveja e carne para churrasco, fa­ria uma festança que duraria um fim de semana inteiro e ainda apro­veitaria para pegar quatro vizinhas que eu acho que são a fim de dar pa­ra mim".
    Sentiu a parada, prefeito? Nosso Alexander merece uma medalha. Camarada ainda por cima é humil­de à beça. Consegue ir na Armani, Gucci e Burberry's do shopping e sair de lá vestido como se tivesse passado por um outlet de Kansas City. É um verdadeiro São Francis­co em matéria de despojamento. Quem de nós não gasta bem menos e se veste mil vezes melhor?
    Só falta agora o pessoal da Receita "instagramar" o momento do pente fino na declaração de renda dele, né, prefeito? Hashtag glamour.

    Paulo Rabello de Castro

    folha de são paulo
    Tripé, ou a morte pela peste
    Providência essencial: criar uma regra para o avanço do gasto público que, durante uma década, deverá operar com expansão abaixo do PIB
    Quando a peste chegou à Europa, em meados dos 1300, a regra adotada por famílias prudentes era se trancar dentro de casa, evitando contato com pessoas de fora.
    Embora essa regra de contato mínimo não fosse exatamente equivocada, a morte estava nos detalhes e passava pelos buracos das paredes: a doença vinha pelas pulgas, trazidas por ratos negros que perambulavam por cima dos mortos. Cruel ignorância. A humanidade foi quase dizimada antes de entender como a doença de fato se transmitia.
    Esse tipo de aprendizado é o que estamos tentando fazer, sem muito sucesso, há mais de 30 anos.
    Outro tipo de peste, econômica, destroça nossa capacidade de crescer. Perdemos duas décadas, entre os 1980 e 1990, tentando entender por que o milagre havia acabado. Estancamos, com um crescimento na faixa de 2,5% por ano.
    Melhoramos quando adotamos o "tripé" em 1999. A fórmula dizia (1) faça saldo fiscal primário para cobrir boa parte dos juros da sua dívida, (2) crie metas de inflação, impondo juros punitivos até que os preços se acalmem e (3) pare de manietar a taxa de câmbio para os setores mais competitivos poderem florescer.
    Deu certo. Com a forte ajuda de Alan Greenspan e dos chineses, veio uma onda enorme que nos surfou até a praia da prosperidade aparente. O dono da prancha atendia pelo nome de Lula da Silva. Não percebemos, na euforia de pobre, que continuávamos mirrados, crescendo abaixo do potencial.
    A peste da estagnação parecia afastada, pois voltamos a crescer quase 4% em média. Alguns órgãos, como FMI, até anteviram que nosso potencial de crescimento havia se elevado. Erro parecido com o dos médicos durante a peste europeia.
    Outro "surto" de estagnação voltou e encabulou Dilma e sua equipe. O FMI também disse que não somos mais o país dos 4%. E daí?
    Os médicos da peste bubônica logo reapareceram, brandindo a regra do tripé. Candidatos ao Planalto também juram que a adotarão. Raras são as vozes, como a daFolha em editorial ("Além do tripé", 23/10), que deixam registrada sua desconfiança na poção mágica.
    Por que não funciona o tripé? O problema, mais uma vez, reside nos detalhes. O comando de se fazer superavit fiscal primário todos os anos só seria bom se a despesa pública não superasse continuamente o avanço do PIB, como hoje no Brasil. Uma economia com amplo gasto de governo e setor privado estancado tem sempre desequilíbrio de oferta, com mais propensão à inflação.
    Vem o segundo comando do tripé: tome bastante juro, cinco vezes ao dia, em doses cavalares, até a inflação "voltar ao centro da meta". O gasto público com juros ficará catastrófico, gerando esforço de mais superavit primário. E de mais carga tributária, claro.
    Enquanto isso, com câmbio flutuante e juros altos, jorram dólares para aproveitar o juro brasileiro, e o real se aprecia. Afunda a indústria. Financia os passeios para a Disney. E "la nave va". A regra do tripé passa a ser venenosa. O tripé não pode ser administrado por quem não sabe que os ratos entram pelas frestas.
    Providência essencial: criar uma regra para o avanço do gasto público que, durante uma década, deverá operar com expansão abaixo do PIB que o financia. O crescimento anual do gasto corrente não pode ultrapassar metade do avanço do PIB. Não será doloroso, pois o PIB avançará mais rápido do que hoje e, portanto, metade de mais pode vir a ser maior do que o dobro de menos.
    Este ano, temos o gasto público atropelando a 6% ao ano em termos reais, numa economia mirrada que não chega a 3%. Menor pressão de gastos quer dizer menos dívida, menos juros, mais eficiência, mais abertura externa, mais país para todos. Menos ratos, menos peste. Prosperidade real.
    Providência suplementar: arrume gatos. Leiamos o que diz o artigo 67 da Lei de Responsabilidade Fiscal. O legislador nos deixou aí a chave para o controle definitivo da peste. A chave do enigma está na nossa frente, nas mãos dos homens que, em Brasília, brincam de gato e rato.

