A sério
RIO DE JANEIRO - Olhei e vi. Dentro de uma caixa de vidro no Museu do Cinema, em Frankfurt, uma pilha de latas de filme. Ao lado, uma placa com a inscrição: eram os rolos originais de "Tystnaden", de Ingmar Bergman. Nem pisquei: "Tystnaden", de 1963, chamou-se no Brasil "O Silêncio" e ficou famoso por levar anos proibido. Liberado em 1965, viu-se que não tinha nada demais --um ou outro incesto ou lesbianismo, aquelas coisas de filme sueco.Os meninos da Geração Paissandu --um cinema de arte no Flamengo, nos anos 60-- só tratavam os filmes pelos títulos originais. Ninguém diria "Um Corpo que Cai", de Hitchcock, quando podia dizer "Vertigo", nem contava vantagem por isso. Os de Bergman, todos sabiam: "Noites de Circo" era "Gycklarnas Afton"; "Sorrisos de uma Noite de Amor" era "Sommarnattens Leende"; e "Morangos Silvestres", "Smultronstället".
Mais difíceis eram os japoneses --"Contos da Lua Vaga", de Mizoguchi, era "Ugetsu Monogatari"; "Harakiri", de Kobayashi, era "Seppuku"; e "Homem Mau Dorme Bem", de Kurosawa, era "Warui Yatsu Hodo Yoku Nemuru". Com pronúncia certa ou errada, era como chamávamos os filmes.
Além disso, títulos em português eram um perigo. Um dia alguém se referiu a "Prima della Rivoluzione", do Bertolucci --"Antes da Revolução"--, como "A Prima da Revolução". Que gafe! Era como chamar "Les Cousins" --"Os Primos", de Claude Chabrol-- de "Os Cuzinhos". Ou "Les 400 Coups" --"Os Incompreendidos", de Truffaut-- de "Os 400 Cus".
Nunca pensamos que, no futuro, os tradutores intitulariam --a sério-- "After Hours" (tarde da noite), de Scorsese, como "Depois de Horas"; "The Day After Tomorrow" (depois de amanhã), de Roland Emmerich, como "O Dia Depois de Amanhã"; e "Whatever Works" (qualquer coisa que dê certo), de Woody Allen, como "Tudo Pode Dar Certo".
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