sábado, 19 de outubro de 2013

Poetinha ou poetão

'Black Orpheus' será lançado na Broadway só com atores negros


 
NELSON DE SÁ
DE SÃO PAULO
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Vinicius de Moraes estreia na Broadway daqui a um ano, no início da temporada teatral nova-iorquina de 2013/14, a tempo de concorrer ao prêmio Tony, com "Black Orpheus", Orfeu Negro.
É um musical escrito pela dupla Charles Möeller e Cláudio Botelho a partir da peça de 1957, "Orfeu da Conceição", e do filme francês dirigido por Marcel Camus em 1959, "Orphée Noir", que também foi baseado na peça de Vinicius, com músicas dele e de Tom Jobim.

Anteontem, Möeller e Botelho, responsáveis por boa parte dos musicais da última década no Brasil, desembarcaram no Rio com um contrato de 46 páginas assinado com o produtor Stephen Byrd --o mesmo de "Romeu e Julieta", que acaba de estrear na Broadway com Orlando Bloom.
"Passamos uma semana em escritório de homens engravatados", conta Botelho. "O dono do projeto agora é o Byrd. A gente foi contratado para escrever o novo musical e já entregou. A família também fez um contrato de cessão de direitos."
Agora o espetáculo entra no ritmo industrial da Broadway, envolvendo "muitos produtores associados", seleção de atores, equipe. O que já está definido é que o elenco será formado inteiramente por atores negros, uma marca das produções de Byrd.
Antes de "Black Orpheus", na Broadway, houve dois musicais não necessariamente brasileiros, mas que adaptavam obras do país: "Magdalena", com música de Villa-Lobos, e "Saravá", baseado em "Dona Flor e seus Dois Maridos", de Jorge Amado.
O primeiro "ficou duas semanas em cartaz", o segundo, "exatamente três dias", descreve Botelho. "Imagina o frio na barriga que a gente tem..." Em "Black Orpheus", ele escreveu o roteiro com Möeller e fez a maior parte das versões das letras para o inglês.
Algumas letras, porém, mantêm as versões de quando foram gravadas por cantores como Frank Sinatra e Ella Fitzgerald. Como os espetáculos na Broadway demandam, em geral, mais de 20 músicas, entrarão outras que não estavam na peça, mas apenas no filme ou até mesmo escolhidas do repertório de Vinicius.


Jaguar/Divulgação
Poetinha ou poetão
Poeta popular, mas desprezado no meio acadêmico, Vinicius de Moraes faria hoje cem anos
Marco Rodrigo de Almeida
 FOLHA DE SÃO PAULO
Poucos brasileiros encarnam tão bem a imagem padrão que se tem de um poeta quanto Vinicius de Moraes.
Nove casamentos, outras tantas paixões arrebatadoras, boêmia irrefreável e fome sem limite pela vida --contrabalançada por uma melancolia que só os mais próximos sabiam reconhecer-- compuseram os 66 anos de vida intensa do escritor, compositor, diplomata, dramaturgo e jornalista.
"Foi o único de nós que teve a vida de poeta", sintetizou Carlos Drummond de Andrade. O mineiro tímido falava com admiração (e um tantinho de inveja) da "independência de espírito" do colega. E parece ser este, curiosamente, o nó central da recepção acadêmica da obra literária de Vinicius: teria ele gastado muito de sua poesia na própria vida e pouco nos livros?

