domingo, 17 de novembro de 2013

José Simão

folha de são paulo
Ueba! Vou catar piolho na praia!
Proclamaram a República, mas no Brasil tudo é rei: Rei Roberto Carlos, Rei Pelé, Rei do Camarote
Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! E aí um amigo ligou para uma clínica de impotência sexual e a telefonista: "Alô, quem FALHA?!. "Eu!". Rarará!
E o Feriadão da Espada! Proclamação da República! Deodoro da Fonseca levantou a espada! Dom Pedro 1º levantou a espada! No Brasil, tudo se resolve levantando a espada! E proclamaram a República, mas no Brasil tudo é rei: Rei Roberto Carlos, Rei Pelé, Rei do Gado, Rei do Camarote, Rei do Bacalhau, Rainha do Bumbum, Rainha dos Baixinhos! E em São Paulo tem uma padaria famosa chamada Rainha da Traição!
Esse não levou uma vida de rei, levou um corno de rei! Rarará!
E sabe porque proclamaram a República? Pra gente votar no Collor, no Romário, no Tiririca, no Maluf e na Mulher Pera! Rarará.
E avisa pro FHC que já proclamaram a República! Ele tá sempre com aquela cara de rei no exílio. E o Lu la parece o Reizinho da história em quadrinhos!
E o Eike? O Eikex Fudidex! O Império X se amplia! Eike virou o Rei do XIS Salada. Abriu um trailer na Barra que só vende xis salada! Ele é o nosso X-Men!
E o nome do novo filme do Thor? "Thor, o Mundo Sombrio". Já sei, sombrio porque ele vai andar de busão, de "cata-lôco". Em Osasco, chamam ônibus de "cata-lôco". E no Recife, de cata-corno! Rarará.
E como disse um amigo: ""O Eike perdeu 92% da fortuna e continua milionário, se eu perdesse 8% da minha, sobram R$ 19".
E essa: "Condenados do mensalão querem evitar algemas". Concordo. Algema só de sex shop. Acolchoada. De oncinha! De pelúcia! Prisão fetiche! E o presídio Papuda vai mudar de nome pra Hospedaria do Zé Dirceu! Rarará!
E o Piaui Herald sugere novos nomes para os presídios: Centro Recreativo Delúbio Soares, Mosteiro José Sarney, Casa da Mãe Joana e Recanto do Jacinto Lamas! Rarará!
É mole? É mole mas sobe!
E em São Paulo deu uma lulite aguda: o Kassab não sabia, o Haddad não sabia, o Alckmin não sabia e o Serra não sabia. Esse Pina deve ser o homem mais rico de SP. Tudo vai pro Pina! É tanta corrupção que São Paulo vai mudar de nome pra CorrupÇão Paulo! São Paulo com cê-cedilha! Rarará! Nóis sofre mas nóis goza!
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Antonio Prata

