sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Crescimento e violência, o paradoxo da América Latina

El País

Sandro Pozzi
Em Nova York (EUA)

  • 13.nov.2013 - Bruno Gonzalez / Agência O Globo
    Polícia Civil do Rio de Janeiro durante operação no complexo de favelas da Maré, na zona norte da cidade
    Polícia Civil do Rio de Janeiro durante operação no complexo de favelas da Maré, na zona norte da cidade
Ninguém discute o sucesso da América Latina em tirar milhões de pessoas da pobreza. Um esforço elogiado pelo Banco Mundial e pelo FMI (Fundo Monetário Internacional), que está permitindo emergir uma nova classe média que aspira e exige mais de seus governantes. E também pela ONU.
E, apesar dos avanços econômicos e sociais, é a região mais desigual e insegura do mundo.
De acordo com os dados do Programa para o Desenvolvimento (Pnud), mais de 30% dos latino-americanos têm que ser criativos para viver com menos de US$ 4 por dia (cerca de R$ 9,30); 16% da população vive na extrema pobreza, com menos de US$ 2,50 por dia; 30% são considerados parte da classe média; e 2% são ricos.
É verdade que a brecha da desigualdade de renda diminuiu na última década em 16 dos 18 países da região. Mas, dos 15 países com mais desigualdade do mundo, dez se encontram na América Latina. E há também um paradoxo: na última década, a região não só foi cenário de uma grande expansão econômica, como também de uma expansão da criminalidade.
A insegurança, insiste a ONU, é um desafio compartilhado e um obstáculo para o desenvolvimento social e econômico em todos os países da América Latina. O último relatório de desenvolvimento humano reflete com novos dados como o crime e a violência impactam a região. Há um dado que permite visualizar a dimensão de um problema crescente: mais de 100 mil assassinatos por ano.
Quer dizer, enquanto a região foi um motor do crescimento mundial, mais de 1 milhão de pessoas morreram assassinadas entre 2000 e 2010. O Pnud denuncia que, em mais da metade dos países analisados, o índice de homicídios aumentou, inclusive nos que têm menores níveis de pobreza. Onze países superam os dez assassinatos por 100 mil habitantes, um nível "epidêmico".
O relatório elaborado pelo departamento dirigido pelo chileno Heraldo Muñoz, sob a supervisão de Rafael Fernández de Castro, mostra que cinco em cada dez cidadãos percebem uma deterioração da segurança em seu país. Os casos de roubo, por exemplo, triplicaram nos últimos 25 anos. É o crime que mais afeta os latino-americanos.
Além disso, um em cada três habitantes da região indicou ter sido vítima de um crime com violência em 2012. Essa percepção crescente da insegurança explica, por exemplo, que na América Latina existam 3,8 milhões de vigilantes privados, 50% a mais que agentes de polícia. São os mais armados do mundo. O crescimento da contratação de guardas de segurança é de 10% ao ano.
A crescente insegurança, como diz o Pnud, faz com que os cidadãos tenham de trocar sua rotina para evitar ser vítimas do crime, o que restringe suas liberdades. Entre 45% e 65% dos pesquisados --dependendo do país-- deixaram de sair à noite e 13% falam na necessidade de mudar de residência, o que equivale a 58,8 milhões de pessoas, aproximadamente.
A mensagem da ONU é resumida da seguinte maneira pela administradora do Pnud, Helen Clark: "Sem paz não pode haver desenvolvimento, e sem desenvolvimento não pode haver uma paz duradoura". "Esse grave problema tem remédio", acrescenta Heraldo Muñoz, mas explica que "exige visão e vontade política em longo prazo". "Não há soluções mágicas", acrescenta.
O desafio, segundo Fernández de Castro, é maior porque as ameaças à segurança se entrecruzam. Costuma-se referir ao narcotráfico para explicar o atual nível de insegurança na América Latina. Mas, como indica o especialista do Pnud, as dinâmicas regionais, nacionais e locais são muito mais diversificadas. Ele também aponta que a política da "mão dura" não funciona.
Talvez o primeiro passo que se poderia dar nesse sentido fosse acabar com a politização que sofre o problema da insegurança, estabelecendo cada país um Acordo Nacional pela Segurança Cidadã entre governo, partidos políticos e sociedade civil. Quer dizer, como indica o embaixador, trata-se de "transformar" a segurança em uma política de Estado.
A ONU faz assim outras recomendações, que vão além das medidas de controle do crime. Para conseguir uma redução duradoura da insegurança, além de promover um crescimento "includente e equitativo", defende-se reduzir a impunidade fortalecendo a eficácia das instituições de segurança e justiça e políticas públicas que estimulem a convivência.
A isso se somam ações como regular e reduzir de uma perspectiva integral e de saúde pública o que chamam de "gatilhos do crime", como o álcool, as drogas e as armas. Isso enquanto se elevam as oportunidades reais de desenvolvimento humano para os jovens, se previne a violência de gênero e se protegem ativamente os direitos das vítimas.
O estudo também menciona o que qualifica como "crime de aspiração", derivado do aumento das expectativas de consumo e relativa falta de mobilidade social na região. O crescimento rápido e desordenado das cidades, junto às mudanças na estrutura familiar e aos problemas de escolarização, acrescenta a ONU, geram condições que incidem na criminalidade.
A ONU dá números ao impacto econômico da insegurança. A organização calcula que "o excesso de mortes" reduz em 0,5% o potencial da região, o que equivale a cerca de US$ 24 bilhões anuais. A isso se soma a redução da expectativa de vida. Sem contar o alto custo do crime e da violência para as contas públicas.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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