segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Gregorio Duvivier

folha de são paulo
O ovo
Acordei libertado da angústia de não estar acordado. Não estar acordado é enorme: viver é isso. Fritei um ovo.
"Carlos acordou e fritou um ovo."
Anônimo
"N'aquele outomno de 1875, Carlos abriu as pálpebras esguedelhadas --tinha acordado macilento. Trazia-lhe tranquillidade contar as 18 velas do lustre de ouro, presenteado pelo tio Affonso havia 32 anos. Sommente para dar-me esse lustre serviu o tio Affonso", pensou. Levantou-se da cama com uma fadiga langorosa, arrastando consigo os lençóis de seda indiana e esticou-se num fato de xadresinho inglês. Cobrindo-se com um cachenez de seda clara e abriu um tellegramma, indolente e poseur, em frente ao espelho de Veneza - resvalava, atravéz das árvores, uma luz enverdinhada. Ordenou à criada:
-- Frite-me ovos."
Eça de Queiroz
"Carlos acordou com uma súbita vontade de fritar um ovo, hei de fritar um ovo, pensou, agora mesmo, posto que se não fritá-lo, não poderei comê-lo frito, e terei de me contentar com ele cru, o que não seria do meu agrado. Tendo pensado nisso, fritou o ovo, e não está ruim, pensou, o ovo, frito."
José Saramago
"Acordei libertado da angústia de não estar acordado. Não estar acordado é enorme: viver é isso. Fritei um ovo."
Clarice Lispector
"Sonada: Carlos abriu o olho. Bisbilhava-se. A galinha desovou um ovo, disse Migué.
-- Larga de afoiteza, gritou tio Janjório. É muita ambicionice comer a galinha que ainda não galinhou.
Carlos nem orelhou. Quando o tio viu, o ovo já não era."
Guimarães Rosa
"Acordei ao lado de Vânia, que ainda dormia. Seus seios eram rosados e sua pentelheira era vasta e negra. Levantei e acendi um cigarro naquele fogão de bacana. Na cozinha, Branca me esperava, nua, com uma Magnum na mão, tapando-lhe a boceta. Eu disse alguma coisa que ela não gostou. Apontou a arma para os meus testículos.
-- Frita, Carlos. Seus ovos vão ser a porra do meu café da manhã.
Alguém bateu na porta. Era Frida, nua. Fodemos."
Rubem Fonseca
"Carlos acordou com a perna meia dormente. Para ficar com menas dor, recorreu a uma simpatia. Foi até a cozinha e fez um ovo estralado."
Paulo Coelho