folha de são paulo
Separações
Agora ele chega na sala, senta ao lado dela, no sofá, olha pra parede e diz que precisam conversar
Ele era engenheiro, gostava de filmes de ação e corria na esteira três vezes por semana. Encarava o sexo como uma necessidade fisiológica, uma exigência corporal que surgia mais intensa quanto mais descansado estivesse: ao acordar. À noite, exausto, só queria tomar uma cerveja e dormir.
Ela era pintora, detestava "filme de carro explodindo" e praticava hatha yoga. O sexo, para ela, era "cosa mentale": o desejo ia crescendo durante o dia, a fantasia se desenhando nas cochias do pensamento e só ao se deitar na cama, antes de dormir, começava o espetáculo.
Quando se conheceram, não atinaram para o problema de fuso horário --no jet lag da paixão, toda hora era hora--, mas, assim que o fogo abaixou e o sexo teve de encontrar seu escaninho no armário da rotina, as diferenças apareceram.
Separaram-se faz um mês. Ironicamente, ele sente mais falta dela à noite, enquanto toma sua cerveja e espera o sono; ela sofre mais ao acordar, só, de manhãzinha.
Da primeira vez que ela foi à casa dele, viu na cama desarrumada, nos vinis espalhados pelo chão e na geladeira vazia --meia garrafa de vinho e três sachês de ketchup (vencidos)-- uma postura rock'n'roll, um desprendimento libertador, uma superioridade quase beática.
Da primeira vez que ele foi à casa dela, viu nos tupperwares etiquetados, nas flores da jardineira e no mural do escritório sua possível salvação: sonhou com um futuro de refeições balanceadas, vinis em ordem alfabética e contas no débito automático.
Por seis meses, ela resistiu às toalhas molhadas na cama, aos discos espalhados pela casa e às caixas de pizza no sofá; "A única coisa que eu pedia era pra ele botar o telefone na base. Se você ama mesmo uma pessoa, é capaz de fazer esse mínimo esforço, não é?". Separaram-se faz uma semana. Ontem de madrugada, a caminho do banheiro, ela viu a luzinha verde da bateria, na base do sem fio, e caiu no choro.
Eles gostavam dos mesmos filmes, dos mesmos livros, das mesmas bandas, dos mesmos pratos nos mesmos restaurantes, riam das mesmas piadas, queriam conhecer os mesmos países e ter um filho chamado Frederico. Depois de cinco anos, contudo, se cansaram daquela mesmice. Ela disse que estava pensando em se separar, ele disse que vinha pensando o mesmo. Ontem, ao partir, ela o fez prometer que jamais teria um filho chamado Frederico. Ele prometeu --e pediu o mesmo.
Por dez anos, ele foi absolutamente fiel. Não transou, não beijou nem flertou com nenhuma outra mulher. Nos últimos meses, a retidão começou a pesar em seus ombros. Anda por aí olhando bundas com a voracidade de um remador das galés, deu pra implicar com pequenos atrasos da esposa e pra discordar de seus comentários durante o jornal.
Já ela, nesses dez anos, não foi absolutamente fiel. Transou com um colega de trabalho e com um ex-namorado de adolescência, que encontrou por acaso em Salvador. Nada sério, só desejo: ela tem certeza absoluta de estar ao lado do homem que ama e jamais cogitou trocá-lo por alguém.
Agora, ele chega na sala, senta ao lado dela, olha pra parede e diz que precisam conversar.

    Monica Bergamo

    folha de são paulo

    Rodrigo Faro ganha R$ 1,5 milhão por mês e não descarta ter próprio canal de TV

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    Antes de enfrentar uma tarde inteira de gravação do programa semanal "O Melhor do Brasil", no teatro Record, Rodrigo Faro, 40, encara um prato de arroz, feijão, bife e farofa. "Não é porque a minha carreira deu certo que vou comer caviar. Aliás, nunca comi. Nem sei que gosto tem", diz o apresentador a Alberto Pereira Jr.

