À luz de um penteado
Dante de Blasio e o black power mais falado dos últimos quarenta anos
por CLAUDIA ANTUNES
Um rapagão alto e articulado de 16 anos, Dante ostenta um “afro estupendo”, na definição agora célebre do jornal nova-iorquino Daily News (os americanos chamam o corte de afro ou, carinhosamente,’fro). O jovem já tinha chamado a atenção quando discursou ao lado do pai, em janeiro. Mas sedimentou sua fama em apenas trinta segundos, como protagonista de um vídeo lançado em agosto, na reta final das eleições primárias que consagraram De Blasio, o ouvidor público de Nova York (um cargo eletivo), como o candidato do Partido Democrata.
Com sua voz de barítono, Dante afirmava que Bill de Blasio era o único democrata “com peito para romper com a era Bloomberg” – o prefeito há quase doze anos e ex-republicano Michael Bloomberg, dono da agência de informações financeiras que leva seu nome. Entre promessas de mais verbas para a educação e para casas populares, o rapaz anunciava que o candidato acabaria com a prática da polícia nova-iorquina de revistar maciçamente pessoas consideradas suspeitas; prática, dizia o jovem, “que visa injustamente gente de cor” (só 10% dos revistados são brancos, que somam 33% da população da cidade, segundo os critérios do Censo oficial).
“Bill de Blasio será o prefeito de todos os nova-iorquinos, não importa onde vivam ou que aparência tenham”, afirmava Dante no comercial. O pulo do gato vinha na última frase, editada sobre a imagem do garoto caminhando ao lado do candidato na rua em que moram no Brooklyn: “E eu diria isso mesmo que ele não fosse meu pai.”
O carisma de Dante foi fundamental para a eficácia da propaganda, que procurava enfatizar a coerência entre a vida pessoal e a mensagem política de De Blasio. Descendente de italianos e alemães, o democrata é casado com uma escritora negra, Chirlane McCray, com antepassados no Caribe e em Gana. Famílias inter-raciais como a deles correspondem a apenas um em cada dez casais americanos, embora seu número venha crescendo.
O vídeo foi ideia do marqueteiro John del Cecato, sócio de David Axelrod, responsável pela campanha que elegeu Barack Obama em 2008. Surgiram críticas de que De Blasio estava explorando o filho para ganhar o voto dos 25% de moradores da cidade que são negros (outros 29% são de origem hispânica). Elas foram, entretanto, eclipsadas pela espontaneidade de Dante. Ele declarou que pretende seguir carreira política, e disse ao site DNAinfo.com que gosta quando elogiam seu penteado e querem tirar fotos a seu lado. “Para ser sincero, o cabelo é meu e fico feliz de exibi-lo.”
O coro de admiração foi engrossado por Obama. O presidente lembrou que teve um corte parecido lá pelos idos de 1978. “Mas tenho que admitir que o meu afro nunca foi tão bom assim. O meu era um pouco torto.” Por coincidência, a ultracomportada apresentadora Oprah Winfreyestrelou a capa da edição de setembro de sua revista O com um gigantesco black.
O adolescente contou que cultiva o penteado desde criança. Inspirou-se no personagem Huey Freeman, do desenho animado The Boondocks, uma sátira das relações raciais nos Estados Unidos. “Eu só estava trazendo de volta um estilo que significou muito. Um monte de gente mais velha gosta de contar como usava o cabelo afro nos anos 60 e 70”, disse.
O black power perdeu a aura revolucionária daquela época. Virou retrô, mas ainda é visto com preconceito, inclusive, ou principalmente, no Brasil. Em janeiro, soube-se que o blog de uma maternidade paulistana dava dicas a mães que queriam alisar os cabelos das filhas para deixá-las “mais bonitas”; recentemente, causou controvérsia nas redes sociais a notícia de que o órfão adotado por um casal gay na novela das nove da TV Globo, Amor à Vida, teria o seu black power cortado.
O corte clássico de Dante, perfeitamente arredondado, dá trabalho. Ele disse que afofa o cabelo todo dia e o apara uma vez por mês. No salão carioca Gente Bonita, explica-se que é usado um garfo – um pente de cabo curto e dentes grossos – para soltar a raiz e armar os fios. O nome do salão vem do lema Black is beautiful, cria da luta pelos direitos civis dos negros americanos, que, entre muitas outras coisas, inspirou quem tem cabelo crespo a resistir ao alisamento. “A gente não quer viver escovada, quer viver enrolada”, declarou a cabeleireira Michele Souza.
Michele, dona de um black power considerável, disse que a sofisticação dos cosméticos e dos apliques cacheados – naturais ou sintéticos – abriu novas possibilidades de penteados. Entre eles as trancinhas inspiradas em tradições africanas, que podem ser do tipo nagô, entrelaçadas seguindo o couro cabeludo, ou rastafári, soltas. Na família De Blasio, Chirlane usa tranças, enquanto a filha Chiara, de 18 anos, ostenta um afro mais curto do que o do irmão, com “molinhas” nas pontas.
m outubro, as pesquisas colocavam Bill de Blasio mais de quarenta pontos à frente do principal rival, o republicano Joseph Lhota. Se elas se confirmarem neste início de novembro, o democrata será o primeiro prefeito nova-iorquino a ter um filho em escola pública. Para completar o vanguardismo da família, Chirlane foi militante de um grupo de feministas negras lésbicas antes de conhecer o marido. Na época, 1991, os dois trabalhavam para o prefeito David Dinkins.
Para uma cidade que tem prefeitos conservadores há vinte anos, o voto em De Blasio representa uma mudança e tanto. Visto dos Estados Unidos do Tea Party, ele seria considerado de extrema-esquerda: defende imigrantes sem documentos e aumento dos impostos dos ricos. Na caça às bruxas da Guerra Fria, o pai e a mãe do democrata chegaram a ser injustamente investigados por supostas atividades comunistas. Bill de Blasio, que estudou política latino-americana na Universidade Columbia, militou na juventude em favor da Revolução Sandinista na Nicarágua.
Uma enquete do New York Times mostrou que os nova-iorquinos nem apoiavam todo o programa de De Blasio. Quase metade, aliás, era favorável à estratégia de revistas da polícia, conhecida como stop-and-frisk (a prática foi condenada pela Justiça dias depois do anúncio com Dante, e Bloomberg está apelando). No entanto, a maioria achava que o democrata entendia melhor suas necessidades e problemas, isto é, ele parecia alcançar o nirvana dos políticos, que é serem a projeção das expectativas do eleitor.
Dante, que acompanhou o pai no corpo a corpo da campanha, foi seu sócio na construção dessa reputação. Num vídeo gravado na rua em setembro, uma eleitora, brincando, elogiou não o corte de Dante, mas o de Bill de Blasio – um curtinho discretamente arrepiado. “Um elogio ao meu cabelo? Nem consigo me lembrar da última vez que isso aconteceu”, respondeu o candidato, puxando o filho para seu lado. “Eu tenho vivido à sombra de um penteado.”
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