sábado, 30 de novembro de 2013

Os infiéis na política - Helio Schwartsman e Fernando Rodrigues

folha de são paulo
Infiéis
SÃO PAULO - O Ministério Público pediu a cassação de 13 deputados infiéis. Esse é um assunto do qual o Judiciário e esferas cognatas deveriam passar o mais longe possível, pois todas as vezes em que intervieram com o objetivo de melhorar a situação acabaram piorando-a.
A infidelidade partidária é decerto algo a lamentar. Mas não é difícil perceber que o fenômeno é muito mais sintoma de disfunções em nosso sistema político do que sua causa. Não obstante, o Supremo decidiu, em 2007, que o mandato de parlamentares escolhidos em eleições proporcionais pertence à legenda e não ao deputado ou vereador.
Eu até aderiria a essa lógica se o eleitor de fato prestasse atenção a partidos na hora de depositar seu voto. Tenho, porém, a nítida impressão de que o que ocorre é justamente o contrário. Embora existam exceções, a pessoa do candidato tende a ser muito mais decisiva do que a sigla. Só por isso, a medida já mais falseia do que preserva a vontade do eleitor.
Para agravar ainda mais o quadro, o STF estabeleceu algumas situações em que a mudança é considerada legítima, permitindo que o parlamentar se bandeie sem perder o mandato. Elas incluem guinadas ideológicas da cúpula partidária, perseguição ao mandatário e, estranhamente, o surgimento de novas legendas.
Essas cláusulas de exclusão contribuíram para judicializar ainda mais a disputa política no país, já que agora os tribunais eleitorais precisam debruçar-se até sobre casos de filiação e desfiliação partidária. Mas, não satisfeito com a lambança, o STF determinou em 2012 que parlamentares trânsfugas que se instalam em siglas novas não apenas conservam o mandato como levam para o novo lar sua cota de tempo de TV e recursos do fundo partidário. Com isso, criou o mercado de legendas zero quilômetro e até estimulou o troca-troca que pretendia impedir.
Nem todo problema pode ser resolvido por leis e resoluções.
helio@uol.com.br
    FERNANDO RODRIGUES
    Os infiéis na política
    BRASÍLIA - Entre suas várias anomalias, o sistema político no Brasil costuma remeter para a Justiça casos de deputados e senadores infiéis aos seus partidos. É um traço marcante do subdesenvolvimento democrático do país.
    Numa democracia consolidada, um juiz não seria chamado para punir um deputado que troca de legenda. Aqui, está na lei. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, acaba de decidir enviar à Justiça uma dezena de ações pedindo a cassação de congressistas infiéis.
    Sem querer parafrasear o PT, que tem culpado o "sistema" pelos seus erros, o que ocorre nesse caso de políticos infiéis é uma mistura de regras disfuncionais com excesso de imbricação entre dinheiro público e partidos.
    É nula a chance de esse cenário se alterar no curto prazo. Mas um episódio assim --a possível cassação de muitos mandatos por infidelidade-- convida a refletir sobre qual rumo poderá, quem sabe, ser tomado pelo país no futuro.
    A lógica atual é simples. Nenhum político se elege sozinho. Precisa do partido, que dá dinheiro e tempo de rádio e de TV. Logo, nada mais natural do que cobrar fidelidade de quem vence a eleição e está exercendo um mandato.
    Tudo bem. A ideia é fortalecer os partidos políticos. Só que esse modelo existe há décadas. Ao contrário de siglas sólidas, a maioria é cada vez mais frágil. Algo está muito errado. O DNA do problema é a extrema facilidade com que se monta uma nova agremiação para receber dinheiro público e acesso a outros benefícios. Reforma ampla nunca virá. Uma medida mais simples seria a cláusula de desempenho: só partidos com pelo menos 3% dos votos teriam amplo acesso a dinheiro público e ao rádio e à TV. Mas nem isso parece ter chance de prosperar no Congresso.
    Assim, resignemo-nos. A Justiça permanecerá ainda muito tempo cassando deputados infiéis.
    fernando.rodrigues@grupofolha.com.br

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