    Rodrigo Faro briga pelo ibope

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    Eduardo Knapp/Folhapress
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    Rodrigo Faro em seu camarim, na Rede Record, onde se recusou a ter mais um programa para não desgastar a imagem; seu salário mensal, sem contar a publicidade, é de R$ 1,5 milhão
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    "Gosto de café com leite e pão com manteiga", prossegue. A refeição é simples, mas a tarefa que tem pela frente, não. Desde junho, Faro entrou na disputa de audiência das tardes de domingo, em substituição a Gugu Liberato, que rescindiu contrato com o canal de Edir Macedo.
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    Faz cinco anos que Faro estreou na emissora. Deixou uma carreira de ator na Globo, onde atuou em nove novelas --atualmente, está no ar na reprise de "O Cravo e a Rosa" (2000).
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    Além de "O Melhor do Brasil", comandou quatro temporadas do "Ídolos" e uma edição do reality show "Fazenda de Verão". É um dos apresentadores mais bem pagos da TV brasileira. Fatura entre R$ 1,5 milhão e R$ 2 milhões mensais, entre salário e merchandising. "Sem contar a publicidade", informa.
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    Aos oito anos, "descoberto" por um agente quando comprava pão com a avó, Benedita, a dona Di, e o irmão, Danilo, fez o primeiro comercial. E outros 500 até os anos 1990. "Foi quando parei de contar." Fez parte da boy band Dominó e se lançou como cantor solo.
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    No segundo encontro com a reportagem, no restaurante Piselli, nos Jardins, Rodrigo Faro está radiante. A audiência de seu programa dominical se firmou. No domingo passado, ficou 21 minutos à frente do "Domingão do Faustão" (Globo).
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    "Sempre vou à casa do [apresentador] Fausto [Silva] comer pizza. É meu amigo pessoal e me dá conselhos. Fala, por exemplo, para não deixar que o programa fique muito longo, para exigir mais investimentos. É estranho disputar com ele." Eliana, sua concorrente do SBT pela vice-liderança, é outra amiga. "As pessoas nem imaginam isso, mas é verdade."
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    O progresso de sua atração dominical veio com mudanças, diz ele. "Fizemos pesquisas. Quem domina o controle remoto são as classes C e D, um público mais maduro, acima de 35 anos, mais feminino. Tivemos de envelhecer o programa. Trazer responsabilidade social, assistencialismo."
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    Reencontro de famílias, ajuda financeira e transformações tomaram o lugar dos quadros "Vai Dar Namoro" -de xaveco entre jovens- e "Dança Gatinho", em que Faro se fantasiava de outro artista. Já interpretou Michael Jackson, Beyoncé e Zeca Pagodinho, entre outros.
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    Quando imitou Chacrinha, recebeu carta do filho e da mulher do apresentador. Segundo diz, foi "eleito" por eles o sucessor do finado Velho Guerreiro. Roberto Carlos o surpreendeu com um elogio no camarim após um show. "Ele pegou no meu rosto e disse: 'Bicho, como você consegue, canta, dança, apresenta, atua'. Nem dormi direito."
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    Vai receber das mãos de um de seus ídolos, Silvio Santos, seu quarto Troféu Imprensa, como melhor apresentador de TV. Com 40 anos recém-completados, ele diz ter aprendido a falar não. Desistiu de um papel na novela "Pecado Mortal", da Record. Também recusou a proposta de acumular uma nova atração aos sábados.
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    "Queriam transformar o 'Vai Dar Namoro' num programa independente. Assim, resolveriam o problema de audiência que ficou quando deixei esse dia." Temeu ficar com a imagem desgastada com a superexposição. "A Record tem outros apresentadores. Não é a Rede Faro de Televisão [risos]."
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    Mas a Rede Faro, um dia, pode existir. "Por que não?", diz ele, sobre a possibilidade de, no futuro, ter um canal de televisão. "Um dia, quem sabe? É uma coisa legal de se pensar. Mas tendo alguém para administrar. A carreira de apresentador me toma muito tempo."
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    Disse sim para um projeto no cinema. Interpretará Dinho, vocalista do Mamonas Assassinas, na cinebiografia do grupo.
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    É contra, por sinal, a lei que exige autorização prévia para a publicação de biografias, defendida por artistas como Roberto e Caetano Veloso. "Se a pessoa se sentir ultrajada, ela procura seus direitos. Mas cercear a liberdade de um jornalista para escrever sobre o que quiser, sou contra." Formado em rádio e TV pela USP, diz acreditar que "esse lado acadêmico me dá embasamento para falar. Apresentador não pode ser um eterno em cima do muro."
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    O filme dos Mamonas será rodado no próximo ano. "Eu precisava ser três Rodrigos para dar conta de tudo: TV, campanhas publicitárias e minha família." Ele tem três filhas: Clara, 8, Maria, 5, e Helena, dez meses.
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    Para proteger sua família, conta com o serviço de "quatro ou cinco seguranças". Já foi assaltado uma vez, na avenida Pacaembu, na zona oeste da capital paulista. Teve um relógio roubado. "É complicado. Quem pode, anda com carro blindado. E quem não pode? Faz o quê?"
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    "Não adquiri hábitos da classe abastada. Minha condição social melhorou. Mas continuo com a mesma simplicidade", insiste.
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    É dono de uma casa em Alphaville, na Grande São Paulo, e de outra em Angra dos Reis, no Rio, onde tem um barco. "Foi minha estripulia financeira", diz sobre a lancha Armada de 44 pés, que custa cerca de R$ 1,8 milhão.
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    Comprou ainda um apartamento em Miami, nos EUA. "Parcelei em 30 vezes", afirma, rindo. Passou lá as férias de julho com a família.
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    Conheceu a mulher, Vera Viel, fazendo um comercial. Ela era a garota de biquíni vermelho. Ele, o rapaz de chinelo da mesma cor. Estão juntos há 16 anos, dez deles casados.
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    Afirma ter registrado seus empregados, atendendo às normas da PEC das domésticas. "Trato como pessoa da família." E distribui presentes. "Um caseiro ganhou um carro; o outro, uma moto."
    Mônica Bergamo
    Mônica Bergamo, jornalista, assina coluna diária publicada na página 2 da versão impressa de "Ilustrada". Traz informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999.

