sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Muitas emoções - Barbara Gancia

folha de são paulo
Sou do tempo em que a pessoa mais desequilibrada da sala costumava ser sempre eu. Para você ver como as coisas mu­dam. Hoje, consigo não só contar até dez antes de cometer alguma asneira, como fui buscar prazer em outras localidades que não os buei­ros infectos que outrora visitava nos horários em que o cidadão de boa cêpa começa a adentrar o 13º ciclo REM do sono.
Não chego a ser nenhuma Darlene Glória arrependida, mas já con­quistei o troféu Baby Consuelo da regeneração. Uma Baby Consuelo, veja bem, SEM empresária (pé de pato mangalô três vezes!), mas ain­da assim que fez da recuperação da dependência seu sacerdócio e da virtude da vida saudável seu lema.
Nem por isso, deixo de estar imensamente preocupada. Sabe o que é? Ontem vi na "Ilustrada", na co­luna daquele adônis do Calligaris, que quem não lê ficção literária bom sujeito não é. Não adianta ler apenas. Nos últimos tempos, tro­quei a remuneração de um traba­lho feito para uma livraria pelos se­guintes e portentosos volumes: "Formação do Brasil Contemporâ­neo", Caio Prado Jr.; "Raízes do Brasil", Sérgio Buarque de Holan­da; "A Integração do Negro na So­ciedade de Classes", Florestan Fer­nandes e assim vai.
Pois é, nem abri. Alguns foram e voltaram de Miconos virgens, ou­tros eu levei para conhecer uma das maravilhas do mundo, a cidade de Machu Picchu, e mais um par foi comigo até a Terra do Fogo, e de lá voltamos três desconhecidos.
Se eu não leio nem mesmo livros que me dariam substância para en­tender o país em que vivo e, conse­quentemente, para tentar enrique­cer minha conta bancária, digo, o meu diálogo com você, meu ursi­nho de pelúcia, imagine se eu teria tempo de enfrentar um "Moby Dick"? Contardo menciona estudo que diz que a ficção ajuda a aprimo­rar a capacidade de reconhecer o que os outros sentem, nos ensina a ter empatia.
Ou seja, estou perdida e o mundo prestes e escoar pelo ralo. Entre iPhone, iPad, BigMac e WhatsApp, ao fim do dia tão sugada, que só con­sigo ficar olhando imagens no Ins­tagram antes de pegar no sono. Nem mesmo na reprise de "Água Viva" consigo me concentrar.
Nem mesmo para ler provérbio no Facebook eu tenho mais foco. Os 140 caracteres do Twitter então, são "Cem Anos de Solidão". Rever um filme do Bergman hoje em dia equi­valeria aos 27 anos passados por Mandela em Robben Island. Mas o problema maior não sou eu.
Sejamos sinceros. Eu já estou no ponto para moer e servir de ração para peixinho dourado. E já me dis­pus a mandar às favas Facebook, Instagram e Twitter. Reconheço que estou passando dos limites. Re­de social e fissura em iPhone, depois da coluna do Contardo só na eventualidade de algum assunto de interesse maior, como um ataque de tarântu­las censoras ao STF.
A questão maior é como domar a testosterona dessa geração de ga­rotos que passam o dia enfurnados no quarto com o nariz grudado na tela. Quando são obrigados a lidar com a vida real, em um mundo em que figura paterna e materna estão cada vez mais bagunçadas, eles es­tão sem saber distinguir entre real e virtual.
Nesta semana, ouvi relatos apavo­rados de uma testemunha sobre um jovem que trafegava pela zona sul sobre a caçamba de uma pick-up desferindo golpes em motoboys com taco de beisebol. Na cabeça. O camarada parecia estar se divertin­do muito. Claro, assim como a dis­tinção entre sexo virtual e sexo na vida real, o GTA (Grand Theft Au­to) de verdade deve ser bem mais emocionante do que o jogo.
Barbara Gancia
Barbara Gancia, mito vivo do jornalismo tapuia e torcedora do Santos FC, detesta se envolver em polêmica. E já chegou na idade de ter de recusar alimentos contendo gordura animal. É colunista do caderno "Cotidiano" e da revista "sãopaulo".

Um comentário:

  1. muitas emoções mesmo. acho ótimo escrever sob esse efeito pra poder falar dele. cá ficamos nós, na mesma dúvida, no mesmo non sense que você, depois de ler teu texto.

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