Vinícius de Moraes

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Divulgação
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Vinicius de Moraes, poeta, compositor e diplomata, lê seu livro 'Antologia Poética'
Vinicius de Moraes, que completaria cem anos hoje, é ainda pouco estudado e não tem muito espaço na universidade. Teses e livros de análise dedicados aos seus poemas são poucos, segundo poetas e professores ouvidos pela Folha.
Este deve ser um dos poucos sinais de desdém na trajetória do sedutor Vinicius, ainda mais se levarmos em conta o sucesso mundial de sua carreira na música a partir do final dos anos 1950, com o estouro da bossa nova.
Victor Rosa, mestrando que prepara dissertação sobre Vinicius, diz que quase não ouviu falar dele durante seu curso de letras na UFRJ. "Costumo dizer que o Vinicius é uma espécie de América [time de futebol]. Tudo mundo tem carinho por ele, mas não tem coragem de torcer."
A repercussão crítica da obra de Vinicius ganhou impulso nos últimos anos, quando a Companhia das Letras passou a reeditar seus livros, com organização do também poeta Eucanaã Ferraz.
"Durante muito tempo a universidade esnobou Vinicius, mas ele não precisou dela para se firmar entre os leitores", diz Ferraz. "Suas músicas angariaram novos leitores para a poesia. Hoje há um novo olhar para a obra dele."
A carreira literária de Vinicius de Moraes teve uma trajetória curiosa. Seus primeiros livros, "O Caminho para a Distância" (1933) e "Forma e Exegese" (1935), depois renegados por ele, trazem versos com feição simbolista, de religiosidade opressiva e tom grandiloquente.
A grande virada começa a partir dos anos 1940, quando a sensação de culpa do poeta sai de cena e ganham espaço o erotismo, um ambiente solar e a ode às mulheres.
É a grande fase de Vinicius, com os célebres sonetos de "Poemas, Sonetos e Baladas" (1946) e "Novos Poemas (II)" (1959). Depois disso, seu foco passa a ser a música e a produção em poesia diminui.
"O sucesso com as canções obscureceu o lado poeta. Mas sinto que isso está mudando. Vinicius é o maior sonetista do Brasil, não deve nada aos grandes da língua portuguesa", diz o poeta e tradutor Paulo Henriques Britto.
'FÁCIL DE FAZER'
José Castello conta que escreveu a biografia "Vinicius de Moraes - O Poeta da Paixão" (1994) para lutar contra o estigma de "poetinha" associado a ele. "Há um desprezo grande pelo lirismo de Vinicius, como se fosse algo menor, fácil de fazer. Ficou a imagem de um show man, um homem cercado por belas mulheres, o que acabou prejudicando a avaliação do real tamanho de suas poesias."
Já o professor de literatura brasileira da USP Alcides Villaça diz que Vinicius ainda não foi compreendido de forma integral. "Ele é o poetinha, mas ao mesmo tempo tem um verso que diz 'poeta sou altíssimo'. Ele está nessas duas partes e em tudo o que está no meio disso."