    Mauricio Stycer

    folha de são paulo
    Três instantâneos do domingo
    Sensacionalismo, engano, constrangimento, mau gosto e baixaria integram o cardápio das emissoras
    A noite de domingo é uma das faixas horárias de maior competição na TV aberta brasileira. Destaco três instantâneos da última semana (10), que dão uma ideia a respeito das armas --sensacionalismo, engano, constrangimento, mau gosto e baixaria-- utilizadas para a conquista do público.
    Na Record, o "Domingo Espetacular" (10 pontos no Ibope; cada ponto equivale a 62 mil domicílios na Grande São Paulo) explorou o caso do "rei do camarote", o tal Alexander de Almeida, que apareceu na "Veja São Paulo" contando que gasta até R$ 50 mil numa noitada. Com quatro repórteres (um em Portugal), ao longo de 25 minutos, o programa se propôs a mostrar "o que é verdade e o que é farsa nesta história".
    A certa altura, em tom grave, a reportagem destacou que um site, chamado N.E.D., havia publicado um texto intitulado "Fim da farsa", no qual garantia que Alexander seria, na verdade, "um estudante de direito de 26 anos que mora com os pais".
    Uma visita ao N.E.D., mantido por advogados e estudantes de direito, mostra que muitos textos, como o citado pela Record, são publicados sob a rubrica "embuste", dedicada a "notícias que até poderiam ser verdadeiras, mas não são". O espectador, porém, não foi avisado disso.
    Na Band, o "Pânico" (5 pontos no Ibope), entre os muitos assuntos que tratou, dedicou 11 minutos para a polêmica das biografias. No aeroporto de Congonhas, em São Paulo, o repórter Rodrigo Vesgo tentou entrevistar Caetano Veloso e Gilberto Gil.
    Abordados em momentos diferentes, ambos deixaram claro de imediato que não queriam falar. Vesgo insistiu com Caetano, enquanto ele andava pelo aeroporto, por 90 segundos. "Eu falo sobre o assunto nas minhas colunas no jornal. Não quero ficar falando pra criar confusão", disse o músico. "Não quis falar, se esquivou, não respondeu nenhuma pergunta", concluiu Vesgo.
    Com Gil, apresentado como "Rei do Acarajé", o assédio foi mais longo. Por cinco intermináveis minutos, Vesgo perseguiu o músico pelo aeroporto, sem arrancar uma única palavra dele. Alguns trechos do que o repórter disse: "Tá censurando as próprias respostas, Gil? Se você ficar calado, vai ser pior, Gil. Se você quiser continuar calado, é ruim. Você não é uma pessoa pública? Infelizmente, Gil, muito obrigado por sua entrevista maravilhosa. Tá igual os livros que você quer proibir".
    Já o "Fantástico" (17 pontos no Ibope) fez alarde sobre a entrevista com a mulher que filmou o cantor Justin Bieber em uma cama, dormindo, durante a sua visita ao Brasil.
    A conversa com Tati Neves durou cerca de dois minutos, em uma reportagem de sete. "Das tantas mulheres que passaram pela mansão alugada, uma ganhou 15 segundos de fama com um vídeo", diz a repórter, ampliando e dando relevância a esse tempo de fama.
    Um trechinho do diálogo: "E agora a pergunta que milhões de fãs querem saber: o que você estava fazendo lá dentro?". Tati: "Eu dormi lá e acordei. Ele estava dormindo e eu falando com uma amiga". Fantástico: "Você tinha dormido com o Justin Bieber?". Tati: "Sim". Fantástico: "Rolou ou não rolou?". Tati: "Se ele disse que não, eu vou afirmar que não". Fantástico: "Nem um beijinho? Beijou o Justin Bieber?". Tati:" O que você acha, se eu estava dormindo com ele no quarto, só eu e ele?".
    Para quem ficou diante da TV, um domingo interminável.