    Em carta, escritores dizem que lei atual afronta Constituição

    folha de são paulo
    BIOGRAFIAS
    Manifesto foi divulgado ontem ao final de encontro no Ceará
    FABIO VICTORENVIADO ESPECIAL A FORTALEZAReunidos num festival em Fortaleza, 12 dos principais biógrafos do país divulgaram ontem uma carta em que defendem as ações no Supremo Tribunal Federal e no Congresso Nacional para alterar a lei que permite censura prévia a biografias.
    "A legislação em vigor transformou nosso país na única grande democracia a consagrar a censura prévia", diz a "Carta de Fortaleza" (íntegra em folha.com/no1372640).
    O trecho faz referência aos artigos 20 e 21 do Código Civil, pelos quais é possível impedir a publicação de biografias sem autorização anterior.
    O manifesto veio a público no encerramento do festival e a quatro dias do início da audiência pública no STF que debaterá a ação movida por editoras para modificar a lei.
    Assinam a carta Mário Magalhães, curador da programação literária do evento, redator do documento e autor de uma biografia do guerrilheiro Carlos Marighella, e os 11 convidados do festival.
    São eles: Fernando Morais, Guilherme Fiuza, Humberto Werneck, João Máximo, Josélia Aguiar, Lira Neto, Lucas Figueiredo, Luiz Fernando Vianna, Paulo César de Araújo, Regina Zappa e Ruy Castro.
    Em quatro dias, o evento reuniu literatura, cinema e música. A tenda dos debates teve, em geral, boa parte de seus 180 lugares ocupados.
    As mesas literárias, carro-chefe do festival, se equilibraram entre a defesa das biografias livres e a descrição da arte de contar a vida dos outros.
    Chico, Caetano, Gil, Djavan e Roberto Carlos, defensores da lei atual e para quem liberdade de expressão deve ser conciliada com o direito à privacidade, foram criticados em todos os debates. Ruy Castro chamou Roberto de "censor nato e hereditário".
      'Paula Lavigne é o máximo', diz Jorge Mautner
      DO ENVIADO ESPECIAL A FORTALEZADurante o festival de biografias de Fortaleza, o músico Jorge Mautner fez um desagravo aos artistas ligados à associação Procure Saber. Ele disse que será sempre fiel a Caetano Veloso e Gilberto Gil, criticados por defenderem publicamente o direito à privacidade de biografados.
      "Paula Lavigne é o máximo. Flora Gil é o máximo", saudou Mautner, em referência à ex-mulher de Caetano e à mulher de Gil, respectivamente.
      A declaração foi feita anteontem após a exibição do documentário "O Filho do Holocausto", sobre o próprio Mautner, e antes de um show com Jards Macalé.
      Em entrevista à Folha, em outubro, Mautner defendeu o pagamento de direitos autorais a biografados: "Um livro só poderia ser proibido se o artista não fosse remunerado".
      "O artista deve ter direito a tudo que estiver relacionado a ele", disse Mautner.
      Mautner diz que não se deve confundir proibição com censura: "Censura política do Estado tem a ver com outro tipo de exigência de direitos. Estamos falando sobre intimidade, autorização por parte de terceiros envolvidos".

        Luiz Felipe Pondé

        folha de são paulo
        'Breaking Bad'
        O homem 'bonzinho' é um derrotado. Seu lado mau é essencial para sua virilidade
        A série "Breaking Bad" chegou ao fim. Enquanto o cinema americano encareta sob a bota da censura politicamente correta, na qual homens cada vez mais falam fino como mulherzinhas e as mulheres brincam de meninas superpoderosas, a TV arrisca aquilo que o cinema se tornou incapaz de fazer: falar a sério sobre o cotidiano.
