Um rosto comum
Estrelato tardio de Bryan Cranston, protagonista de 'Breaking Bad', pode servir de lição no Brasil
No site da revista "New Yorker" está disponível um vídeo de pouco mais de dois minutos, intitulado "A evolução de Bryan Cranston", com um resumo da carreira do ator. A primeira cena o mostra como garoto-propaganda de um remédio para hemorróidas, nos anos 80, e a última no papel de Walter White, o protagonista de "Breaking Bad".
Nos 25 anos que separam as duas imagens, Cranston fez de tudo um pouco, faturando algum dinheiro com publicidade, mas sem conseguir emplacar um único papel significativo, entre as dezenas que fez na televisão e no cinema.
Não fosse a fama atual, poucos lembrariam que viveu, em participações especiais, um conselheiro sentimental em "Matlock" (1991), um dentista que se converte ao judaísmo para contar piadas de judeu em "Seinfeld" (1997) ou um neurótico enrascado em "Arquivo X" (1998).
A primeira boa oportunidade só veio em 2000, quando interpretou o pai do protagonista na sitcom "Malcolm in the Middle". Foram seis temporadas, que renderam três indicações ao Emmy. Em 2007, finalmente, foi escalado para viver Walter White --"o papel que sem dúvida será a primeira linha do meu obituário", como diz à "New Yorker", no perfil de dez páginas que ganhou na edição de 16 de setembro.
Agora requisitado para o cinema (fez "Argo" e vai ganhar um bom dinheiro por sua participação no próximo "Godzilla"), Cranston está muito longe de ser um galã. Ao contrário, é um rosto comum.
Em um momento em que a legislação no Brasil estimula a produção de séries e programas de ficção para a TV paga, o estrelato tardio do protagonista de "Breaking Bad" é um caso interessante e mostra como é difícil encaixar o ator certo no papel justo para ele.
Para quem está escrevendo e dirigindo programas com produção independente, a escalação de elenco tem sido um tema complexo. Em primeiro lugar, existe uma restrição importante: atores vinculados à Globo por contrato não podem participar. Isso exclui do raio de ação não apenas os nomes mais famosos, mas também profissionais mal aproveitados pela emissora.
Essa dificuldade aparece em alguns bons projetos exibidos recentemente. Penso, por exemplo, em "O Negócio", que tem o selo de qualidade da HBO. A série, sobre o mundo da prostituição de luxo, tem ótima produção, bom roteiro, grandes personagens, e um elenco competente, mas sem brilho. O quadro é semelhante em "Beleza S/A", produção da O2, exibida pelo GNT, cuja história, ambientada em uma clínica estética, poderia ir mais longe com a ajuda de atores mais fortes.
Uma escalação que resultou perfeita foi a de Zé Carlos Machado para viver o protagonista da série "Sessão de Terapia", cuja segunda temporada começa no dia 7 de outubro, no GNT. Um "rosto comum", como Bryan Cranston, Machado tem sólida carreira no teatro, em São Paulo. Também fez alguns bons papéis no cinema, como em "Ação Entre Amigos", de Beto Brant, e "Casa de Alice", de Chico Teixeira.
O acerto da escalação de Machado mostra que é possível, ainda que possa parecer difícil, encontrar grandes atores para viver bons personagens na TV, ainda que não tenham feito nenhum papel relevante em novelas da Globo.
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