sábado, 30 de novembro de 2013

Os infiéis na política - Helio Schwartsman e Fernando Rodrigues

folha de são paulo
Infiéis
SÃO PAULO - O Ministério Público pediu a cassação de 13 deputados infiéis. Esse é um assunto do qual o Judiciário e esferas cognatas deveriam passar o mais longe possível, pois todas as vezes em que intervieram com o objetivo de melhorar a situação acabaram piorando-a.
A infidelidade partidária é decerto algo a lamentar. Mas não é difícil perceber que o fenômeno é muito mais sintoma de disfunções em nosso sistema político do que sua causa. Não obstante, o Supremo decidiu, em 2007, que o mandato de parlamentares escolhidos em eleições proporcionais pertence à legenda e não ao deputado ou vereador.
Eu até aderiria a essa lógica se o eleitor de fato prestasse atenção a partidos na hora de depositar seu voto. Tenho, porém, a nítida impressão de que o que ocorre é justamente o contrário. Embora existam exceções, a pessoa do candidato tende a ser muito mais decisiva do que a sigla. Só por isso, a medida já mais falseia do que preserva a vontade do eleitor.
Para agravar ainda mais o quadro, o STF estabeleceu algumas situações em que a mudança é considerada legítima, permitindo que o parlamentar se bandeie sem perder o mandato. Elas incluem guinadas ideológicas da cúpula partidária, perseguição ao mandatário e, estranhamente, o surgimento de novas legendas.
Essas cláusulas de exclusão contribuíram para judicializar ainda mais a disputa política no país, já que agora os tribunais eleitorais precisam debruçar-se até sobre casos de filiação e desfiliação partidária. Mas, não satisfeito com a lambança, o STF determinou em 2012 que parlamentares trânsfugas que se instalam em siglas novas não apenas conservam o mandato como levam para o novo lar sua cota de tempo de TV e recursos do fundo partidário. Com isso, criou o mercado de legendas zero quilômetro e até estimulou o troca-troca que pretendia impedir.
Nem todo problema pode ser resolvido por leis e resoluções.
helio@uol.com.br
    FERNANDO RODRIGUES
    Os infiéis na política
    BRASÍLIA - Entre suas várias anomalias, o sistema político no Brasil costuma remeter para a Justiça casos de deputados e senadores infiéis aos seus partidos. É um traço marcante do subdesenvolvimento democrático do país.
    Numa democracia consolidada, um juiz não seria chamado para punir um deputado que troca de legenda. Aqui, está na lei. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, acaba de decidir enviar à Justiça uma dezena de ações pedindo a cassação de congressistas infiéis.
    Sem querer parafrasear o PT, que tem culpado o "sistema" pelos seus erros, o que ocorre nesse caso de políticos infiéis é uma mistura de regras disfuncionais com excesso de imbricação entre dinheiro público e partidos.
    É nula a chance de esse cenário se alterar no curto prazo. Mas um episódio assim --a possível cassação de muitos mandatos por infidelidade-- convida a refletir sobre qual rumo poderá, quem sabe, ser tomado pelo país no futuro.
    A lógica atual é simples. Nenhum político se elege sozinho. Precisa do partido, que dá dinheiro e tempo de rádio e de TV. Logo, nada mais natural do que cobrar fidelidade de quem vence a eleição e está exercendo um mandato.
    Tudo bem. A ideia é fortalecer os partidos políticos. Só que esse modelo existe há décadas. Ao contrário de siglas sólidas, a maioria é cada vez mais frágil. Algo está muito errado. O DNA do problema é a extrema facilidade com que se monta uma nova agremiação para receber dinheiro público e acesso a outros benefícios. Reforma ampla nunca virá. Uma medida mais simples seria a cláusula de desempenho: só partidos com pelo menos 3% dos votos teriam amplo acesso a dinheiro público e ao rádio e à TV. Mas nem isso parece ter chance de prosperar no Congresso.
    Assim, resignemo-nos. A Justiça permanecerá ainda muito tempo cassando deputados infiéis.
    fernando.rodrigues@grupofolha.com.br