        Uma sutil herança de obras como "O Médico e o Monstro", de Robert Louis Stevenson, se faz sentir em "Breaking Bad": o homem "bonzinho" é um derrotado. Seu lado mau é essencial para sua virilidade, mesmo espiritual. Sabendo que parte do mundo hoje é composto por gente mimada, vale salientar que ao dizer isso não estou a cultivar o mal como coisa chique. O assunto é mais sério do que pensa nossa vã inteligência infantilizada.
        Ecos da terrível hipótese de Nelson Rodrigues sobre os maridos também se fazem sentir em "Breaking Bad". Nelson dizia que a mulher quer um nada como marido. Segundo Nelson, nenhuma das grandes qualidades que fazem de um homem um grande homem servem num bom marido.
        O professor Walter White é um homem aniquilado. A maioria de nós é, e no aniversário merece, quando muito, que a mulher bata uma punheta como presente --ainda que prestando mais atenção a alguma oferta da internet.
        Um homem um pouco mais bem-sucedido talvez ganhasse um boquete. Trata-se de uma cena homérica da série, mas que indica bem o grau de investimento do casal no sexo (ele tampouco está muito interessado no "presente de pobre").
        Espremido entre uma carreira que marca seu fracasso (era um promissor gênio da química quando jovem e virou um medíocre professor de "high school" e um funcionário humilhado de um lava-rápido), um salário miserável, um filho portador de necessidades especiais e uma mulher grávida que enche o saco dele para pintar o quarto, Walter é um homem sem qualquer futuro.
        Passa suas noites insone, mergulhado no pânico de todo "loser": o dinheiro vai dar? Vou aguentar muito tempo sendo capacho? Minha mulher também me faz de capacho? Vou conseguir comer minha mulher quando ela quiser? Meu cunhado é mais macho do que eu? Por que eu dei errado e meus colegas de faculdade se deram bem? Serei eu um merda? No que eu errei? Por que estou aqui com esse carro medíocre? E essas férias CVC? Eis o dia a dia de um homem comum.
        Ser capacho é a virtude máxima de um "loser" que é bom pai e bom marido. Se a emancipação feminina era só dizer que ela queria trabalhar fora e gozar, a do homem é mais complexa porque aparentemente passa por elementos mais destrutivos do que a feminina.
        Um homem que se sente preso na condição de bom pai e bom marido pode chegar à conclusão de que só se libertará quando puser em risco exatamente as virtudes que o estão matando: ganhar dinheiro seguro ainda que pouco, ser provedor, engolir sapo no trabalho, abrir mãos dos seus sonhos em nome de uma casa própria, investir na ideia de que algum dia sua mulher Bovary e seus filhos chorarão em seu enterro, louvando-o. Um homem de classe média aniquilado só experimenta um pouco de respeito (quando muito) quando fica silencioso como um cadáver.
        Nosso químico descobre que tem câncer terminal de pulmão (e, como puro que sempre foi, nunca fumou) e "desperta". Esta é a expressão que ele usa quando fala com seu sócio sobre a razão de um "loser" como ele de 50 anos decidir entrar para o crime fazendo droga.
        E não só. Passa a comer sua mulher com gosto (e em situações inesperadas) e ela fica mais feliz. Pele bonita, olhos brilhantes, cabelos sedosos, mais generosa no dia a dia, como toda mulher bem comida.
        Dito nos termos banais de hoje: "recupera sua autoestima" quando descobre que vai morrer e entra para o crime para ganhar dinheiro. Nosso herói sente que pela primeira vez está vivo, justamente quando sabe que, de certa forma, já está morto.
        O mal como componente libertador é uma questão assustadora, mas perigosamente real. Um mundo que goza em defender alfaces terá cada vez mais homens medíocres que para poderem meter em sua s mulheres precisarão ter câncer no pulmão sem nunca ter fumado.

