Vadia em construção
ISABELLE MOREIRA LIMA
FOLHA DE SÃO PAULO
ISABELLE MOREIRA LIMA
FOLHA DE SÃO PAULO
O que aconteceu com Miley Cyrus? Como se deu a transformação da garota doce e sorridente que deu vida à personagem infantil Hannah Montana no seriado da Disney (2006-2011) no furacão pelado e rebolativo de língua de fora? A pergunta ecoa na internet: nas redes sociais, nos sites de celebridades e até no Yahoo respostas.
As mudanças vêm sendo anunciadas há tempos. Mas foi neste ano que as ações de Cyrus se intensificaram: em dois meses, ela escandalizou com a performance de dança quase sexual no Video Music Awards da MTV, com o clipe em que aparece nua em cima de uma máquina de demolição e com um ensaio provocativo, os dois últimos assinados pelo polêmico fotógrafo de moda Terry Richardson.
Análise: De escândalo em escândalo, artista ganha mais espaço na mídia
"Senti que poderia finalmente ser a vagabunda que realmente sou", declarou no documentário "Miley: The Movement", exibido no começo do mês pela MTV norte-americana.
Há quem ache que a cantora é um desastre pronto para acontecer, algo que lembra outras ex-atrizes-cantoras mirins como Lindsay Lohan e Britney Spears.
Artistas escrevem cartas abertas com críticas -- a cantora irlandesa Sinnead O'Connor disse que a indústria da música estava "a prostituindo" e Sufjan Stevens, músico hipster norte-americano, ao analisar a letra de "Get It Right", sugeriu que Cyrus estudasse gramática.
Enquanto eles falam, ela vende. Chegou ao topo da Billboard com 270 mil cópias de seu álbum "Bangerz" comercializadas nos dias seguintes ao lançamento. Tudo o que faz vira notícia e sua carreira segue firme.
Prestes a fazer 21 anos (dia 23 de novembro), Cyrus reposiciona sua marca. A mudança é estratégica.
O empresário Anderson Ricardo, que foi responsável pela carreira do cantor Luan Santana, diz que a transição de Cyrus é natural, a forma como acontece é que assusta. "Todo artista que faz carreira para o público teen, em um momento, vai querer se voltar aos adultos. Passei isso com o Luan. O modo como ela faz é que parece forçação de barra. Há pouco tempo, a gente a via na Disney. Agora, ela fez um clipe pelada em cima de uma bola", diz em referência a "Wrecking Ball".
O risco, na avaliação do empresário, é enorme. O público inicial fica vulnerável e o novo pode não comprar a ideia. "Ela foi muito radical."
A professora de marketing da ESPM Mariana Bussab concorda que a transformação é abrupta, mas considera que o "timing" pede. "O mercado infantil já era. Talvez fosse a única forma de se recolocar."
A polêmica, diz Bussab, pode ser um negócio em si. "A Madonna é rainha nesse sentido. E para quantas gerações ainda é ícone? É uma estratégia, a de ver o circo pegar fogo, que pode dar certo."
A professora de antropologia da USP Heloisa Buarque de Almeida vê a nova Miley Cyrus como um personagem. "É uma nova Hannah Montana, mas não mais a menina boazinha. Uma coisa que cola muito na mídia é a hipersexualização", afirma.
Almeida diz que a estratégia não é nova e que Cyrus negocia com as regras da indústria em que está inserida.
"Ela fez um tipo que deu certo, rendeu muitas temporadas de um seriado infantojuvenil. Para romper com ele, tem que ser radical porque a outra imagem colou."
Do ponto de vista da moda, a esquisitice que Cyrus apresentou no prêmio da MTV tem a ver com a contemporaneidade, e a nudez, com uma tendência fashion atual, a da não-roupa. A opinião é da consultora de moda e professora da Faculdade Santa Marcelina, Mariana Rocha.
"Não sei se a Miley vai impregnar o mundo do consumo. Funciona mais como susto, ruptura. Nesse sentido ela acertou", diz Rocha, que considera mais interessante o uso do politicamente incorreto que o bom mocismo.
