domingo, 3 de novembro de 2013

Marcelo Gleiser

folha de são paulo

A elusiva matéria escura

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No início da década de 1930, o astrônomo Fritz Zwicky, educado na Suíça e radicado nos EUA, observou o movimento das galáxias no aglomerado de Coma, situado a 321 milhões de anos-luz daqui. Um aglomerado é uma coleção de muitas galáxias, mantidas num volume relativamente pequeno devido à força da gravidade. O de Coma tem mais de 1000 galáxias identificadas.
Para sua surpresa, Zwicky descobriu que as galáxias moviam-se com velocidades bem superiores ao esperado. O "esperado" seria que os movimentos fossem devidos à massa das outras galáxias no aglomerado, ou seja, à massa visível, que produz luz. Usando sua tremenda intuição, Zwicky propôs que havia muito mais massa no aglomerado do que a visível por telescópios, chamando essa massa invisível de "dunkle materie", matéria escura. Desde então, astrônomos e físicos vêm tentando descobrir que matéria é essa.
Nas três últimas décadas, ficou claro que não só aglomerados de galáxias mas cada uma delas também têm, na sua maioria, um véu de matéria escura. Isto é confirmado de dois modos: como galáxias giram, astrônomos medem as velocidades de rotação de estrelas do centro até a extremidade da galáxia.
Se apenas matéria visível fosse responsável pela gravidade da galáxia, a lei de Newton prevê que a velocidade das estrelas diminui em direção à extremidade da galáxia. Não é o que é observado: vê-se que as velocidades permanecem constantes, como se mais massa envolve-se a galáxia como um casulo.
Outro modo de detecção da matéria escura usa um efeito da teoria da relatividade geral de Einstein, que diz que a presença de massa deforma a geometria do espaço. Nesse caso, tal como a luz que passa por uma lente tem sua trajetória modificada, a luz de uma fonte distante que passa perto duma galáxia também é desviada pela curvatura do espaço. Esse efeito, conhecido como "lente gravitacional", foi previsto por Einstein e observado de forma espetacular.
Juntando essas observações com medidas da expansão do universo, astrônomos e físicos chegaram a um resultado surpreendente: cerca de 25% da matéria no universo é constituída de matéria escura. O estranho disso tudo fica claro quando juntamos essas observações cosmológicas com a física das partículas elementares, que estuda as propriedades dos menores blocos de matéria, como elétrons e quarks: a matéria escura deve ser feita de partículas que não têm nada a ver com as que nós conhecemos. Ou seja, é um tipo novo de matéria, de composição inteiramente desconhecida.
Como viajamos pelo espaço repleto de matéria escura, volta e meia uma das partículas choca-se com a Terra (e com você). Nas últimas duas décadas, vários detectores foram construídos para catar uma dessas partículas de matéria escura.
Na semana passada, o mais sensível até aqui, o experimento LUX (do inglês Large Underground Xenon dark matter experiment - Grande experimento subterrâneo de detecção de matéria escura usando xenônio) publicou os resultados dos primeiros três meses de funcionamento: nada foi achado, o mesmo com todos os outros experimentos que buscam por matéria escura.
Mesmo que a caçada continue, é inevitável questionar se não estamos seguindo a pista errada; talvez a explicação seja outra? Modificações da gravidade foram propostas mas sem grande motivação. Por ora, o universo continua envolto em mistério.
Marcelo Gleiser
Marcelo Gleiser é professor de física e astronomia do Dartmouth College, em Hanover (EUA). É vencedor de dois prêmios Jabuti e autor, mais recentemente, de "Criação Imperfeita". Escreve aos domingos na versão impressa de "Ciência".

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