          É preciso limitar o número de pessoas nas futuras gerações

          folha de são paulo
          ENTREVISTA DA 2ª ALAN WEISMAN, 66
          Para escritor, crescimento populacional desenfreado vai levar a mais problemas ambientais, desastres naturais e fome
          REINALDO JOSÉ LOPESCOLABORAÇÃO PARA A FOLHA
          No mundo inteiro, cada vez mais mulheres têm menos filhos ""o suficiente para que, em algum momento até o fim deste século, a população do planeta alcance seu auge e comece a decrescer pela primeira vez na história. Mesmo assim, o escritor americano Alan Weisman acha que não há motivo para complacência em relação aos riscos da superpopulação.
          Weisman, 66, está virando um especialista em examinar os efeitos da ação dos bilhões de seres humanos vivos hoje sobre o planeta. Seu best-seller "O Mundo sem Nós", de 2007, é um experimento mental sobre o que aconteceria com a Terra se o Homo sapiens deixasse de existir da noite para o dia.
          Recentemente, ele lançou "Countdown: Our Last, Best Hope for a Future on Earth?" ("Contagem Regressiva: Nossa Última e Melhor Esperança para um Futuro na Terra?"), que imagina uma solução menos draconiana para os problemas ambientais e políticos do mundo: um esforço consciente para que todas as famílias do mundo tenham acesso a métodos anticoncepcionais seguros e baratos, o que garantiria uma população máxima de 9 bilhões de pessoas em 2100.
          -
          Folha - Depois de escrever dois livros sobre como seria bom haver menos gente no mundo, o senhor já chegou a ser acusado de ser um misantropo?
          Alan Weisman - Eu amo a minha espécie e não acho que estejamos prontos para a extinção. O que fiz no meu livro anterior (O Mundo sem nós) foi retirar os seres humanos do quadro de maneira teórica, para mostrar o tamanho da pressão diária que exercemos sobre o planeta e pensar "bem, e agora, como fazemos para trazer as pessoas de volta a esse quadro sem causar tanto estrago?".
          Contudo, no epílogo do livro, tive de mencionar um fato perturbador: a cada quatro dias e meio, estamos trazendo mais 1 milhão de pessoas ao mundo, e isso não é algo sustentável. E é incrível como quase todo mundo entendeu isso muito bem e concordou comigo.
          Mas embora todo mundo concorde com isso, as pessoas também são visceralmente contrárias a políticas draconianas como a política chinesa do filho único. Então minha proposta para o novo livro foi: será que há uma maneira de lidarmos com a explosão populacional de maneira que não seja tão dolorosa?
          E cada vez ficou mais claro que essa é talvez a única coisa que realmente podemos fazer para diminuir nosso impacto ambiental. Com mais gente no mundo, nossas emissões de carbono vão continuar aumentando; vamos ter mais problemas com eventos climáticos extremos, como os que acabaram de devastar as Filipinas; os níveis dos mares estão aumentando e, mais do que isso, estão alterando a própria química dos oceanos, da qual toda a vida na Terra depende. São coisas perigosíssimas.
          Mesmo que fontes abundantes de energia limpa, com emissões de carbono próximas do zero, sejam descobertas --o que é um bocado improvável--, simplesmente não há como aumentar a quantidade de terra disponível para produzir alimentos para toda essa gente --então, a coisa lógica a fazer é limitar o número de pessoas nas próximas duas ou três gerações.
          Um elemento interessante do livro é que, fora exceções como as Filipinas, a religião parece não ser a grande barreira antiplanejamento familiar.
          Sim, você tem razão. Entrevistei muitos líderes religiosos para o livro, e poucos realmente se opõem a essa necessidade. Todo mundo costuma pensar no catolicismo ou no islamismo como os principais inimigos do planejamento familiar, mas se esquece de que um dos programas mais bem-sucedidos do mundo nessa área foi idealizado por uma teocracia islâmica, o Irã.
          As Filipinas são, de fato, uma exceção por conta do poder político da Igreja Católica por lá. Por outro lado, na Itália católica, as mulheres têm uma das taxas de fertilidade mais baixas do mundo [cerca de 1,4 filho por mulher], porque o nível educacional delas é muito elevado, e a educação feminina é o melhor anticoncepcional que existe ­­--em vez de ter sete filhos, a mulher decide terminar a faculdade antes de engravidar.
          No livro, discuto o caso da Costa Rica, onde a Igreja Católica tentou pressionar os fiéis a não adotarem métodos anticoncepcionais e acabou perdendo espaço para igrejas evangélicas que incentivavam esses métodos como paternidade responsável.
          O Brasil é uma história de sucesso, vocês já estão abaixo da taxa de reposição populacional [calculada como 2,1 filhos por mulher; abaixo disso, a tendência é a população decrescer].
