Em agosto deste ano, visitei pela Comissão da Verdade uma aldeia ianomâmi, para investigar as violações sofridas pelos indígenas durante a abertura da estrada Perimetral Norte, a partir de 1974.
Ao final do testemunho de quatro anciãos, Davi Kopenawa, um dos mais influentes pajés da aldeia, concedeu o depoimento que se segue.
Os ianomâmis e irmãos indígenas irão a Brasília no dia 2 para protestar contra a proposta de emenda constitucional 215, que retira do Executivo o poder de demarcar terras indígenas, em favor dos congressistas.
"Eu não sabia que existia governo. Veio chegando de longe até nossa terra: são pensamentos diferentes de nós. Pensamentos de tirar mercadoria da terra: ouro, diamantes, cassiterita, madeira, pedras preciosas. Matam árvores, destroem a terra mãe, como o povo indígena fala. Ela é que cuida de nós. Ela nasceu, a natureza grande, para a gente usar.
Eu não sabia que o governo ia fazer estradas aqui. Autoridade não avisou antes de destruir nosso meio ambiente, antes de matar nosso povo. Não só os ianomâmi: o povo do Brasil. A estrada é um caminho de invasores, de garimpo, de agricultores, de pescadores. Tiram 'biopirataria' sem avisar nós. Estradas que o governo construiu começaram lá em Belém, depois Amapá, Manaus, Boa Vista. Mataram nossos parentes waimiri-atroari. É trabalho ilegal. O branco usa palavra ilegal.
A Funai, que era pra nos proteger, não nos ajudou nem avisou dos perigos. Hoje estamos reclamando. Só agora está acontecendo, em 2013, que vocês vieram aqui pedir pra gente contar a história. Quero dizer: eu não quero mais morrer outra vez.
O governo local e nacional, deputados, senadores, governadores, todos têm que pensar como o governo vai nos proteger e não deixar mais destruir matas e rios e fazer sofrer os ianomâmis e outros parentes, junto com a floresta. O ambiente sofre também, junto com o índio.
Minha ideia: eu ando no meu país, o Brasil. Sou filho da Amazônia brasileira, conto para quem não sabe o sofrimento do meu povo. Não queremos que a autoridade deixe estragar outra vez. Se o governo quer fazer estrada na terra ianomâmi, tem que entrar e conversar com nós, junto com o Ibama. O governo Dilma está aprontando para estragar outra vez. Nosso povo não quer.
A autoridade tem que respeitar a Constituinte que o governo passado criou. O que fala a OIT, no papel, não pode mudar, não. Tem que ser respeitado.
Querem mudar o artigo 231. O projeto [de lei complementar] 227 vai permitir matar nós, não vai mais deixar demarcar terras de nossos parentes. O governo tem que completar o trabalho e demarcar as terras dos povos que ainda estão lutando. Demarcar as terras de quem ainda falta demarcar.
Martin Kovensky | ||
Hoje em dia, nós, lideranças, sabemos reclamar! Também precisa falar com outros governos do mundo que mandam estrangeiros virem destruir a natureza de nosso país. Não queremos aprovação de projetos de mineração no Congresso. Vamos passar fome quando não tiver mais árvores, peixes, água limpa. Belo Monte é morte, não é uma palavra bonita. Vai matar árvores, rios, índios, vida da terra.
Os brancos pensam que a floresta foi posta em cima do chão sem nenhum motivo. Pensam que a floresta é uma coisa morta. Isso não é verdade. Ela só fica lá, quieta no chão, porque os espíritos dos xapiripe tomam conta dos seres maléficos e seguram a raiva dos seres da tempestade. Sem a floresta, não teria água na terra. As árvores da floresta são boas porque estão vivas, só morrem quando são cortadas. Mas daí elas nascem de novo. É assim. Nossa floresta é viva, e se os brancos acabarem com nosso povo e com as matas, eles não vão saber orar em nosso lugar, vão ficar pobres e acabar sofrendo de fome e sede.
Queremos que nossos filhos e netos possam crescer achando nela seus alimentos. Nossos antepassados foram cuidadosos com ela, por isso está até hoje com boa saúde. Foi o governo que tirou nossa floresta, nossos rios e a vida dos irmãos. Tem que pagar indenização. Porque nossa vida vale mais do que ouro."
MARIA RITA KEHL, 61, psicanalista, é integrante da Comissão Nacional da Verdade
DAVI KOPENAWA, 57, é pajé da aldeia ianomâmi Watoriki. Recebeu o prêmio Global 500 da ONU
DAVI KOPENAWA, 57, é pajé da aldeia ianomâmi Watoriki. Recebeu o prêmio Global 500 da ONU
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