      Ferreira Gullar

      folha de são paulo
      Amor e morte em Buenos Aires
      Liguei no dia seguinte e ela me falou com aquela voz estranha: 'A polícia bateu nele até matá-lo'
      Meu primeiro relacionamento mais próximo com Vinicius de Moraes foi durante um show que ele fez no Teatro Opinião, do qual eu fazia parte. Se não me engano, era um show com os jovens baianos, que mal surgiam e aos quais ele queria dar força. Antes ou depois do show, íamos para um boteco ali perto jogar conversa fora. Vinicius nunca falava nada sério, fazia piadas ou contava histórias picantes e divertidas.
      Nosso convívio maior foi, 20 anos depois, em Buenos Aires. Todo mundo conhece a história da gravação do "Poema Sujo", que ele trouxe para o Brasil e o difundiu como pôde. Poeta fazer isso por outro poeta é coisa rara, mas Vinicius era assim mesmo, generoso e afetuoso.
      Mais ainda com as mulheres, claro. Nesse particular, ele tinha um modo muito próprio de se conduzir. A impressão que tenho é de que ele, quando surgia um novo amor, não pensava em nada, entrava de cabeça, sem ligar para as consequências prováveis. Nem no que dissesse respeito a ele nem à namorada que ia trocar pela nova.
      Foi mais ou menos o que aconteceu em Buenos Aires, quando se enamorou de uma moça argentina uns 40 anos mais jovem que ele. E ainda teve o desplante de ir à casa dela para pedir aos pais permissão de namorá-la. É difícil imaginar que conversa foi aquela, mas a verdade é que o namoro continuou e, sem muita demora, a moça seguia com ele para o Rio de Janeiro.
      Sucede que ele tinha uma namorada em Salvador --uma linda mulata-- que, ao saber do novo caso do poetinha, foi para o Rio, entrou na casa dele e fez um "serviço" na cama onde o poeta dormia, para fazer mixar o tesão pela argentina.
      Se deu resultado, não sei. O certo é que, um ano depois, quando voltei para o Brasil, a argentina já tinha dançado, substituída por outra musa, ainda mais jovem.
      Outro fato marcante dessa passagem de Vinicius por Buenos Aires foi o desaparecimento de Tenório Júnior, pianista de seu show. Ele dissera, no quarto do hotel, à namoradinha que viajava com ele, que ia à farmácia comprar um remédio. De fato, ia encontrar um cara que ficara de lhe vender cocaína. Saiu do hotel e não voltou mais.
      Quando cheguei ao quarto de Vinicius, no hotel, estava todo mundo preocupado. Ele pedira a ajuda da embaixada brasileira para localizar Tenório e a resposta, que acabara de chegar, é que era impossível. O golpe militar havia sido desfechado há poucas semanas e a repressão atingia todas as áreas.
      Foi então que dei um palpite. Disse a Vinicius que conhecia uma vidente argentina, que localizara meu filho quando sumiu da cidade; quem sabe, localizaria Tenório. Ele achou muito boa a ideia, mesmo porque não havia outra coisa a fazer.
      Estavam ali a namoradinha de Tenório e Maria Julieta, filha do poeta Carlos Drummond, funcionária da embaixada brasileira. Informei que, para telefonar à vidente, teria que ir até meu apartamento, pois não tinha comigo o seu telefone. Fui acompanhado da namorada e de Maria Julieta e, chegando lá, telefonei para Dona Haydê, a vidente. Ela atendeu, ouviu o que eu lhe disse e perguntou o nome do desaparecido.
      Ao ouvir o nome dele, sua voz mudou estranhamente. Depois de um longo silêncio, afirmou que Tenório deveria estar ou morto ou inconsciente, pois não conseguia comunicar-se com ele. Pediu dois dias para tentar localizá-lo, mas, antes de desligar, advertiu: "Diga a essa mocinha que está aí, que vá logo embora da Argentina, pois corre risco de vida". Como ela sabia que a garota estava ali?
      Voltamos para o hotel, contei o que a vidente disse, e Vinícius, visivelmente preocupado, logo providenciou a volta da garota para o Rio, já que os pais dela nem sequer sabiam por onde e com quem ela andava.
      Não esperei os dois dias pedidos pela vidente. Liguei no dia seguinte e ela me falou com aquela voz estranha: "A polícia bateu nele até matá-lo". Quando contei isso ao Vinicius, seus olhos se encheram de lágrimas. Tenório, quando saiu do hotel, levou consigo seus documentos. Os policiais, quando se deram conta de que haviam assassinado um músico brasileiro, deram fim nele. O corpo de Tenório Júnior nunca foi encontrado.