Painel das Letras - Raquel Cozer

folha de são paulo

Inferno na biblioteca

A setentona "Revista da Biblioteca Mário de Andrade" abandona a sobriedade na próxima edição, prevista para o final de novembro. Aproveitando a chegada da publicação ao sugestivo número 69, a equipe editorial resolveu vasculhar o chamado "inferno" da coleção da biblioteca e dar espaço a temas "malditos".
A homenageada será Hilda Hilst, cuja morte completa dez anos em 2014. Haverá, entre outras coisas, um mapeamento de Eliane Robert Moraes sobre a etimologia da palavra "puta" e um dossiê sobre a Boca do Lixo, com fotos de Ozualdo Candeias e Jorge Bodanzky.
A revista terá novo projeto gráfico e, pela primeira vez, uma seção de quadrinhos. A biblioteca prepara eventos o lançamento, incluindo show com poemas de Hilda musicados por Zeca Baleiro.
RESCALDO DA FEIRA
Enquanto pequenas editoras foram à Feira de Frankfurt dispostas a vender obras para editores estrangeiros, as grandes mantiveram a rotina de compras -que há anos não se concentram apenas no período do evento, mas em torno dele.
Entre os títulos mais concorridos, ficaram os de "chick lit" --a mesma literatura de mulherzinha que bombou na edição de 2012, mas deixando de lado o enfoque erótico. Nesse estilo, "I Take You", de Eliza Kennedy, foi disputado por três casas e ficou com a Rocco.
Policiais nórdicos se mantiveram em alta, mas sem burburinho. O norueguês "I'm Travelling Alone", de Samuel Bjork, ficou com a Objetiva.
HQ
Divulgação
'Duas Luas', de André Diniz e Pablo Mayer, sai primeiro em Portugal, pela Polvo, no Festival Internacional de Banda Desenhada, em Amadora, no dia 25; no Brasil, não tem previsão de lançamento
Com amor
Os leilões internacionais pela autobiografia de Morrissey, recém-lançada pela Penguin Classics, estão começando. E o responsável já avisou que, além de lances em dinheiro, os editores devem enviar cartas de amor para o cantor.
Com amor 2
Em tese, as missivas serão lidas por Morrissey e terão peso na decisão. O "Telegraph" considerou a obra a "autobiografia musical mais bem escrita desde as 'Crônicas' de Bob Dylan".
Discrição
Nenhuma grande editora quer correr o risco de anunciar biografias nacionais programadas para 2014. Escaldadas pela polêmica sobre a necessidade de autorização e a possibilidade de mudança na lei, as casas preferem não se manifestar.
Discrição 2
Entre editores consultados pela coluna, Roberto Feith, da Objetiva, disse ter projetos "engatilhados", com pedidos de autorização em andamento, e Luiz Fernando Emediato, da Geração Editorial, afirmou apenas ter duas obras para breve e que vai "encarar a Justiça".
Discrição 3
Carlos Andreazza, da Record, adianta que tem nova biografia não autorizada de Otavio Cabral ("Dirceu"), também sobre político, mas "de direita, e pela qual correremos riscos".
Papel social
Já a independente Alameda prevê para dezembro um estudo sobre a vida de um dos expoentes da música nacional, "A Trajetória Social de Raul Seixas - Uma Metamorfose Ambulante no Rock Brasileiro", defendida como dissertação de mestrado por Lucas Marcelo Tomaz de Souza, na Unesp.
Papel social 2
A obra segue Raul da Bahia a São Paulo, mostrando como criou a imagem de "Maluco Beleza".
Viralatas
Ademir Assunção, vencedor do Jabuti de poesia com "A Voz do Ventríloco" (Edith), lança em novembro CD com sua banda Fracassos da Raça. O álbum se chamará "Viralatas de Córdoba", homenagem à quantidade de cães que o poeta viu nas ruas ao visitar a cidade espanhola --e para os quais os moradores deixavam ração e água nas esquinas.
painel das letras
Raquel Cozer é jornalista especializada na cobertura de literatura, mercado editorial e políticas de livro e leitura. É colunista e repórter da "Ilustrada", na Folha, desde 2012, com passagem anterior pelo caderno de 2006 a 2009. Foi repórter do "Sabático", no "Estado de S. Paulo", e do jornal "Agora", do Grupo Folha. Também trabalhou nas editoras Abril, Globo e Record. Escreve a coluna Painel das Letras, aos sábados.

