Pós-realismo fantástico dos games
Muita gente não gosta de videogames. É fácil entender o preconceito. A maioria dos jogos ainda tem personagens rasos de comportamento sexista, enredos banais, paisagens acinzentadas, interfaces feias e claramente artificiais. Esse tipo de jogo prende usuários a sofás e gera comportamentos que agravam o isolamento.
Mas esse cenário está para mudar. Da mesma forma que computadores e smartphones já foram mercados de nicho, a tecnologia permite que games estejam mais próximos do mundo real. O crescimento exponencial da capacidade de processamento --impulsionado por sensores baratos, novas tecnologias de resposta tátil, telas 3D, inteligência artificial --cria experiências mais imersivas, próximas de filmes como "Inception" e "Matrix".
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Novas interfaces deixam de lado a linguagem espartana dos primeiros jogos, mais utilitária do que estética, em nome de visuais menos excessivos, mais orgânicos e verossímeis. Operadas a partir de plataformas como Leap Motion, Eye Tribe, InteraXon Muse e Oculus Rift, não parecem reais.
Ao se expandir para além dos jogadores hardcore, a indústria segue o mesmo caminho dos aplicativos e dos serviços de internet, tornando-se mais amigável e aberta a novos públicos. À medida que seus usuários envelhecem, parcelas cada vez maiores da sociedade terão games em sua experiência cultural. E jogar poderá ser tão comum quanto assistir a filmes e ouvir música.
Ao se expandir para além dos jogadores hardcore, a indústria segue o mesmo caminho dos aplicativos e dos serviços de internet, tornando-se mais amigável e aberta a novos públicos. À medida que seus usuários envelhecem, parcelas cada vez maiores da sociedade terão games em sua experiência cultural. E jogar poderá ser tão comum quanto assistir a filmes e ouvir música.
Mas para isso é necessário melhorar a qualidade dos roteiros e papéis representados. Jogos de atiradores como "Call of Duty" não deverão morrer, mas serão um gênero.
A contribuição do usuário é, como sempre, essencial. Games ainda estão no estágio das produções da grande mídia, em que uma empresa dita as regras. À medida que novas ideias, roteiros e personagens passarem a habitar o ambiente dos games, poderemos ter uma riqueza digna de uma Wikipédia ou de um YouTube, com milhões de contribuições.
Já há protótipos imersivos, que em vez de criarem bolhas em torno de seus usuários, os integram à realidade. "Ingress", jogo desenvolvido pelo Google, incorpora dados de geolocalização com princípios de realidade aumentada. O projeto "IllumiRoom", da Microsoft, mapeia a sala em que o jogo acontece e projeta objetos e cenas no ambiente físico, misturando realidades.
Estamos caminhando para um futuro em que será difícil separar os jogos da realidade. Histórias fictícias, propaganda ideológica e anúncios publicitários ganharão recursos de inteligência artificial, proporcionando interações subliminares. O trânsito, o ambiente de trabalho e as relações afetivas poderão ser combinados, criando jogos coletivos, com resultados bons e ruins.
É preciso estar alerta para a intenção por trás de quem organiza os novos jogos. Da mesma forma que o gigantesco acesso ao conteúdo na internet trouxe a necessidade de examinar a reputação de quem gera conteúdo, em um mundo complexo e integrado de simulação é muito importante saber que jogo se pretende jogar e com quem.
Games conscientes e engajados podem ser um belo treino para resolver problemas psicológicos ou ganhar novas habilidades. Se mal usados, seus efeitos podem ser mais graves do que a pior das ideologias.
Luli Radfahrer é professor-doutor de Comunicação Digital da ECA (Escola de Comunicações e Artes) da USP há 19 anos. Trabalha com internet desde 1994 e já foi diretor de algumas das maiores agências de publicidade do país. Hoje é consultor em inovação digital, com clientes no Brasil, EUA, Europa e Oriente Médio. Autor do livro "Enciclopédia da Nuvem", em que analisa 550 ferramentas e serviços digitais para empresas. Mantém o blog www.luli.com.br, em que discute e analisa as principais tendências da tecnologia. Escreve a cada duas semanas na versão impressa de "Tec" e no site da Folha.
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