      Ruy Castro

      folha de são paulo
      Lamber sabão
      RIO DE JANEIRO - Os mais jovens podem não acreditar, mas houve tempo em que quem gostava de cinema só falava... de cinema. Era uma obsessão, tanto para os meninos que sonhavam tornar-se críticos ou cineastas como para os próprios cineastas e críticos. E do que esses meninos falavam? Dos personagens angustiados de Bergman ou Antonioni, da visão de mundo de Fellini ou Buñuel, do livro de Truffaut sobre Hitchcock.
      Os cineastas, por sua vez, pontificavam sobre a fotografia do neorrealismo, a montagem descontínua, a câmera na mão e outras novidades, e de como pensavam usá-las em seus filmes. Enfim, era de cinema, e só de cinema, que se tratava nas sessões do Paissandu, da ABI, do MAM, da Maison de France, do Instituto Goethe, dos cineclubes. O mesmo acontecia em muitas cidades do Brasil. O cinema era o amor.
      Mas isso já era. Para um grande cineasta brasileiro, "Poucas coisas são mais entediantes hoje do que discutir cinema. A conversa logo descamba para orçamentos e leis, Ancines e ministérios não sei do quê". O mistério da criação cedeu lugar ao da captação --o captador, não mais o artista, é agora a figura-chave da produção.
      Quem diz isso é Domingos Oliveira, um diretor cuja inteligência honra o cinema brasileiro, num bilhete para o blog de nossa amiga Rô Caetano. Um ano depois de prontos --só agora os distribuidores se dispuseram a lançá-los--, e sob pesado silêncio, dois filmes de Domingos estreiam neste fim de semana no RJ e em SP: "Paixão e Acaso" e "Primeiro Dia de um Ano Qualquer".
      Para Domingos, um filme deveria interessar "apenas por seu conteúdo, essência, mensagem, e pelo bem que pode fazer para quem o assiste". Para os distribuidores, a equação é outra: se não lotar as salas no primeiro sábado e domingo, não emplaca a segunda semana, e o artista que vá lamber sabão.

        Paulo Leminski biografou heróis com intervenção ficcional

        folha de são paulo

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        MORRIS KACHANI
        DE SÃO PAULO

        Cruz e Sousa, expoente máximo do simbolismo, se transforma no "Blues & Sousa". Jesus surge como um dos maiores poetas líricos da humanidade, e mentor de um socialismo utópico. Trótski e a Revolução Russa ganham uma surpreendente abordagem a partir da perspectiva de "Os Irmãos Karamázov", de Dostoiévski. Em Bashô, pai do haikai japonês, o cruzamento entre o zen e a arte.
        Talvez só Paulo Leminski, com sua poderosa imaginação, fosse capaz de agregar personalidades tão distintas em um mesmo ciclo de biografias. Escritas entre 1983 e 1986, elas foram lançadas separadamente pela editora Brasiliense. Até recentemente, eram vendidas a peso de ouro nos sebos -um exemplar não saía por menos de R$ 250.
        O curitibano sempre desejou que as obras fossem reeditadas em um só volume. Em 90, houve uma primeira edição, pela Sulina. No final de setembro, a Companhia das Letras relançou o volume.
        Ovidio Vieira - 1983/Folhapress
        O jornalista, escritor e poeta Paulo Leminski (1944-1988)
        O jornalista, escritor e poeta Paulo Leminski (1944-1988)
        Segundo a editora, já foram vendidos 6.000 exemplares (de uma tiragem de 15 mil). "Toda Poesia", reunindo sua obra poética, lançado em fevereiro, já bateu os 65 mil.
        Contudo o projeto gráfico da reedição não é um consenso. As cores chamativas das capas e as manchas gráficas aplicadas em "Toda Poesia" dividem opiniões. Sofia Mariutti, editora do selo, explica a opção: "a ideia de usar pingos de nanquim foi tirada da obra de Leminski, influenciado pela cultura oriental".
        HERÓIS
        Por que afinal Leminski teria decidido perfilar estes quatro? Segundo o prefácio assinado pela poeta Alice Ruiz, sua parceira por mais de 20 anos, eles foram seus heróis por excelência --entre outros que traduziu (do original), como Joyce, Lennon, Petrônio, Jarry, Becket, Mishima.
        Para Manoel Ricardo de Lima, professor de literatura da UniRio, as biografias evidenciam um projeto comum na obra de Leminski: "Em tudo que fez, esboça-se a construção de um autorretrato".
        Leminski era filho de mãe negra e pai polaco --mestiço como Cruz e Sousa. Foi faixa preta de judô. Ex-seminarista que quase se tornou monge beneditino. Admirava Trótski a tal ponto que se tivesse tido um filho seria Leon.
        Talvez por conta de tanta afinidade, nota-se uma modulação do senso crítico. O texto de "Vida" não obedece aos cânones da biografia clássica. À laboriosa pesquisa, somam-se pequenas intervenções ficcionais.
        Como quando conclui que Cruz e Sousa teria inventado o blues, se fosse nascido na América do Norte. Ou que, em "Jesus", "foram os profetas que inventaram o futuro, assim como os poetas inventarão o presente e os homens de ação inventam o passado sem cessar".
        VIDA - CRUZ E SOUSA, BASHÔ, JESUS E TRÓTSKI
        AUTOR Paulo Leminski
        EDITORA Companhia das Letras
        QUANTO R$ 46 (392 págs.)