"Antes, uma mulher para ficar adulta virava romântica. Hoje, é preciso esfregar a sexualidade na cara das pessoas. É excitante a ideia de arriscar a carinha de boa moça. Agora, o cabelo foi imperdoável. Ainda bem que cresce."
*
O ASSASSINATO DE HANNAH MONTANAVeja o que a cantora Miley Cyrus está fazendo para provar que cresceu
1992
Nasce Destiny Hope Cyrus, filha do cantor country Billy Ray Cyrus
2001
Interpretou o primeiro papel na TV, na série 'Doc'
2006
Foi ao ar como Hannah Montana pela primeira vez em 24 de março. Os episódios da série tinham em média 4 milhões de espectadores, fazendo com que Miley Cyrus se transformasse rapidamente em febre infantil
2008
Em janeiro, mudou sue nome na Justiça de Los Angeles para Miley Ray Cyrus. Aos 15, faz ensaio para a revista norte-americana "Vanity Fair" em que posa coberta por um lençol de cetim em foto de Annie Leibovitz. A foto gera a primeira polêmica da carreira da cantora e atriz
2010
Lança clipe da música "Can't Be Tamed", que marca o momento da virada, em que aparece com roupa provocante e cabelão armado dentro de uma gaiola. Um vídeo mostra a cantora fumando um narguilé. A assessoria da cantora disse que a substância em questão era sálvia
2012
Manda fazer um bolo em forma de pênis para o aniversário do então noivo Liam Hemsworth e teve fotos em que brincava com o doce vazadas na internet. Corta os cabelos curtíssimos e adotou um tom loiro descolorido
2013
Cyrus faz menção ao ato sexual ao dançar com o cantor Robin Thicke em premiação da MTV e lança o clipe "Wrecking Ball" em que aparece nua e lambe sensualmente um martelo
ANÁLISE
De escândalo em escândalo, artista ganha mais espaço na mídia
ALBERTO PEREIRA JR.EDITOR DO "F5"Sinéad O'Connor clamou em uma carta aberta para que Miley Cyrus não deixasse a indústria prostituí-la. O conselho de quem já viveu no olho do furacão se transformou em mais uma das polêmicas e manchetes de sites, jornais e revistas que adotaram a ex-Hannah Montana como a próxima celebridade a ter a "queda" seguida.Por ora, a cantora tem usado muito bem essa mídia espontânea -e devidamente calculada- para expurgar cada milímetro de seu alter ego mais famoso, a protagonista da série teen exibida entre 2006 e 2011. Assim, pode ressurgir como a "vagabunda" que, pasmem, sempre disse ser. Mudar sua imagem e vender mais discos.
Miley diz no "Saturday Night Live" que Hannah Montana foi assassinada. Vira manchete. Diminui progressivamente o comprimento de roupas e cabelo (moicano, raspado, descolorido, birotes, chifrinhos). Nova manchete.
Namora, noiva e depois termina romance com o galã de Hollywood Liam Hemsworth. Mais um título.
Compartilha nas redes sociais declarações sobre amor igualitário gay e pró-maconha. E diz que cocaína é "nojenta". Mais uma capa.
Junta-se a fotógrafos tarimbados como Terry Richardson, que também a dirigiu nua e toda rebolativa em cima de uma bola de demolição em um vídeo ("Wrecking Ball").
Emula as negras americanas que chacoalham seus traseiros como num stripclub, no VMA. É acusada de racismo e de degradar a honra de uma bailarina anã que participou do ato, embalado pelo lema: "Não podemos parar".
Bem calculada, essa Miley atrai a atenção do jovem adulto que não liga para o mundo cor-de-rosa das princesas, transgride a pasmaceira do pop teen e alimenta a indústria de celebridade. Preocupa os adultos. Mas tudo bem, de acordo com ela, após os 40 anos, eles não transam mesmo, precisam de alguma atividade. Não é Sinéad?
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