Não matarás?
SÃO PAULO - Concordo com meu amigo Leão Serva quando escreveu, em sua coluna de segunda-feira, que leis simples são preferíveis às que exigem regulamentação muito complexa e que este é um dos fatores que fizeram com que a Lei Cidade Limpa "pegasse". Discordo, porém, da afirmação de que o "Não matarás", dos Dez Mandamentos, se enquadre nessa categoria de legislação.
A lei mosaica, afinal, não se resume às duas tábuas, mas a um conjunto de comandos --que chegam a 613 nas contas dos rabinos-- dispersos pelos cinco livros do Pentateuco. E, em alguns deles, matar não só é permissível, como, por vezes, obrigatório.
Em Deuteronômio 7:2, por exemplo, Deus ordena aos israelitas que varram do mapa todas as nações que habitavam a terra prometida: "Destruam-nos completamente. Não façam, de maneira nenhuma, qualquer espécie de alianças com eles; não tenham misericórdia deles. Devem liquidá-los completamente".
Leis de guerra, alguém poderia alegar. E guerras são sempre um período de exceção. Bem, no mesmo Deuteronômio (deveria ser um livro proibido para menores), agora no capítulo 13, Deus diz o que os israelitas devem fazer com seus irmãos, filhos, esposas e amigos que decidam servir a outros deuses: "Deverás matá-lo! Tua mão será a primeira a matá-lo e, a seguir, a mão de todo o povo. Apedreja-o até que morra, pois tentou afastar-te de Iahweh, teu Deus".
E, é claro, há muito mais. Philip Jenkins, em "Laying Down the Sword", faz um rol completo das passagens mais brutais do Antigo Testamento e sustenta que a Bíblia é muito mais sanguinária do que o Alcorão. Jenkins, que é cristão devoto e contribui para publicações conservadoras dos EUA, diz que é preciso reconhecer a violência das Escrituras e compreendê-la em seu contexto histórico como parte integral das tradições judaica e cristã. É só assim, diz ele, que se poderá cultivar uma religiosidade mais pacífica.
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