ALBA ZALUAR
Táticas fora de lugar
Se o objetivo dos "black blocs" não era o fim da política de pacificação, o efeito terá sido este. Acabou o sossego nas favelas ocupadas pelas UPPs
A globalização é, de fato, um processo irresistível, até mesmo nas novas formas de protesto contra diferentes governos em diferentes contextos sociais no nosso vasto e lindo planeta. O problema é que a imitação fica descontextualizada.
Os "black blocs", a Mídia Ninja, com seus múltiplos grupelhos, são contra a globalização, mas nada mais global do que seus nomes de super-heróis e suas táticas de "occupy", ditas sempre em inglês.
Copiam a tática dos "black blocs" e "squatters" na Europa e nos Estados Unidos, mas não a finalidade política destes, que é o combate ao capital financeiro.
Lá, ocuparam a City em Londres, Wall Street em Nova York, além de atrapalharem as reuniões do G8 e do Fórum Econômico Mundial. Tinham foco e coerência política.
No Rio de Janeiro, sem nenhuma palavra de ordem, ocupam sempre a Cinelândia e a avenida Rio Branco, locais históricos das reuniões políticas na cidade. Em São Paulo, ficam na avenida Paulista ou no largo São Francisco, também locais de manifestações políticas na construção do Estado de Direito no Brasil.
Nas duas cidades, atacam prédios tombados pelo patrimônio, destroem equipamentos urbanos fundamentais para os moradores, arrasam vidraças e terminais eletrônicos de algumas agências usados pelos modestos clientes de bancos, obstruem o trânsito por horas depois das passeatas pacíficas com veículos ou lixo queimados, objetos variados espalhados no meio da rua e a formação do bloco de confronto com a polícia, impedindo que trabalhadores cheguem em casa para seu sono reparador.
O maior objetivo de tais grupos, segundo suas declarações, é impedir a realização da Copa e da Olimpíada, que movimentam a economia das cidades e do país. Em vez de fazerem críticas pontuais aos erros cometidos na montagem dos eventos, querem que se jogue fora tudo o que já foi construído e gasto para realizá-los. Afirmam que combatem o capitalismo, inimigo maior da humanidade, mas escolheram alvos no mínimo deslocados.
No Brasil, estamos na fase de consolidar a democracia, os direitos sociais tão importantes para combater a desigualdade, o respeito ao bem público, o acatamento ao espaço público ainda mal definido, mal compreendido e pouco respeitado.
Não é a hora de impor mal-alinhavadas ideias sobre uma suposta sociedade futura sem mercado, sem Estado, portanto sem tudo que sabemos fazer parte da democracia. Tanto é que, na hora do sufoco, quando são presos, se valem das instituições que funcionam a ponto de defender e libertar aqueles que as atacam sempre.
Ainda bem que o Estado democrático de Direito está se consolidando no Brasil e suas instituições ainda não foram desconstruídas como propõem Foucault, Negri e outros ideólogos do neoanarquismo.
Há também as consequências não intencionadas. Entre elas, o aumento da criminalidade nas duas cidades, cuja curva de inflexão se deu justamente a partir de julho, quando a tática da violência esvaziou as manifestações populares.
No Rio de Janeiro, jovens usuários de drogas e pequenos repassadores estão sendo pagos para participar "quebrando tudo". E os traficantes, com o moral reforçado e o espírito de luta recuperado, tentam reaver o domínio territorial perdido, reacendendo a guerra entre os comandos e destes com a polícia.
Se o objetivo da tática não era o fim da política de pacificação, o efeito terá sido este. Acabou o sossego dos moradores de favelas ocupadas pelas UPPs. O tiroteio voltou.
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