        Boa edição reconta a revolução sexual dos séculos passados - Mary Del Priore

        folha de são paulo

        Crítica: 


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        MARY DEL PRIORE
        ESPECIAL PARA A FOLHA

        A sexualidade humana se resume a um leque de práticas que se organizam em sequências que variam pouco. Mas fazer sexo seria impossível sem um arsenal de ritos e imagens que lhe dão milhares de sentidos.
        Visível ou invisível, eloquente ou silenciosa, a sexualidade sempre foi objeto de intervenções. E por quê? Pois controlá-la sempre foi controlar as relações sociais.
        Com a emergência da intimidade, ela se tornou uma forma de "disciplina de si". E se construiu através de constrangimentos até desaguar no universo público e midiático, quando jornais, gravuras e diários passaram a expor a privacidade das pessoas.
        Divulgação
        A Cama' (1646), de Rembrandt, uma das ilustrações que estão em 'As Origens do Sexo
        'A Cama' (1646), de Rembrandt, uma das ilustrações que estão em 'As Origens do Sexo'
        E é disso que trata "As Origens do Sexo - Uma História da Primeira Revolução Sexual", de Faramerz Dabhoiwala, em belíssima edição e tradução da Biblioteca Azul, selo da editora Globo.
        O cenário é a Inglaterra entre os anos 1600 e 1800. Ali, no início do Renascimento, infidelidade, prostituição e simples fornicação corriam graves riscos. Punições terríveis assustavam: por adultério se perdiam orelhas. Acusados de homoerotismo, sodomia e bigamia eram condenados à morte. A sexualidade era vigiada por Deus e controlada pela comunidade.
        Mas o chamado Iluminismo inglês trouxe mudanças. Na elite, a liberdade sexual ganhou terreno. As mulheres, antes consideradas lúbricas --afinal, filhas de Eva--, se tornaram castas. Os homens, antes vítimas do desejo feminino, liberaram geral.
        Ilustrações de nus e posições sexuais se multiplicaram. Debates sobre a poligamia justificavam-na como um remédio contra a promiscuidade.
        Um pregador chegou a argumentar que o adultério não seria pecado, se praticado com pureza. E até o filósofo Jeremy Bentham se preocupou com os direitos civis dos "sodomitas": advogava que tinham direito de fazer o que quisessem com seus corpos.
        O século 18 individualizou os problemas de consciência, e a sexualidade ganhou autonomia. Deixou de ser comunitária para ser particular. O certo e errado não mais se baseavam na Bíblia. A distinção entre público e privado foi reforçada, e o sexo fora do casamento ficou sem punição.
        O que Dabhoiwala, professor de Oxford, nos diz é: a revolução sexual dos anos 60, apoiada na pílula, não foi novidade. A verdadeira ocorreu dois séculos antes. Mas o pêndulo foi e voltou. Ainda há muitos países onde a sexualidade lembra a situação pré-moderna.
        A história seria, portanto, não triunfalista, como desejam os marxistas, mas circular. E todas essas ideias estão num livro polêmico, bem escrito e fartamente ilustrado que vale a pena conhecer.
        MARY DEL PRIORE é autora de 40 livros sobre história do Brasil
        AS ORIGENS DO SEXO
        AUTOR Faramerz Dabhoiwala
        EDITORA Biblioteca Azul
        QUANTO R$ 74,90 (688 págs.)
        AVALIAÇÃO ótimo