      Carlos Heitor Cony

      folha de são paulo
      A morte de Jango
      RIO DE JANEIRO - Em 2003, a editora Objetiva lançou o livro "O beijo da Morte", escrito por mim e Anna Lee, sobre as mortes de JK, João Goulart e Carlos Lacerda. Ganhamos o Prêmio Jabuti de Reportagem daquele ano, o livro ficou vários meses na lista dos mais vendidos e não sofreu nenhuma contestação até agora.
      Não chegamos a nenhuma conclusão historicamente final, mas levantamos todas as hipóteses que cercaram o desaparecimento, em pouquíssimos meses, das nossas lideranças mais expressivas: Lacerda, pela direita, Jango, pela esquerda, e Juscelino, pelo centro.
      Agora, o governo brasileiro solicitou a exumação do corpo de João Goulart e providenciou honras de chefe de Estado para o ex-presidente, morto no exílio. São muitas as interrogações que cercam a morte de Jango. Contrariando uma prática internacional, o governo argentino não providenciou a autópsia de um estrangeiro morto em seu território. Tampouco o governo brasileiro daquela época fez algo nesse sentido, pelo contrário, ordenou a todas as forças militares e policiais do Brasil que o prendessem tão logo chegasse ao território brasileiro.
      Os jornais estão noticiando que Jango morreu de infarto, uma vez que era cardíaco e estava se tratando com médicos ingleses. Essa versão atual da mídia contraria o atestado de óbito do ex-presidente, emitido por um médico pediatra, chamado por dona Thereza Goulart. O atestado declara que a morte foi causada por uma "enfermedad".
      Para escrevermos o livro, Anna Lee e eu tivemos financiamento da editora e viajamos repetidas vezes à Argentina, ao Uruguai e ao Rio Grande do Sul. Entrevistamos mais de 50 pessoas, inclusive o cidadão Mario Neira Barreiro, agente do serviço secreto uruguaio, e Enrique Foch Diaz, que não só confirmou o assassinato de Jango, mas escreveu um livro chamado "João Goulart - El Crimen Perfecto".

        Helio Schwartsman

        folha de são paulo
        Não matarás?
        SÃO PAULO - Concordo com meu amigo Leão Serva quando escreveu, em sua coluna de segunda-feira, que leis simples são preferíveis às que exigem regulamentação muito complexa e que este é um dos fatores que fizeram com que a Lei Cidade Limpa "pegasse". Discordo, porém, da afirmação de que o "Não matarás", dos Dez Mandamentos, se enquadre nessa categoria de legislação.
        A lei mosaica, afinal, não se resume às duas tábuas, mas a um conjunto de comandos --que chegam a 613 nas contas dos rabinos-- dispersos pelos cinco livros do Pentateuco. E, em alguns deles, matar não só é permissível, como, por vezes, obrigatório.
        Em Deuteronômio 7:2, por exemplo, Deus ordena aos israelitas que varram do mapa todas as nações que habitavam a terra prometida: "Destruam-nos completamente. Não façam, de maneira nenhuma, qualquer espécie de alianças com eles; não tenham misericórdia deles. Devem liquidá-los completamente".
        Leis de guerra, alguém poderia alegar. E guerras são sempre um período de exceção. Bem, no mesmo Deuteronômio (deveria ser um livro proibido para menores), agora no capítulo 13, Deus diz o que os israelitas devem fazer com seus irmãos, filhos, esposas e amigos que decidam servir a outros deuses: "Deverás matá-lo! Tua mão será a primeira a matá-lo e, a seguir, a mão de todo o povo. Apedreja-o até que morra, pois tentou afastar-te de Iahweh, teu Deus".
        E, é claro, há muito mais. Philip Jenkins, em "Laying Down the Sword", faz um rol completo das passagens mais brutais do Antigo Testamento e sustenta que a Bíblia é muito mais sanguinária do que o Alcorão. Jenkins, que é cristão devoto e contribui para publicações conservadoras dos EUA, diz que é preciso reconhecer a violência das Escrituras e compreendê-la em seu contexto histórico como parte integral das tradições judaica e cristã. É só assim, diz ele, que se poderá cultivar uma religiosidade mais pacífica.