Drauzio Varella

folha de são paulo
A peste negra
A febre atingia 41 graus, os vômitos eram sanguinolentos e havia complicações pulmonares
Foi a mais mortal das epidemias. Entre 1347 e 1351, a peste negra dizimou metade da população europeia.
Embora haja desacordo, as estimativas são de 75 a 200 milhões de mortes. Estudiosos mais conservadores estimam que a população mundial de 450 milhões teria caído para 350 a 370 milhões.
A bactéria causadora da epidemia teve origem na China ou na Ásia Central, de onde viajou pela rota da seda, nos intestinos das pulgas que infestavam os ratos. Chegando ao Mediterrâneo, os ratos se encarregaram de levá-las para os navios, que disseminaram a doença pelos portos em que atracavam.
Relatos históricos dão conta do sofrimento humano. O poeta Boccaccio, que viveu em Florença nessa época, fez a seguinte descrição:
"Em homens e mulheres ela se manifesta pela emergência de certos tumores nas virilhas e axilas, alguns dos quais chegam ao tamanho de uma maçã, outros ao de um ovo... Dessas duas regiões do corpo esses tumores mortais logo começam a propagar-se e a espalhar-se em todas as direções; depois disso, a apresentação se modifica, em muitos casos manchas negras ou lívidas aparecem nos braços, nas coxas e outras partes, de início poucas e grandes, mais tarde pequenas e numerosas. Assim como os tumores, as manchas negras são sinais infalíveis de que a morte se aproxima daqueles nos quais se manifestam."
Faltou dizer que a febre atingia 41 graus, os vômitos eram sanguinolentos, e que alguns desenvolviam complicações pulmonares, enquanto outros se curavam espontaneamente. Cerca de 80% iam a óbito em uma semana, proporção que aumentava para 90% quando havia comprometimento pulmonar e beirava 100% nos casos de septicemia.
As explicações para as epidemias de peste que já afligiam a Europa nos tempos de Justiniano, no século 8, eram imaginativas: conjunção de três planetas que espalharia pestilência no ar, terremotos, mendigos, peregrinos, estrangeiros, envenenamento dos poços de água pelos judeus (sempre eles), suposições que justificavam massacres sangrentos.
Foi apenas em 1894, quando um grupo de bacteriologistas visitou Hong Kong, que o agente etiológico, a Yersinia pestis, foi identificado por Alexandre Yersin.
Curiosamente, mesmo antes dos antibióticos, os casos mais recentes de peste não provocavam mortalidade elevada. As bactérias daqueles tempos seriam mais virulentas ou as pessoas mais fracas e desnutridas?
O advento de técnicas modernas de sequenciamento de DNA tem ajudado a decifrar essa questão. Um grupo de canadenses e americanos extraiu o DNA encontrado em dentes e ossos de pessoas enterradas no cemitério de East Smithfield, em Londres, última morada das vítimas da peste do século 14.
Em 2011, os resultados publicados na revista "Nature" mostraram que a Yersinia pestis daquela época está extinta, de fato. O genoma desse ancestral, no entanto, é bastante similar ao da bactéria de hoje.
Trabalhando com amostras antigas e recentes da bactéria, outros grupos observaram que a peste europeia foi causada por uma das 11 cepas que já circulavam na época de Justiniano. Entre os séculos 6 e 8, teria ocorrido um "big bang" de diversidade entre as yersínias, surgindo cepas novas dotadas de agressividade variável.
De acordo com esse modelo, deslocamentos humanos como os das Cruzadas e outras guerras teriam criado pressões seletivas para que as bactérias se adaptassem rapidamente a ambientes estranhos e novos hospedeiros. Nessa luta pela sobrevivência teriam levado vantagem as yersínias mais virulentas.
A partir de 1351, quando a epidemia europeia arrefeceu, a cepa virulenta que lhe havia dado origem pôde replicar-se com menos frequência, tornando-se mais estável, portanto mais semelhante às que circulam hoje entre seres humanos e roedores.
Estudos como esses têm sido realizados com os agentes de enfermidades responsáveis pelas mortes em massa do passado: varíola, tuberculose, hanseníase, sífilis e até o da praga da batata que matou de fome 1 milhão de irlandeses, entre 1845 e 1852.
Na santa ignorância em que viviam, quando nossos antepassados medievais imaginariam que séculos mais tarde desvendaríamos os segredos mais íntimos dos germes que lhes tiraram a vida?

    Xico Sá

    folha de são paulo
    Nem a morte separa
    Mesmo o maior dos canalhas ama incondicionalmente o escudo tatuado no seu peito ainda em fraldas
    Amigo torcedor, amigo secador, vejo essa história do plano funerário "Corinthians para Sempre" e reflito com o corvo Edgar, minha mal-assombrada ave: até onde vai essa maluca relação do homem com o futebol! Tudo na vida é passageiro, menos o amor do sujeito pelo time. Nem a morte o separa da obsessão clubística. O camarada quer se apresentar no céu, no inferno ou no purgatório, seja qual for o endereço, com a credencial do amor terreno.
    Repito: homem que é homem muda de sexo mas não muda de time. As mulheres passam e nada interfere na paixão, seu dengo pelo Mengo, pelo Galo, pelo Gigante da Colina, esteja por baixo ou por cima. O homem se entrega à vida noturna, acende o king size sem filtro da vadiagem, caro Aldir Blanc, o homem, mesmo o maior dos canalhas, ama incondicionalmente, fidelidade canina, o escudo tatuado no seu peito ainda em fraldas.
    Antes que me julguem porco chauvinista --e isso não diz respeito obrigatoriamente aos machões palmeirenses--, faço constar: algumas mulheres também atingem esse grau de insanidade. Vide Glorinha, minha amiga mais são-paulina, um pedaço de mau caminho da Vila Tolstoi, na ZL paulistana.
    Embora o corintiano que paga o seu plano se julgue o mais fanático sobre a Terra, vos digo: o fanatismo independe de mídia, foguetório e barulho. Às vezes o fanatismo é religiosamente silencioso e desconfiado, como o amor ao Botafogo. Todo homem é, de certa maneira, botafoguense. Estar vivo e viver a angústia da finitude é ser, antes de tudo, Botafogo.
    O poeta Vinicius de Moraes, que hoje completaria 100 anos, continua um alvinegro eterno no seu botafoguismo platônico. Este sim não trocava uma mulher, com ou sem a beleza fundamental, por um jogo. Sabia que a Estrela Solitária sempre estaria lá, intocável, e poderia amá-la como quem ama de telescópio, como quem ama uma fêmea a distância.
    Até onde vai essa maluca relação com o futebol, meu corvo, você criatura saída da costela de Edgar Allan Poe!? Há quem diga que o mais fanático dos fanáticos é o torcedor do Grêmio. Até a pé nós iremos, mesmo com toda a dor de cotovelo de um mundo assim Lupicínio.
    Não há como medir fanatismo, nem pelos sete palmos que nos cabe nesse latifúndio. Vai dizer que haja algo equivalente ao lumpemproletariado, à poeira de classes que faz do estádio do Santinha o maior santuário a céu aberto do mundo? É difícil encontrar páreo. O torcedor do Santa Cruz, meu corvo, é um caso de outro mundo. Do mundão do Arruda.
    No que salta, mesmo hospitalizado, o querido sobrinho Rodrigo Azoubel, 18, e bota ordem na casa: epa, é Sport Recife, rapá! Rodrigo foi vítima de bala. Não bala perdida. Nem de borracha. De bala mesmo. Vítima do vandalismo de Estado que rola solto. E não só no Rio de Janeiro. No Brasil de dezembro a dezembro.
    @xicosa