        'Porta-voz da vagina', feminista explora conexão entre cérebro e genitália em livro

        folha de são paulo

        ÚRSULA PASSOS

        DE SÃO PAULO

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        Livreiros acharam que era um título pornográfico, uma rede o colocou na prateleira de medicina, uma outra, na de psicologia. Finalmente, foi classificado como "obra de interesse geral", conta Luiz Fernando Emediato, editor responsável pelo lançamento no Brasil de "Vagina: Uma Biografia", de Naomi Wolf (Geração Editorial).
        "Como feminista e escritora, esse era um assunto sobre o qual eu teria de falar um dia, porque vivemos em uma cultura na qual as mulheres têm vergonha da vagina e não estão no controle de sua sexualidade", diz a autora em entrevista exclusiva à Folha.
        Lançado ano passado nos EUA, o livro frequentou mais manchetes do que listas dos mais vendidos. A loja virtual da Apple censurou o título, trocando "vagina" por "v**a", o que causou reação de leitores e feministas.
        Nicole Bengiveno/The New York Times
        A escritora americana Naomi Wolf, autora de 'Vagina: Uma Biografia
        A escritora americana Naomi Wolf, autora de 'Vagina: Uma Biografia'
        "É perfeito, não? Meu livro é exatamente sobre isso. Se censuram essa palavra, é o desejo da mulher que se está censurando. Se as mulheres não podem falar sobre sua vagina, como podem se sentir bem quanto a ela?", diz Wolf.
        Mesmo depois dessa publicidade espontânea, o livro só ficou três semanas na lista do "Los Angeles Times" e chegou apenas à 31ª posição no ranking de mais vendidos do "New York Times".
        A edição brasileira chegou na semana passada, com tiragem de 8 mil exemplares, dos quais 7.200 já foram colocados nas livrarias.
        A escritora de 51 anos lançou seu primeiro livro em 1991, "O Mito da Beleza" (Rocco, esgotado), que se tornou, esse sim, um best-seller.
        Ali, ela evidenciava como o ideal de beleza feminina pode ser um controle social tão eficaz quanto a imagem da dona de casa. Desde então, Wolf é referência da terceira onda feminista.
        A primeira onda, ocorrida no fim do século 19 e início do 20, tinha como eixo a conquista dos direitos políticos. A segunda, entre os anos 1960 e 1970, lutava pela igualdade de papéis e contra a discriminação. Nos anos 1990, feministas passaram a questionar conquistas e retrocessos do movimento desde a chamada revolução sexual.
        Hoje, Wolf diz que o desejo e a sexualidade femininos ainda estão sob censura, daí a razão deste seu oitavo livro.
        Nele, a autora reúne descobertas da neurociência sobre "a profunda conexão entre cérebro e vagina". Relatos da sua vida pessoal --como um problema no nervo pélvico, que foi o estopim da obra-- se misturam a interpretações de pesquisas científicas e entrevistas com pesquisadores. E com gente como o guru tântrico Mike Lousada, terapeuta psicossexual.
        "A relação entre o cérebro do homem e seu pênis já está bem estabelecida, ninguém fica surpreso quando o estresse afeta a libido do homem, mas isso na ciência aplicado a mulheres é novo", diz a escritora americana.
        Ariel Levy, em sua crítica ao livro na revista "The New Yorker", diz que Wolf defende o sexo como "a solução para todos os problemas e fonte de tudo" e a coloca no mesmo campo de imaginação erótica de "Cinquenta Tons de Cinza", aquele fenômeno de vendas literárias classificado como "pornô soft", cheio de fantasias sadomasoquistas para donas de casa.
        Wolf discorda da comparação. E questiona o sucesso da série inventada pela inglesa E. L. James: "Seria interessante ver se 'Cinquenta Tons' seria tão popular num mundo em que as mulheres estivessem recebendo mais atenção e carinho de seus parceiros. Suspeito que elas estejam entediadas sexualmente."
        FAJUTO E INFANTIL
        A escritora Zoë Heller, na "The New York Review of Books", chama o livro de "fajuto" e diz que é "cheio de generalizações infantis".
        Ao longo do livro o leitor descobre a "dança da deusa", série de gestos que os homens podem desempenhar ao longo do dia, não necessariamente relacionados a sexo, para "manter a chama acesa" do desejo feminino e potencializar o orgasmo delas.
        Essa autoajuda para homens vai de dar flores para a parceira (rosas --nunca crisântemos ou cravos) a levá-la para dançar (como em filmes da Disney), passando pela estimulação dos mamilos.
        Para a autora, o fato de muitas mulheres reclamarem do endeusamento do pênis não invalida o uso do termo "deusa" para a vagina.
        "Minha pesquisa pelas culturas mostrou que as mulheres se sentem bem com sua sexualidade quando há uma ideia do divino feminino", afirma ela.
        Seria um livro de autoajuda? "Fico feliz de saber que estou ajudando as mulheres. É bom se as pessoas estiverem usando o livro para ter mais prazer."

