domingo, 3 de novembro de 2013

Editoriais FolhaSP

folha de são paulo
Além das letras
Baixa qualificação condena jovens a desemprego e piores postos de trabalho; reversão do ciclo exige mais que ações de redistribuição de renda
Pelo Censo de 2010, 5,3 milhões de jovens de 18 a 25 anos não estudam nem trabalham. Além da denominação pejorativa de geração "nem-nem", essa condição aniquila as perspectivas de ascensão pessoal de forma que nenhum Bolsa Família poderá compensar.
Em entrevista a esta Folha, o economista Richard Murnane, da Universidade Harvard (EUA), afirmou com propriedade que "a percepção de que os pobres sempre serão pobres é uma ameaça à democracia". Esse ciclo de reprodução da penúria pode ser atenuado com programas de distribuição de renda, mas só será interrompido com avanços na qualidade do ensino, na escolaridade e na qualificação.
O mercado de trabalho nos dias de hoje, reitera Murnane, exige profissionais bem letrados. Vale dizer, trabalhadores com vocabulário amplo o suficiente para encontrar, entender e selecionar, no vasto cabedal de conhecimento disponível nos computadores, os dados para compor a solução de problemas. Já se foi o tempo em que lhes bastava saber ler manuais.
Aquela aptidão poderia ser perfeitamente adquirida no ensino médio ou em escolas técnicas. E é aí, com efeito, que se encontra o ponto nevrálgico do sistema educacional brasileiro, o que ajuda a explicar que a taxa de desemprego entre jovens de 15 a 24 anos (14,5% em 2011) ultrapasse o triplo da observada entre os acima de 25 anos.
Só 52% dos brasileiros de 15 a 17 anos estavam cursando o ensino médio, como deveriam, em 2011. Jovens de 19 anos que haviam concluído essa etapa eram apenas 51%. E, dos que se formam, menos de 30% adquirem a formação satisfatória em português; em matemática, são meros 10%.
Não admira que o Brasil figure tão mal nos rankings do Pisa, exame internacional padronizado que se realiza em mais de 60 países.
Embora o governo federal propagandeie que os secundaristas brasileiros foram os que mais avançaram entre 2000 e 2009 na prova trienal, a média de 401 pontos nos deixa muito abaixo do escore dos países desenvolvidos (OCDE), 496, e atrás de Chile (439) e México (420). Quando se excluem as escolas privadas e os colégios federais, o nível cai mais, para 387 pontos.
A baixa qualificação desses estudantes os condena ao desemprego ou, quando encontram trabalho, aos piores postos. Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) com dados oficiais de 1996 a 2010 mostra que são vítimas sobretudo de muitos desligamentos --e não são substituídos por adultos, mas por outros jovens mal qualificados.
Não é novo o diagnóstico de que o ensino médio não dá aos jovens um futuro nem forma os trabalhadores de que o país precisa. Também não é novidade que o poder público faz muito menos do que deveria para saldar essa dívida.
    EDITORIAIS
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    Falso impasse na internet
    Mais uma semana terminou sem que a Câmara dos Deputados tenha sido capaz de aprovar o Marco Civil da Internet. O projeto está pronto há mais de um ano e sua votação já foi adiada diversas vezes.
    Nem o fato de a proposta tramitar em regime de urgência e ter passado a impedir que o plenário da Câmara delibere sobre outras proposições foi suficiente para que os deputados se sentissem compelidos a cumprir sua obrigação.
    A importância do projeto, no entanto, pode ser facilmente percebida pelo epíteto que o acompanha. Trata-se, segundo especialistas no assunto, de uma espécie de Constituição da internet. Seu propósito é estabelecer princípios, garantias, direitos e deveres para o ambiente virtual. Vale para usuários, provedores e agentes públicos.
    De ONGs ligadas à comunicação a associações científicas, passando por sindicatos, por entidades internacionais e pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil, um sem-número de atores envolvidos com a rede de computadores mobilizou-se a favor do Marco Civil.
    Permanece o impasse, contudo. Do ponto de vista conceitual, o nó mais apertado está na chamada neutralidade de rede --princípio segundo o qual a qualidade do serviço oferecido pelo provedor não pode ser alterada em função do conteúdo acessado pelo usuário.
    Sem a neutralidade, nada impedirá que o provedor de acesso (empresas de telecomunicações) cobre mais caro ou dificulte a vida de quem quiser utilizar a internet, em substituição ao telefone, para chamadas à distância --para dar um exemplo óbvio.
    Enquanto especialistas sempre disseram que, sem a neutralidade, a internet será bem diferente --e pior-- do que é hoje, executivos das empresas de telecomunicações insistiam que tal princípio tolhe a liberdade do usuário --que não pode, por exemplo, pagar menos para acessar apenas e-mails.
    Mais recentemente, as verdadeiras razões apareceram. Não se trata de debater a democracia, explicou Mario Girasole, executivo da TIM Brasil. "Aqui estamos falando do velho dinheiro", disse. "Simples assim. É business model'."
    É simples, de fato. São cerca de 100 milhões de usuários de internet no Brasil, uma parcela crescente da população. Há, de outro lado, um modelo de negócios que beneficia um punhado de empresas.
    Para representantes eleitos pelo voto da população, deveria ser simples sair desse impasse.

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