          Se não é a religião o principal fator por trás do crescimento populacional, o que é? Seria ligado ao fato de que, em alguns países, as pessoas ainda têm medo de não deixar descendentes por causa da alta mortalidade infantil?
          São vários fatores, e um deles é o que você mencionou --em certos países da África, as pessoas continuam tendo filhos atrás de filhos porque muitos bebês acabam morrendo.
          Mas ainda há, é claro, a mesma razão cultural pela qual, no livro do Gênesis, os israelitas seguem o mandamento "crescei e multiplicai-vos": se você tem uma família numerosa e poderosa, seus inimigos têm mais dificuldade de vencê-lo. E um dos jeitos de conseguir isso é a poligamia.
          Esse tipo de mentalidade ainda é forte mundo afora.
          Por outro lado, também no livro do Gênesis, há a história de José [um dos 12 filhos do patriarca israelita Jacó], que pode ser considerado o mais antigo ecologista.
          Vivendo no Egito, ele observou os sinais de que a região estava prestes a passar por um ciclo de escassez e aconselhou o faraó e sua família israelita, dizendo que era hora de conservar, e não de continuar a se expandir. E foi graças a isso que José decidiu ter uma única esposa e apenas dois filhos, e ele conseguiu salvar todo mundo da fome que veio depois.
          Nossa situação não é muito diferente, porque chegamos a um ponto em que será cada vez mais difícil produzir mais comida. Para cada 1ºC de aumento da temperatura do planeta daqui para a frente, é provável que a produtividade agrícola caia 10%, por exemplo. Continuar na trajetória de crescimento desenfreado é uma receita para o desastre.
          Nos anos 1960 e 1970, o desenvolvimento de variedades agrícolas mais produtivas, a chamada Revolução Verde, afastou o fantasma da fome. Não é natural as pessoas esperarem que novos desenvolvimentos tecnológicos também resolvam o problema agora?
          O que as pessoas têm de entender é que a Revolução Verde foi só uma solução temporária. Norman Borlaug, o pai da Revolução Verde, que ganhou o Prêmio Nobel da Paz por isso, usou seu discurso de aceitação do prêmio para chamar a atenção para o problema do crescimento demográfico.
          Embora a Revolução Verde tenha evitado a fome, os tipos de plantio que ela preconiza não estão mais sendo suficientes em lugares como a Índia.
          Uma das experiências mais terríveis que tive foi entrevistar as viúvas de fazendeiros indianos que se mataram bebendo pesticidas porque suas terras não têm mais água [as variedades agrícolas ligadas à Revolução Verde exigem irrigação], eles não conseguiam produzir e estavam endividados. Mais de 200 mil agricultores indianos se suicidaram.
          O senhor também diz que é errada a ideia de que os poucos países com população em declínio, como o Japão, vão sofrer um colapso econômico. Por quê?
          Por muitos anos, alguns economistas eram grandes fãs do crescimento populacional, simplesmente porque, com mais gente no mercado de trabalho, mais barata é a mão de obra.
          Todo mundo se diz preocupado com o que vai acontecer com o Japão, com esse monte de gente idosa e tão pouca gente jovem para sustentar a aposentadoria deles. O que poucos percebem é que o processo é gradual e, ao longo de no máximo uma geração, conforme os mais idosos morrerem e os filhos dos jovens de hoje crescerem, você vai ter é um equilíbrio demográfico entre as duas parcelas da população de novo.
          Com isso, você consegue fazer duas coisas: manter pessoas mais velhas na força de trabalho por mais tempo, e trazer mais mulheres com bom nível educacional para a força de trabalho.
          Depois de pesquisar e escrever o livro, o senhor está mais ou menos otimista em relação aos desafios do crescimento populacional?
          Estou mais otimista do que me sentia quando comecei a escrever o livro. É difícil para as pessoas aceitarem que a população precisa começar a diminuir porque nós passamos por um século inteiro no qual a população humana quadruplicou.
          Só que elas têm de perceber que essa situação é algo anormal, criada por avanços repentinos na tecnologia médica e na produção de alimentos para os quais não estávamos preparados.
          A boa notícia é que há um tremendo impulso mundo afora em favor de famílias menores. O planeta está urbanizado, não precisamos mais de tantos braços para a lavoura.
          Outra notícia boa é que não precisamos de nenhuma descoberta dramática ""estamos falando de uma tecnologia da qual já dispomos, e que é muito barata.
          Precisaríamos de apenas US$ 8 bilhões por ano para disponibilizar anticoncepcionais para todas as pessoas do planeta --isso é o que os EUA gastavam por mês no Iraque e no Afeganistão anos atrás.