        CRÍTICA ENSAIO
        Obra respeitável vê pacote completo da vagina
        Representante de um feminismo pós-queima de sutiã, Naomi Wolf só peca pelo exagero ao tentar esgotar o assunto
        As mulheres têm órgão sexual e reprodutivo no mesmo quarteirão, enquanto os homens têm um no Leme e outro no topo do Pão de Açúcar. E cada mulher tem seu jeito de atingir o orgasmo
        BARBARA GANCIACOLUNISTA DA FOLHAA "Vagina" de Naomi Wolf merece atenção. A obra consegue sobressair na prateleira de lançamentos com formato de "achado do ano" ou "título que salvou minha vida neste mês" por conta do empenho dispensado.
        Não falo de um novo hit entre livros de neurociência, mas de uma pesquisa respeitável feita por uma das mulheres que modificaram o tom vindo do discurso das feministas que queimavam sutiãs nos anos 60, dando atenção às barreiras na trajetória do empoderamento feminino.
        Wolf foi uma das primeiras a dizer: "Calma que o Brasil é nosso! Não vai dar, minha filha, para criar os filhos, ser linda, fazer o songamonga do seu marido querer só você, ser presidente da Petrobras e ainda ter cabelos sedosos".
        Bem, se não foi isso, foi como entendi. E não consegui nada disso, só ter inveja de gente eloquente como ela, que além disso é bonitona e casou com o sujeito que fazia os discursos do Clinton, depois de cursar Yale e descolar uma Rhodes Sholarship, a bolsa de mestrado em Oxford para gente superqualificada.
        Pois, certo dia, essa "mulher certificado ISO-9001" sofreu uma lesão lombar, vai vendo, e notou que não só a intensidade de seus orgasmos diminuíra como a sensação de euforia, o estado de glória, aquele bom humor pós-trepada (que por vezes nos faz querer trocar duas palavras com o ser amado, enquanto ele nutre o desejo de que viremos um litro de Coca e uma pizza) perdera a cor.
        LIGAÇÃO
        Após enfrentar uma delicadíssima cirurgia para religar a nervatura nas costas, Wolf viu a vida sexual voltar a lhe sorrir como d'antanho.
        Daí quis entender a ligação entre a mente da mulher e sua vagina. E, por vagina, a autora entende o pacote completo: do nervo pélvico que começa no clitóris, atravessa "o buraco com a forma de Deus", como diria Blaise Pascal, inclui útero, trompas, tudinho, e dá na espinha dorsal, que, no fim, se liga ao cérebro.
        Ela não estava brincando. Falou com cientistas, fisiologistas, psicólogos, xamãs, vasculhou os mais avançados centros de neurociência, investigou a identidade sexual feminina, desconfio, até com o jardineiro da minha vizinha. Ou, se não, deveria, porque esse sim conhece mulher.
        Em 1966, os relatórios Masters e Johnson, "A Resposta Sexual Humana", definiram parâmetros liberais de sexualidade, numa época em que mulheres buscavam igualdade com homens, e concluiu que ambos os sexos atingem o êxtase de modo parecido.
        O estudo levou em conta só o orgasmo clitoridiano obtido em condições de laboratório. Wolf o contesta. Diz que mulheres são seres bem mais complexos do que homens.
        Barbara Gancia, que não é nenhuma especialista em sexo, ao contrário, só teve contato com o assunto em bibliotecas, mas adora passar os dias na horizontal, concorda.
        Por quê? Ora, porque toda vez que fui instada a falar de vida sexual, eu menti. Como posso crer no relatório Kinsey? Ele não serviu para mostrar que ninguém diz a verdade quando o assunto é sexo? O tema é misterioso. Menos para homens, é claro.
        Se entendi bem, o pênis é como uma luminária. Basta ligá-lo a uma tomada e ele funciona alegremente. Já a vagina seria um ecossistema complexíssimo, uma morada dos deuses, ou, na definição taoísta, um lótus dourado, que Wolf vê como "conjunto de redes vibrantes de nervos que enviam impulsos constantes à medula espinhal".