      sexta-feira, 18 de outubro de 2013

      Por que inovamos tão pouco? - Marcos Troyjo

      MARCOS TROYJO
      Por que inovamos tão pouco?
      Produção científica brasileira gera cada vez mais artigos, mas poucos produtos inovadores
      O número de patentes geradas a cada ano não é a única forma de medir o que um país produz em termos de inovação. Quando, no entanto, se trata de pedir registro de novas patentes à OMPI (Organização Mundial da Propriedade Intelectual), os números são embaraçosos.
      Em 2012, os EUA entraram com 50 mil novos pedidos; China, 17 mil; Coreia do Sul, 11.000. Brasil? Pouco mais de 600.
      Por que o Brasil vai mal em inovação intensiva em tecnologia quando o mundo nos vê criativos e empreendedores?
      Nossa criatividade voltada ao mercado é bem-sucedida: o aclamado design das Havaianas e os cosméticos ecologicamente corretos da Natura são bons exemplos.
      Ademais, o Relatório de 2010 do Global Entrepreneurship Monitor aponta o Brasil como o mais empreendedor dos países do G20.
      Por que então não surgem mais start-ups brasileiras com potencial para virarem novos Googles ou Teslas? Bem, "criatividade não é suficiente", estipulava Theodore Levitt. Para esse lendário guru de Harvard, "criatividade é pensar coisas novas, inovação é fazer coisas novas".
      A inovação brasileira é do tipo "adaptação criativa", não a schumpeteriana "destruição criativa", que reinventa setores e inaugura ciclos econômicos. É a isso que convida a política industrial de substituição de importações dos últimos dez anos.
      Inovar vem da interação entre capital, conhecimento, empreendedorismo e um ecossistema que catalise tudo isso. Seria possível esperar do Brasil grandes inovações quando investimos apenas 1% de nosso PIB em pesquisa & desenvolvimento (P&D)? A média nos 20 países mais inovadores é de 2,3%.
      O Brasil concentra 80% dos gastos com inovação em instituições governamentais. A maioria dedica-se à ciência pura. Interação com empresas não faz parte de seu ethos.
      E nas universidades públicas muitos professores e alunos demonstram feroz resistência ideológica a laços estreitos com empresas.
      A presidente Dilma Rousseff busca estimular a inovação por meio do "Ciência sem Fronteiras". Ainda que louvável, o programa apenas tangencia a P&D orientada a mercado, o que requer do Brasil ambiente de negócios conducente à inovação.
      Resultado: a "produção científica" brasileira expande-se com mais e mais artigos publicados em revistas indexadas, mas poucos produtos inovadores.
      Mas se seu papel é chave, por que o setor privado investe tão pouco em inovação?
      Abismo entre universidades e empresas. Políticas que sufocam a concorrência. Complexidades burocráticas, trabalhistas e fiscais a exaurir recursos que poderiam ser destinados a laboratórios e cientistas.
      Eis os fatores que arrastam o Brasil à 56 ª posição no mais recente Relatório de Competitividade Global.
      Nosso subdesempenho inovador tem menos que ver com deficiências na ciência, criatividade ou capacidade empreendedora e mais com camisas de força microeconômicas e institucionais. Os obstáculos que coíbem a inovação empresarial são os mesmos que bloqueiam nosso caminho à prosperidade.
      mt2792@columbia.edu