          Veja as manchetes dos principais jornais desta segunda-feira

          folha de são paulo
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          *
          Jornais nacionais
          O Estado de S.Paulo
          Dirceu fala em 'ilegalidade' e cobra regime semiaberto
          O Globo
          Barbosa deve ordenar prisão de mais sete réus
          Correio Braziliense
          A prisão oferece risco para o doente Genoino?
          Brasil Econômico
          "Orçamento impositivo é porta aberta para a corrupção"
          *
          Jornais internacionais
          The Washington Post (EUA)
          Batalha sobre apostas na internet aquece
          The Guardian (Reino Unido)
          Chefes de segurança "exageraram" no temor com vazamentos da NSA
          El País (Espanha)
          Socialistas catalães se descolam do plano soberanista

          domingo, 17 de novembro de 2013

          Hoje suspeitos, fiscais e vereadores fizeram parte da CPI do IPTU

          MÁFIA DO ISS
          Ronilson Rodrigues, investigado no esquema de desvio de ISS, ajudou a 'elucidar' falhas, afirma relatório de 2009
          Quatro anos depois, auditores sugerem em escutas que pagaram propina aos vereadores que os interrogaram
          GIBA BERGAMIM JR.FOLHA DE SÃO PAULOOs auditores fiscais suspeitos de integrar a máfia do ISS ajudaram a "elucidar" as falhas na arrecadação de impostos na cidade.
          A conclusão é da CPI do IPTU, comandada em 2009 pelos vereadores Antonio Donato (PT) e Aurélio Miguel (PR).
          São esses mesmos auditores, suspeitos de causar um rombo de R$ 500 milhões aos cofres públicos, que agora dizem ter dado dinheiro aos respectivos parlamentares, segundo investigação da Promotoria e da prefeitura.
          Donato --que até a semana passada era secretário de governo, braço direito do prefeito Fernando Haddad (PT)-- e Miguel comandaram a comissão que buscava revelar falhas que reduziam a arrecadação de IPTU.
          Havia à época a suspeita de que empreendimentos imobiliários de grande porte não pagavam o imposto.
          Na condição de testemunhas estavam os auditores fiscais Ronilson Rodrigues e Eduardo Horle Barcellos, que segundo a Promotoria, acumularam junto com outros dois auditores R$ 80 milhões obtidos por meio de propina.
          A máfia do ISS daria a construtoras descontos no ISS em troca de pagamentos.
          Em seu depoimento naquele ano, Rodrigues disse que era dono de um "apartamentinho" na Vila Mariana --segundo a Promotoria, a quadrilha liderada por ele acumulou imóveis e carros de luxo nos últimos anos.
          Barcellos disse na semana passada que, de 2011 até o ano passado, dava um pagamento mensal de R$ 20 mil para Donato --valor pago em dinheiro no gabinete do parlamentar, diz Barcellos. Donato pediu demissão depois disso.
          O mesmo auditor disse que Ronilson, que era chefe da Receita no município até 2012, lhe confidenciou que deu "muito dinheiro" a Miguel.
          APARTAMENTINHO
          Trechos do relatório final da CPI assinado por Donato chamam de "elucidativo" o depoimento de Ronilson Rodrigues, quando ele explica os critérios usados para avaliar um imóvel.
          Segundo Rodrigues, um luxuoso imóvel poderia ter a mesma base de cálculo de IPTU de uma modesta residência, de acordo com os parâmetros usados pela Secretaria de Finanças à época.
          Para explicar, tentou mostrar ser uma pessoa de poucas posses ao comparar seu patrimônio ao do banqueiro falido Edemar Cid Ferreira.
          "Realmente, para você ter uma ideia, o imóvel do dono do Banco Santos ou o meu apartamentinho na Vila Mariana, se chega a um nível de padrão em que ele não cresce [valoriza] mais", disse.
          A mesma CPI ouviu Hussain Aref Saab, ex-diretor do Aprov que é investigado por enriquecimento ilícito, após a Folha revelar que ele comprou 106 imóveis durante a gestão Serra/Kassab.
          Miguel diz que "graças à CPI", foram evitadas perdas de "R$ 350 milhões na arrecadação". No ano passado, ele foi acusado de receber dinheiro de construtoras para ajudar a intermediar a liberação de empreendimentos, como shoppings, irregulares na prefeitura e tirar os nomes delas do relatório final da CPI.
          "Quando os auditores foram depor, eles eram vistos como profissionais respeitados. Nunca se imaginou esses esquemas de corrupção", disse o ex-vereador Cláudio Fonseca (PPS), que também era integrante da CPI.
          Se Donato era considerado sereno em seus questionamentos, Miguel usava tom incisivo nas perguntas, segundo alguns depoentes. Como na pergunta feita a Barcellos: "Se há problema no IPTU, fico imaginando no ISS. Deve ser uma loucura o que nós perdemos em arrecadação".
          Os dois parlamentares negam ter recebido qualquer quantia dos auditores.