        E, assim como a lua regula as marés, cada deusa dança à sua maneira e possui uma "impressão digital própria", com sua ramificação neuronal específica, diferentes segredos a desvendar.
        GEOGRAFIA
        A diferença é que as mulheres têm órgão sexual e reprodutivo no mesmo quarteirão, enquanto os homens têm um no Leme e outro no topo do Pão de Açúcar. E cada mulher tem seu jeito de atingir o orgasmo, que varia caso a caso, sem ter nada a ver com extroversão, cartão de crédito do parceiro ou doses de álcool consumidas na noitada.
        Acontece por conta de diferenças nas redes neurais. Há quem só chegue ao clímax via clitóris, quem só conheça o vaginal, quem ache o ponto G, quem venha sem GPS. E pode haver variação no playlist, segundo o clima ou a época. São tantas emoções...
        Não adianta tocar sempre a mesma música no seu sax, sua flauta ou seu trombone, amigo. É preciso variar som, tom e melodia. Já a mulher deve explorar melhor seu território. Quantas nem sabem quantos buracos têm?
        Aliás, em vez de ficar elogiando e prestando tanta atenção no órgão deles, Wolf sugere que nós (quero dizer, vocês, gatas) paremos de subestimar a importância que eles dão às nossas vaginas.
        E há razões para isso. O orgasmo romperia as barreiras do ego. A sensação de bem-estar pós-sexo libera opioides na forma de dopamina e oxitocina no cérebro. A oxitocina inibe o medo. Aplicada em ratas de pradaria, as faz encontrar parceiros logo.
        Não quer dizer que você deva sair se injetando hormônios. Mas é bom difundir o dado de que preliminares não são frescura. A mulher precisa de tempo para que o cérebro ative a central da lubrificação, do relaxamento muscular, de procedimentos que vão prepará-la ao orgasmo.
        Com ele em andamento e ela em estado alterado de consciência, centros que regulam o comportamento no cérebro deixam de funcionar. Isso tira inibições da mulher.
        HUMILHAÇÃO
        Wolf argumenta que, após visitar campos de refugiados em Serra Leoa, em 2004, concluiu que estupros em massa não são feitos apenas para "danificar estruturas pélvicas das mulheres pelo prazer do ato". Mas... peraí: o estupro em guerras sempre foi instrumento de humilhação e para eliminar o inimigo pela raiz.
        É aí, do segundo terço para o final do livro, que começa uma encheção de linguiça sobre a afirmação masculina nada ter a ver com sexo.
        Relatos sobre o obsceno, o afetivo, as tragédias da Inquisição, a xoxota dissecada por vários ângulos, de Cleópatra às mulheres de Henry Miller, o amor cortês, cintos de castidade, a retenção anal vitoriana, está tudo explicadinho com notas de rodapé de eminentes fontes, como convém a um título pretensioso que deseja esgotar o tema.
        Mas não vamos deixar que a onipotência de Wolf leve a melhor, né? Nem que abuse de expedientes soporíferos.
        Quanto mais livros como "Vagina" e menos sobre princesas encasteladas melhor. Mas não é preciso chegar ao ponto de bradar injustiça sobre mulheres brilhantes raramente aparecerem como seres sexuais, e então listar nomes de que nunca ouvimos falar para provar o ponto.
        Quem são Christina Rossetti, Kate Chopin, Emma Goldman? Que eu saiba, Bill Gates, Warren Buffett, Steve Wozniak, vários homens brilhantes também não são grandes Casanovas. Sei não, talvez Naomi Wolf precise dar umazinha para relaxar.
        VAGINA
        AUTORA Naomi Wolf
        TRADUÇÃO Renata S. Laureano
        EDITORA Geração Editorial
        QUANTO R$ 49,90 (367 págs.)
        AVALIAÇÃO bom
          VERGONHA TROPICAL
          Capa da edição brasileira vai de lírio 'suave'
          Como vender um livro que tem por título uma palavra da qual, para sua autora, se tem vergonha? A capa brasileira traz uma mulher nua, com um piercing no umbigo, segurando um lírio. Para o editor Luiz Fernando Emediato, a capa "é bonita e suave. No nosso país, com tanta praia, não temos problema com o corpo feminino".