        São Paulo pode ganhar 11 novos municípios

        folha de são paulo
        Projeto aprovado exige que áreas do Sudeste que pretendem se emancipar tenham ao menos 12 mil habitantes
        Deputado estadual afirma que nova regra é um avanço, mas admite que levará a aumento de gastos
        PAULO GAMADE SÃO PAULODas 74 regiões paulistas que já pretendiam se emancipar, segundo a Confederação Nacional dos Municípios, apenas 11 superam a marca de 12 mil habitantes, requisito estabelecido pela norma aprovada pelo Senado anteontem que regulamentou a criação de municípios no país. O projeto segue para sanção ou veto da presidente Dilma Rousseff.
        Associações que coordenam os movimentos de separação iniciam agora as atividades para superar o que consideram uma das principais barreiras para protocolar o projeto na Assembleia Legislativa: a assinatura de apoio de 20% dos eleitores da área afetada pela mudança.
        "A lei é é ruim porque impõe requisitos muito difíceis, mas ao menos define os trâmites. Antes, não conseguíamos dar sequência ao processo porque não havia regras", diz o químico Renato César Pereira, um dos idealizadores do Movimento Emancipa Barão, que pretende separar o distrito de Barão Geraldo, onde fica a Unicamp, da cidade de Campinas.
        Ele diz que tem conversado com líderes de outras regiões e que pretendem formar uma federação para que os grupos trabalhem juntos.
        Proprietário de uma concessionária de carros, José Nunes, que preside outra entidade do gênero, está à frente do movimento que quer separar Área Cura e mais dois distritos da cidade de Sumaré, próximo de Campinas.
        Apesar da diferença entre os dois grupos --o movimento de Barão Geraldo diz que não aceita filiados a partidos, enquanto Nunes pretende se tornar prefeito da nova cidade--, as justificativas para o pleito de emancipação são semelhantes: a distância física da sede do município e o descaso das administrações com as regiões que representam.
        "Barão é responsável por cerca de 15% da arrecadação de Campinas, e só 2,5% voltam. Não tem ninguém que lute por isso aqui", diz Pereira.
        Segundo a Frente Parlamentar de Apoio à Criação de Novos Municípios, da Câmara dos Deputados, 188 regiões em todo o país cumprem os novos requisitos aprovados. Se todos se tornarem municípios, haverá um impacto de R$ 9 bilhões mensais nos cofres públicos, segundo estimativas governistas.
        Nunes diz que o custo local é pequeno se comparado ao benefício que a descentralização trará ao distrito.
        O deputado estadual João Caramez (PSDB-SP), da Comissão de Assuntos Metropolitanos e Municipais da Assembleia, diz que o projeto é um avanço ao definir regras, "mas é temerário, porque cria gastos em um momento de crise". O presidente da comissão, deputado Roberto Morais (PPS), prevê um "batalhão de novos pedidos" com a definição das regras.
          ANÁLISE
          Modelo brasileiro estimula prefeituras sem capacidade de gerar receita própria
          PREFEITOS PODEM GASTAR MAIS TEMPO PEDINDO FAVORES DO QUE TENTANDO ELEVAR A ARRECADAÇÃO
          GUSTAVO PATUDE BRASÍLIAA criação de novos municípios pode fazer sentido do ponto de vista administrativo, principalmente em casos de transformações econômicas e demográficas. Prefeitos, afinal, conhecem mais de perto as necessidades locais.
          Há sinais, porém, de que não foram critérios tão racionais que pautaram a proliferação de municípios a partir dos anos 80 --o que gera temores sobre o texto recém-aprovado no Congresso sobre o tema.
          Com vasto atraso, o Legislativo regulamentou um dispositivo constitucional de 1996 que impunha limites à instalação de novas cidades. As normas definidas abrem caminho para 188 delas.
          O modelo federativo brasileiro estimula a existência de prefeituras sem nenhuma capacidade de gerar receitas, vivendo eternamente dos repasses obrigatórios do Estado e do governo federal.
          A partir da Constituição de 1988, municípios se tornaram entes federativos, com autonomia decisória e maior participação no bolo tributário. A condição, rara no mundo, multiplicou o número de prefeituras --viáveis ou não.
          Dados reunidos no mês passado pelo Tesouro Nacional mostram que, de um total de 4.581 municípios com dados disponíveis, 2.546 (56%) geraram menos de 10% de suas receitas orçamentárias no ano passado.
          É natural que municípios recebam recursos de outros entes da Federação, porque sua capacidade de tributar é limitada. Mesmo uma metrópole como São Paulo depende de repasses federais e, principalmente, estaduais para viabilizar um terço de seu Orçamento.
          Mas a disponibilidade de recursos garantidos por tempo indeterminado permite que prefeitos gastem mais tempo pedindo favores adicionais a governadores e presidentes do que tentando elevar a arrecadação.
          A receita com o IPTU, por exemplo, fica abaixo do potencial na maior parte do país --porque cobrar dos proprietários locais é mais difícil do que participar de marchas reivindicatórias a Brasília.