            Marcelo Leite

            folha de são paulo
            Desastre amazônico
            Desmate aumentou em termos percentuais, não tanto no valor absoluto, mas governo se atrapalhou
            Um desastre. Não merece outra descrição o processo pelo qual veio a público a péssima notícia de que aumentou 28% a taxa de desmatamento na Amazônia neste ano.
            A divulgação desse dado sempre foi traumática para o governo. Como ocorre em geral em novembro, coincide com a época em que se realizam as rodadas anuais de negociação internacional sobre a mudança do clima. Se a taxa sobe, queima o filme da delegação brasileira.
            Na próxima terça-feira, por exemplo, começa o segmento de alto nível --quer dizer, com a presença de ministros de Estado-- da reunião que teve início na semana passada em Varsóvia, apelidada de COP-19.
            O índice anual de desmatamento é calculado pelo sistema Prodes, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Ele se baseia em centenas de imagens de satélite, mas depende de laboriosa interpretação. Embora boa parte do processamento hoje seja digital, a palavra final cabe a especialistas humanos.
            O Inpe, órgão federal vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, havia recebido a determinação, como de hábito, para fechar a conta do Prodes antes da COP. Assim se fez. Com a demora na divulgação da cifra, porém, espalhou-se a impressão de que o Planalto estava enrolando para não passar vergonha em Varsóvia.
            Se foi mesmo essa a motivação --mais uma aplicação da Lei de Ricupero (o que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde)--, alguém pisou na bola. Tentar esconder informação em Brasília sempre é um lance arriscado.
            Saiu primeiro o jornal "O Globo", na terça-feira, com a informação de que haveria aumento ("até 20%"). Na quinta, o Blog do Kennedy (Alencar) escancarou o percentual correto de incremento: 28%.
            A área desmatada tinha saltado de 4.571 km², no período de observação agosto/2011-julho/2012, para 5.843 km² (agosto/2012-julho/2013). Ainda assim, é o segundo menor valor desde o início da série histórica, em 1988. Os números vêm caindo desde 2004, quando se alcançou o pico de 27,7 mil km².
            A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, convocou uma entrevista coletiva para o mesmo dia. Parecia bem irritada, quase furibunda. Disse que o governo não tinha perdido o controle do desmatamento nem era conivente com ele, que era errado atribuir às mudanças no Código Florestal o repique da taxa, que sua antecessora Marina Silva (PSB) deveria se informar melhor.
            Se os 28% fossem só uma flutuação, a ministra não teria dado a performance que deu. Ninguém que exerça o poder gosta de perder o domínio da situação. Para piorar, a ex-ministra e pré-candidata Marina Silva de fato tinha pisado na bola.
            Numa palestra relatada pelo jornal "Valor Econômico", Marina acusou o governo federal de "conivência" com o aumento da destruição. E foi além: "(A ONG) Imazon está dizendo que é muito mais (92%)".
            A ex-ministra misturou alhos com bugalhos. O Imazon, de Belém, faz um bom monitoramento de curto prazo, comparável ao sistema oficial Deter, mas os seus próprios técnicos dizem que ele não serve para fazer predições sobre a taxa anual.
            O fato é que o desmate aumentou muito, mas na taxa percentual, não tanto no valor absoluto. Bem preparada e explicada, não seria uma mensagem tão difícil de transmitir. Na base do improviso e da indignação, pareceu descontrole mesmo.