domingo, 24 de novembro de 2013

Mauricio Stycer

Folha de são paulo
Como ser crítico de televisão
'As pessoas acham que o crítico tem prazer em dizer que a coisa é ruim. Não. É uma tristeza', diz Heliodora
A onda de intensa criatividade vivida pela televisão americana nos últimos 15 anos deu novo impulso, como não poderia deixar de ser, a uma antiga atividade, quase sempre vista como menor: a de crítico de TV.
Não há hoje veículo importante na mídia americana, impresso ou on-line, sem um crítico titular especializado. Uma associação de críticos, que concede um prêmio anual (TCA) aos melhores da indústria, conta com 200 representantes.
Os seriados mais populares, exibidos uma vez por semana, estimularam o desenvolvimento de um subgênero, hoje incorporado ao trabalho dos principais profissionais. É o chamado "recap". Ao final de cada episódio das séries de sucesso, críticos escrevem longos textos, recapitulando, esmiuçando e analisando o que o público acabou de ver na tela.
Essa arte de dissecar episódios alcançou o seu ápice na reta final de "Breaking Bad". Uma reportagem do "Wall Street Journal" mostrou que os sites das principais publicações se viram obrigados a destacar pelo menos um crítico e/ou blogueiro para fazer o "recap" dos últimos capítulos da série, para não ver a audiência migrar para a concorrência.
O sucesso desses textos escritos à quente, no final da noite, levou Matt Zoller Seitz, crítico da revista "New York" e do site "Vulture", a alertar que não se deve entender o trabalho do crítico de TV como sinônimo de escrever "recaps".
Em um longo texto sobre o assunto, intitulado "Nunca houve uma época tão boa para a crítica de TV", o também editor-chefe do site "RogerEbert.com", diz: "Fui crítico de cinema por 20 anos e há 15 escrevo simultaneamente sobre cinema e TV. Nunca vi nada tão inovador e vibrante como o que muitos de meus colegas, críticos de TV, vêm fazendo nos últimos anos".
Maureen Ryan, crítica do "Huffington Post", fez uma observação bem-humorada, mas muito sagaz, sobre uma das consequências deste bom momento: "Você aprende duas coisas assim que vira crítico de televisão. Primeiro, todo mundo acha que você tem um trabalho incrível. Segundo, quase todo mundo acha que pode fazer o seu trabalho".
No texto, "Como ser um crítico de TV", Ryan aponta cinco problemas que afetam o seu cotidiano. Vou reproduzi-los, de maneira sintética.
1. Você perde boa parte do seu tempo vendo porcaria na TV. 2. O diálogo com os leitores, pela internet, é ótimo, mas também pode ser cansativo por conta de comentaristas mal-intencionados. 3. É preciso aceitar que, mesmo com recursos de gravação e conteúdo on-line, você nunca será capaz de assistir a tudo que quer. 4. É triste constatar que muitos programas que você admira fracassam e são cancelados por falta de audiência. 5. As pessoas que trabalham na TV nem sempre reagem bem ao que você escreve.
Concordo com os cinco pontos. Sobre este último, em particular, acho curioso ainda ouvir a acusação de que sou pago para falar mal. Esta semana, por exemplo, Walcyr Carrasco considerou que errei ao interpretar em meu blog no UOL uma determinada cena de sua novela, "Amor à Vida", e mandou: "Falar mal faz parte do seu contrato".
Dedico a ele (e a outros ofendidos) as palavras de Barbara Heliodora, crítica teatral, ativa e precisa aos 90 anos de vida: "As pessoas acham que o crítico tem prazer em escrever uma crítica dizendo que a coisa é ruim. Não. É uma tristeza".

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