            José Simão

            folha de são paulo
            Ueba! Hoje é Sábado Friday!
            E notícia com corrupção tucana é tudo 'suposto'. PSDB quer dizer Partido Suposto Do Brasil! Rarará!
            Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Hoje é Sábado Friday! Ressaca da Black Fraude: ou o site das lojas travam ou não tem no estoque! E uma amiga acha que comprou um celular. Mas não tem certeza, não recebeu confirmação da compra até agora!
            E Black Friday no São Paulo: "Promoção! Luis Fabiano com 100% de desconto". E Black Friday no Congresso: "Deputados vendem apoio por 50% das verbas. Só hoje! Fale com o líder da bancada".
            E uma amiga tentou comprar um liquidificador, passou horas preenchendo coisas no site e na finalização da compra: não tem no estoque! E aí ela guardou o dinheiro e vai gastar tudo em churros! Rarará!
            E essa: "Condenadas no mensalão tomam banho de sol na Papuda". Faz mal! Tomar banho de sol na Papuda faz mal. E pra que essa notícia? Virou "Big Brother", agora?
            E o Dirceu gerente de hotel? Todo hóspede vai perguntar: "Tem cofre no quarto?". Não tem cofre nem seguro. Aventura radical!
            E o Dirceu vai trabalhar no lobby, como sempre! E o Delúbio vai ficar no caixa! E como disse uma amiga: só falta o hotel virar ponto turístico e ser tombado pelo Iphan! O Zé Dirceu devia ser gerente do hotel do "O Iluminado"! Já imaginou se encontrar no corredor com o Dirceu e as gêmeas? Rarará!
            E com aquele sotaque caipira, o Zé Dirceu devia ser gerente do Sítio do Picapau Amarelo! Rarará!
            E adorei a charge do Xalberto com o Alcksiemens rebatendo as denúncias de cartel: "Vamos investigar tudo, doa a quem doer! AAAAIIIIIII". Rarará.
            E notícia com corrupção tucana é tudo "suposto". Supostos tucanos praticaram suposto roubo chamado suposto cartel no suposto metrô! PSDB quer dizer Partido Suposto Do Brasil! Até o partido é suposto! Rarará!
            É mole? É mole, mas sobe!
            E o helicóptero do senador Zezé Esparrela? "Deputado Gustavo Perrella, piloto e copiloto não sabem das drogas!" Ninguém sabe! O pó entrou e se escondeu. O culpado é o pó! O culpado é o helicóptero!
            É que deixaram o helicóptero vários meses sem limpar e juntou 400 quilos de pó! Ou então era um carregamento de areia pra fazer uma praia em BH! Rarará!
            Como disse um amigo meu: é tudo farinha do mesmo helicóptero. Rarará!
            Nóis sofre, mas nóis goza!
            Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

