sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Para Sheila Mann, refeição pode ser passo para o entendimento entre árabes e judeus

folha de são paulo
MARÍLIA MIRAGAIA
DE SÃO PAULO
Quando era pequena, minha mãe controlava minha alimentação, eu gostava muito de comer. Ela cozinhava receitas locais, árabes, feitas seguindo preceitos judaicos.
Nós, judeus, não podemos misturar carne com leite e fazemos compras em açougues kosher. Eles existiam no bairro judeu onde morávamos,
em Beirute, no Líbano. Nele, também havia sinagogas.
Rama de Oliveira/Divulgação
Escritora Sheila Mann, autora do livro "Culinária do Líbano a Israel"
Escritora Sheila Mann, autora do livro "Culinária do Líbano a Israel"
Poucas coisas não kosher entravam em casa. Uma delas era cabeça de carneiro assada. Se pudesse, comeria inteira, sozinha. Mas, naquela época, tínhamos de dividir tudo.
Lembro da minha mãe desembrulhando, bem devagar, a cabeça, que vinha envolta em papel-manteiga e era temperada com pimenta-síria.
Ela separava cada pedacinho -as bochechas, a língua, o miolo- e distribuía. O miolo, macio, era meu favorito.
Lembro das comidinhas de quando ia para escola. Tinha pasta de damasco, pizza de zaatar, rosquinhas com sumac e picles de nabo. É uma pena que tinha só uma moedinha.
Tinha 13 anos quando fomos morar em Israel. Foi uma mudança inesperada. Acho que meu pai pressentiu que a situação ia piorar. Isso aconteceu anos antes de estourar a guerra civil libanesa.
Lá, continuamos a cozinhar as mesmas receitas árabes. A comida de Israel é muito parecida com a árabe.
Já estava no sexto mês no Exército, obrigatório também para mulheres, quando conheci meu marido, um judeu que nasceu no Líbano, assim como eu. Mudei para o Brasil, onde ele já morava.
Aqui, comecei a me interessar mais pelas receitas da minha mãe. A cozinha aproxima as pessoas. Quando você se senta à mesa tem algo em comum com o outro: todos dependemos de comida.
Sou artista plástica e, depois que o chef Ferran Adrià participou da mostra de arte Documenta de Kassel, tive a ideia de fazer uma performance artística conectando a gastronomia e a convivência entre judeus e árabes na Pinacoteca.
Decidi me envolver com essa questão depois que o rabino Henry Sobel nos lembrou que judeus e árabes são apenas dois povos habitando a mesma terra, somos os dois lados da mesma moeda.
O Estado de Israel precisa existir, mas não concordo com a política do governo atual em relação aos territórios árabes ocupados.
Assim surgiu o "Peace on the Table". Já realizei jantares para as duas comunidades e em meu livro também trato do tema. Uma refeição pode ser um passo para o
entendimento.
*
KOSHER
Alimento preparado segundo os preceitos da religião judaica
SUMMAC
Usado como condimento, é um pó vermelho e ácido extraído das folhas do arbusto sumagre
ZAATAR
Mistura de tomilho moído, summac, sementes de gergelim torradas e sal
SERVIÇO
Culinária do Líbano a Israel
Autor Sheila Mann
Quanto R$ 99 (167 págs.)

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