domingo, 24 de novembro de 2013

Avaliação generosa engorda salário de servidores em SP

folha de são paulo
Notas altas permitem que alguns funcionários mais do que dobrem vencimentos
De cada dez servidores cobertos pelo sistema, oito ganharam 90% ou mais do prêmio máximo pago pelo governo
ÉRICA FRAGA MARCELO SOARESDE SÃO PAULOUm sistema generoso de avaliação do desempenho dos funcionários públicos do Estado de São Paulo tem permitido que alguns servidores estaduais consigam mais do que dobrar seus salários.
Dos 570 mil funcionários públicos do Estado, cerca de 100 mil recebem prêmios de remuneração variável. Eles aumentaram sua renda mensal em 26% em junho.
Servidores com cargos administrativos e técnicos na Secretaria da Fazenda são os que tiveram maiores ganhos. Em média, eles quase dobraram sua remuneração.
Os salários dos funcionários públicos são inflados por notas elevadas que recebem de seus chefes por seus resultados no trabalho.
Oito em cada dez funcionários que receberam remuneração variável em junho atingiram 90% ou mais do valor máximo de prêmio estipulado para seus cargos. Ou seja, o desempenho da vasta maioria é considerado ótimo.
Os dados foram obtidos pela Folha por meio da Lei de Acesso à Informação.
O Estado começou na década de 90 a adotar prêmios de remuneração variável individual para melhorar a qualidade do serviço público em São Paulo. Mas os governos do PSDB têm ampliado esses programas. Dos 11 prêmios em vigor, quatro foram instituídos nos últimos três anos.
Os programas do governo se diferenciam dos sistemas de remuneração variável da iniciativa privada, que, segundo especialistas, são caracterizados por grande variação das notas recebidas.
Em muitas empresas, os chefes não podem repetir a mesma nota para dois funcionários da mesma área. Além disso, empregados cujo desempenho é mal avaliado podem não receber nada.
Folha não teve acesso aos dados de servidores que ficaram sem receber o prêmio destinado à sua área pelo governo paulista. Mas, em alguns casos, as regras permitem que qualquer servidor que não tenha faltado sem justificativa ou sofrido punição administrativa ganhe um percentual de renda variável.
O Prêmio de Desempenho Individual (PDI) estabelece, por exemplo, que funcionários que tenham trabalhado, pelo menos, dois terços do tempo considerado na avaliação e não tenham sofrido punição administrativa garantam 50% do prêmio mesmo se tiverem recebido avaliação inferior a esse percentual.
O PDI foi instituído em 2012 para funcionários com cargos administrativos em diversas áreas do governo que não recebam outro tipo de prêmio.
Embora seja chamado de Prêmio de Produtividade, o programa da Fazenda destinado a agentes fiscais deslocados para outras funções paga a remuneração variável de acordo com o cargo exercido pelo funcionário e não com o seu nível de eficiência, de acordo com a assessoria de imprensa da secretaria.
Os prêmios recebidos por esses servidores em junho variaram entre R$ 5.604 e R$ 6.199. Já entre 1.816 agentes fiscais que atuavam na fiscalização direta de tributos, apenas 34 receberam menos do que o teto de R$ 4.649 do prêmio destinado à área.
Segundo a Fazenda, o valor máximo do prêmio pago aos fiscais fica abaixo da sua produtividade mensal, medida por critérios como número de autuações feitas.
    Governo atribui notas elevadas a esforço de servidor
    Davi Zaia, secretário de Gestão Pública, diz que o governo tem buscado aprimorar o sistema de avaliação
    Pagamento mensal de prêmios pode ser encarado como complemento salarial, afirma especialista
    DE SÃO PAULOUm maior esforço por parte dos funcionários públicos é a explicação dada pelo governo de São Paulo para o bom desempenho da maioria dos servidores nos programas de avaliação individual.
    "Nós notamos que hoje o servidor está mais preocupado com seu desempenho", disse Davi Zaia, secretário de Gestão Pública da administração estadual paulista.
    Zaia ressaltou que os programas de avaliação de desempenho são recentes e que existe uma preocupação do governo em aperfeiçoá-los.
    Ele citou que os servidores responsáveis pelas notas de seus subordinados têm recebido treinamento para que as avaliações sejam "cada vez mais criteriosas".
    Mas, segundo o secretário, não existe uma visão no governo de que "tem que ter x% [dos funcionários] bem avaliados e x% mal avaliados".
    Em nota enviada à Folha, a Procuradoria Geral do Estado (PGE) --que paga um prêmio a servidores com cargos administrativos-- também atribuiu a ótima avaliação média da área ao esforço feito pelos funcionários: "O impacto dessas avaliações influi de maneira direta no desempenho dos avaliados".
    Nos Estados Unidos, um programa de remuneração variável implementado em meados da década passada para servidores públicos federais em cargos executivos foi reformulado porque a maioria dos funcionários tinha avaliações muito altas.
    A média das notas por área passou a ser monitorada de perto pelo governo.
    No caso de São Paulo, além das notas altas, outra característica do programa de avaliação vista com reticência por analistas é o pagamento mensal de prêmios, embora as avaliações não ocorram com essa frequência.
    No Plano de Desempenho Individual, por exemplo, é feita uma avaliação anual que determina o valor que o funcionário receberá durante os 12 meses seguintes.
    Na Fazenda (Prêmio de Incentivo à Qualidade) e na PGE, a análise do desempenho dos servidores é semestral e, no caso da Saúde (Prêmio Incentivo), é trimestral.
    "O risco, nesses casos, é que o prêmio acabe sendo encarado como complemento salarial", afirma Nelson Marconi, professor da FGV/SP.
    Ele ressalta que esse processo pode levar os chefes a hesitarem em reduzir a nota de um servidor. "Reduzir o prêmio depois de um ano inteiro é como cortar o salário".
    CRITÉRIOS
    A dificuldade do gestor em dar nota aos empregados pode ser acentuada pela falta de critérios claros de avaliação.
    Segundo Zaia, os servidores não precisam atingir metas específicas no caso dos prêmios de avaliação.
    Para Márcia Almström, diretora de recursos humanos do ManpowerGroup, para que os programas de remuneração variável funcionem bem precisam ser atrelados a metas mensuráveis.
    "A falta de critérios mensuráveis aumenta a subjetividade das avaliações", diz.
      Nota média alta pode frear busca por melhora
      DE SÃO PAULOO risco de um sistema em que a maioria dos funcionários recebem notas altas e parecidas é que eles não se empenhem para melhorar a qualidade de seu trabalho, segundo especialistas.
      O pagamento de remuneração variável no setor público é visto por analistas como positivo desde que exista um sistema de avaliação que premie, de fato, os que apresentaram melhor desempenho.
      "Se quase todos recebem nota próxima e elevada, o caráter de renda variável é descaracterizado. Isso pode inibir a busca por melhor desempenho", diz Elaine Saad, gerente-geral da YSC, especializada em desenvolvimento profissional.
      Segundo Saad, a forma como os programas de remuneração variável são estruturados é fundamental para motivar os funcionários avaliados. "Regras e critérios que realmente estimulem os funcionários são necessários", diz ela, que também é vice-presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos.

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