            Marina Silva

            folha de são paulo
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            Li e quero compartilhar o artigo de Sérgio Abranches (em www.ecopolitica.com.br) que mostra com clareza a ideia de aliança programática, dando exemplos de como ocorre na Europa e do avanço que pode trazer à política brasileira.
            Uso, assim, um instrumento comum na internet, onde se desenvolvem novos aplicativos para a democracia. Pelo compartilhamento recebo contribuições vindas de diferentes lugares e pessoas. Mas gosto da ideia para além do ambiente virtual, quando acontece na vida em sociedade: compartilhar é distribuir, colocar à disposição, recomendar. Assim se ampliam as possibilidades de uma nova política, na qual prospera um ativismo autoral, sem o controle das estruturas estagnadas de poder.
            A democracia controlada pelos partidos, com a participação popular reduzida ao voto nas eleições, é só o passo inicial de uma longa evolução. Lutamos para conquistá-la, devemos defendê-la contra qualquer tentativa de retrocesso. Porém essa defesa não pode ser passiva, estacionária, tem que se dar num movimento de ampliar e aprofundar.
            Podemos superar a ideia de hegemonia, que baseou a formação dos movimentos políticos modernos. Partidos buscam hegemonia na política, facções lutam pela hegemonia em cada partido, indivíduos o fazem dentro de cada facção. Paradoxalmente, a democracia torna-se o ambiente em que todos buscam reduzir a própria democracia.
            A hegemonia se faz na ocupação de espaços, na divisão de cargos, na coalizão baseada em acúmulo de poder. O atraso político leva tudo isso ao pântano, ao ponto de degradar até a linguagem das negociações. Tome-se, por exemplo, a distribuição de ministérios e secretarias "com porteira fechada", expressão que designa o controle de todos os cargos pela facção que recebe aquele pedaço do Estado.
            Só um realinhamento político ancorado num programa pode desconstruir as máquinas de hegemonia e controle através do compartilhamento, da distribuição horizontal do poder e de ideias oriundas de vários centros não hierarquizados.
            É possível ter estabilidade e "fazer as coisas" com uma política radicalmente democrática? Essa dúvida vem do medo de aceitar o outro, ouvir sua voz, compreender a necessidade de sua presença. Permanece entre nós a ideia militarista de divisão, embate, ordem unida. Eis a bipolaridade: governo contra oposição, aliados contra inimigos. No final das contas, brasileiros contra brasileiros. Repete-se o "ame-o ou deixe-o", como se fosse impossível amar e discordar.
            Numa agenda pactuada com a sociedade, compartilhando poder e responsabilidades, podemos criar um campo virtuoso em que a democracia é o ambiente no qual se gera mais democracia.
            Chegaremos lá.