    Maria Alice Setubal

    folha de são paulo
    À espera do Plano Nacional de Educação
    Para assegurar a educação para todos, é necessário garantir o aumento de recursos e também uma gestão eficiente e eficaz
    O Senado Federal deve votar nos próximos dias o novo Plano Nacional de Educação, a vigorar de 2011 a 2020, portanto, já com um atraso de três anos. Esse segundo plano é fruto de amplo debate público envolvendo mais de 3 milhões de pessoas em todo o Brasil.
    Essa ampla mobilização resultou em uma conscientização que reverberou nas manifestações de junho, nas quais milhares de pessoas reivindicaram uma educação de qualidade para todos.
    Nesse contexto, destaco a importância do plano como norteador de diretrizes e ações das diferentes modalidades de ensino e, principalmente, como instrumento legal que possibilitará o acompanhamento e avaliação da sociedade brasileira do cumprimento de suas metas.
    Tendo participado de uma audiência pública no Congresso sobre a matéria, constatei a complexidade das questões que ainda estão em aberto para a votação. Retomo alguns pontos que defendi na ocasião.
    Mesmo com alguns pontos divergentes, o segundo PNE avança em várias frentes, como a determinação de um aumento progressivo de recursos (chegando a 10% do PIB) para o financiamento da educação e as fontes desses recursos, por exemplo, os royalties da exploração do pré-sal.
    A implementação das 20 metas e respectivas estratégias exige aumento de recursos e, ao mesmo tempo, uma gestão eficiente e eficaz. Portanto, é falso o dilema entre recursos ou gestão. Em nosso contexto de desigualdade social, não podemos optar entre mais recursos ou aprimorar a gestão dos existentes. Para assegurar a educação para todos, é necessário agir nas duas frentes.
    Garantir a equidade é o ponto distintivo do debate. O enfrentamento das desigualdades educacionais --especialmente entre as regiões Norte e Nordeste em relação às demais, entre as zonas rural e urbana nos municípios mais pobres e entre as regiões centrais e periféricas das grandes cidades-- demanda mais recursos e melhor gestão.
    Nesse sentido, o CAQi (custo aluno-qualidade inicial) constitui-se um instrumento fundamental que define o investimento mínimo na educação para o enfrentamento dessas desigualdades. Ao repassar verbas para os Estados e municípios que não alcançarem o valor do CAQi, a União cumpriria sua função redistributiva e complementar visando a equidade na educação.
    É justamente nesse ponto que, ao retirar o prazo para a implementação do indicador, as comissões do Senado adiam a oferta de uma educação de qualidade a todos.
    Outro ponto que deve retornar ao texto do PNE é a indicação de metas intermediárias, como alcançar 7% do PIB destinado à educação em cinco anos, ou definir expectativas de aprendizagem em cada nível. Elas facilitam a gestão e o acompanhamento gradual dos resultados, em vez de deixar para o fim da década o alcance dos objetivos estipulados.
    Sem obrigatoriedade do poder público e acompanhamento da sociedade, corre-se o risco de, ao final de dez anos, não termos cumprido a maioria das metas e realocarmos as mesmas no plano decenal seguinte, comprometendo o futuro de uma geração e, em última instância, da própria nação.

    Marina Silva

    folha de são paulo
    Além de Nova York
    As conexões e movimentos no mundo globalizado são visíveis, mas não evidentes. É preciso ver abaixo da superfície o que não é mostrado nas pesquisas de opinião ou nas oscilações do mercado financeiro. Os fenômenos que surpreendem na política são anunciados com antecedência nas entrelinhas das notícias.
    A vitória do candidato democrata à Prefeitura de Nova York surpreende em vários aspectos: o perfil de ultraliberal com passado esquerdista, as propostas de justiça social caracterizadas como "populistas" ao melhor estilo latino-americano, o domínio dos republicanos nos últimos 20 anos, tudo isso, há pouco tempo, seria obstáculo para uma vitória tão folgada, com 70% dos votos.
    O que querem dizer os nova-iorquinos? As maiorias ocultas, de etnias e línguas variadas, resolveram exercer na política um poder que só mostravam --e com dificuldade-- na cultura?
    Quando o movimento Occupy Wall Street mostrou-se resistente a ponto de espalhar-se como estratégia pelo mundo inteiro, o iceberg de uma grande mudança revelou sua pontinha. Os jovens ativistas autorais são as novas antenas da raça humana. Muitas vezes sua importância passa despercebida, como também ficam invisíveis os 21% da população que vivem abaixo da linha de pobreza na capital financeira do mundo. Tanta contradição e potencialidade não fica contida para sempre.
    Vimos o povo nas ruas no Egito, na Espanha, no Chile. Muitos diziam: isso não acontece no Brasil, aqui esses movimentos ficam restritos a desabafos na internet. Mas aconteceu, transbordou do virtual para o presencial em manifestações cujos efeitos estão longe de se esgotar. E, agora, quem pode dizer que tais movimentos não influenciarão a política, os Parlamentos e os governos?
    Não se trata de anunciar a chegada ao poder e a hegemonia de uma nova geração. Trata-se, como tenho arriscado a dizer, de reconhecer o surgimento de um novo sujeito político e de mudanças no ambiente social e cultural em que a política acontece. O imprevisível ronda o palco dos acontecimentos.
    Um desejo forte começa a expressar-se claramente. Milhões de pessoas escolhem qualidade de vida, e não consumo irrefletido; serviços públicos de qualidade, e não grandes obras inúteis; conservação do ambiente e valorização da vida, e não especulação e devastação. Os povos querem desenvolvimento econômico e social, que é muito além do "crescimento".
    Ninguém mais alimenta ilusões em partidos salvadores da pátria, democratas ou republicanos, mas até neles podem ocorrer realinhamentos, novos espaços de ação e novos significados para a política. Portanto, boa sorte aos nova-iorquinos. A esperança está em toda parte.