              Painel das Letras - Raquel Cozer

              folha de são paulo

              Pelas beiradas

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              Sem ambição de crescer como as concorrentes Livraria Cultura e da Vila, a Livraria Martins Fontes Paulista se expande em São Paulo. A rede acaba de fechar contrato com a Universidade Anhembi Morumbi para assumir, em janeiro, os pontos de venda dos campi Brás, Morumbi, Paulista e Vila Olímpia. Substitui a Horizonte, que ficou conhecida nos anos 1980 com charmosa loja de rua no Itaim Bibi e agora encerra operações.
              Com os novos endereços, a Martins Fontes Paulista terá sete unidades --ou oito, a se confirmar o projeto de assumir as vendas no Centro Universitário Senac, em Santo Amaro. "Não queremos virar uma grande rede, aceitamos os convites por termos atuação forte na área acadêmica", diz o dono, Alexandre Martins Fontes.
              Clube literário
              Editor de projetos ambiciosos, como o plano (em andamento) de montar uma réplica da prensa móvel de Gutenberg, Vanderley Mendonça inaugura no próximo dia 12, no centro de São Paulo, o clube literário Hussardos.
              O espaço ocupará o segundo andar de um prédio perto do metrô Praça da República e incluirá nada menos que biblioteca, livraria, editora, agência literária, ateliê de impressão, espaço para cursos de produção gráfica e oficinas literárias, café e bar.
              O editor dos selo Demônio Negro e Edith interrompe, com isso, a parceria com espaço similar, a livraria e editora Intermeios, em Pinheiros.
              Cheiros
              Divulgação
              O terceiro livro da série de Arthur Nestrovski e Marcelo Cipis (ilustrações) sobre os sentidos, 'Pelo Nariz', será publicado pela Cosac Naify em janeiro, com projeto gráfico em que o texto brinca com as imagens.
              Retorno
              Depois de James Bond, criado por Ian Fleming, ressuscitar pelas mãos do escritor William Boyd, outro personagem de thriller reviverá após a morte de seu autor. Philip Marlowe, detetive das obras de Raymond Chandler (1888-1959), protagoniza "The Black-Eyed Blonde", que a Rocco lança em 2014.
              Retorno 2
              O policial será assinado por Benjamin Black, pseudônimo do irlandês John Banville. Marcará a volta do personagem após 25 anos. A última aventura, que Chandler deixou incompleta, foi concluída por Robert B. Parker em 1989.
              A grande fome
              Textos de John Fante (1909-1983) inéditos em português, publicados entre 1932 e 1959, compõem "The Big Hunger", que a José Olympio acaba de adquirir. Mostram de um autoindulgente Fante juvenil a um autor maduro, interessado em questões imigratórias.
              Guia
              A LeYa lança na quarta-feira, na entrega do Prêmio Portugal Telecom, "O Livro das Palavras", organizado por José Castello e Selma Caetano. Terá fotos, biografias, entrevistas e fortuna crítica dos 27 vencedores desde 2003, como Chico Buarque, Valter Hugo Mãe e Mário Chamie.
              Outros tempos
              Esteban Volkov, neto de Leon Trótski (1879-1940), vem ao Brasil em 2014, em data a definir, encontrar o cubano Leonardo Padura, de quem a Boitempo lança agora o romance "O Homem que Amava os Cachorros". Será o primeiro encontro de Volkov, diretor de museu sobre o avô no México, com o autor do thriller sobre a morte do líder soviético. Volkov é citado no livro.
              A seu tempo
              Outro retrato do regime soviético, desta vez de seu fim, em 1991, surge nas memórias "Alles zu seiner Zeit" (tudo a seu tempo), de Mikhail Gorbachov, 82, último presidente da URSS. "Tive sorte. Bati nas portas da história e elas me foram abertas", ele escreve no livro, adquirido pelo selo Amarilys.
              Digital
              A Companhia Editora Nacional ingressa no digital com certo atraso, mas promete, em vez dos descontos padrão de 30%, abatimentos de até 70% em e-books. É o caso de "Império dos Apps", de Chad Muretta. De R$ 37,90 em papel, sai a R$ 11,90 no digital.
              Digital 2
              Para as tiras de "Calvin & Haroldo", que estrearam no digital neste mês nos EUA, o grupo CEN (que edita HQs no selo Conrad) planeja e-books interativos.
              painel das letras
              Raquel Cozer é jornalista especializada na cobertura de literatura, mercado editorial e políticas de livro e leitura. É colunista e repórter da "Ilustrada", na Folha, desde 2012, com passagem anterior pelo caderno de 2006 a 2009. Foi repórter do "Sabático", no "Estado de S. Paulo", e do jornal "Agora", do Grupo Folha. Também trabalhou nas editoras Abril, Globo e Record. Escreve a coluna Painel das Letras, aos sábados.