quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Elio Gaspari

folha de são paulo
'Delação premiada', expressão malvada
Satanizar quem colabora com a Viúva é uma ajuda aos bandidos que avançam sobre seu patrimônio
Passou-se a chamar de "delação premiada" a conduta de uma pessoa que, tendo participado de um malfeito, decide colaborar com as autoridades em busca de alguma leniência. As duas palavras são usadas indevidamente e não constam de nenhum texto de lei. Quem colabora com o poder público não é um delator, nem a busca da leniência é prêmio. Tomem-se os casos do pedreiro Amarildo, morto durante uma sessão de torturas em julho, e do deputado Rubens Paiva, assassinado no DOI-Codi do Rio em 1971. PMs da UPP da Rocinha que testemunharam o episódio narraram-no ao Ministério Público e aos investigadores da Polícia Civil. O crime foi desvendado em poucos meses porque houve a colaboração. São delatores? Na alta hierarquia do Exército prevaleceu o código do silêncio, que, apesar de estarem vivos pelo menos cinco militares do plantel que testemunhou o que sucedeu a Paiva, prevalece há 42 anos.
Em agosto passado, depois de ter passado a colaborar com a investigação do propinoduto que funcionou no governo de São Paulo para favorecer um cartel que ganhava licitações, a empresa alemã Siemens viu-se atacada pelo próprio governo do Estado. Respondeu com uma nota oficial denunciando "um ambiente contrário à transparência e ao diálogo e que acaba premiando os que decidem acobertar as más práticas".
Há pouco, um dos fiscais que participava do esquema de mordidas montado na Prefeitura de São Paulo passou a colaborar com a investigação. Apareceu a informação de que ele era conhecido pelo apelido de "o louco". A ponderação entre o que roubou e o que ele vier a revelar dos roubos alheios será tarefa para o Ministério Público.
Em junho do ano passado, quando foi exposta a primeira rede de roubalheiras montada em torno do mercado imobiliário de São Paulo, a empresa canadense Brookfield desmentiu que se metesse em "atos ilícitos". A denúncia partira de uma ex-diretora. Quando explodiu a nova rede de achaques, a Brookfield abandonou a linha do silêncio e passou a colaborar com o Ministério Público. Contou que tomou mordidas que somaram R$ 4 milhões.
A Siemens e a Brookfield não colaboram com as autoridades porque são boazinhas, mas porque estão na frigideira dos mecanismos de combate à corrupção dos governos alemão e americano. Os mecanismos internacionais de combate à corrupção vêm humilhando seus similares nacionais. As maracutaias da Confederação Brasileira de Futebol foram expostas pelo Judiciário suíço, que pegou a rede da Fifa. Os mesmos suíços estão no pé da Alstom (prima da Siemens no cartel paulista) há cerca de dez anos.
A satanização de quem colabora com a Viúva socorre os larápios e dá serviço aos seus advogados. Afinal, os honorários pagos pelos réus do mensalão ultrapassam, em muito, o ervanário de suas roubalheiras. Quando um delinquente colabora com a Viúva, quebra-se a corrente da felicidade que posterga processos e tumultua inquéritos.
O que o Brasil precisa é de mais negociações com os malfeitores interessados em colaborar com a Viúva. Há dias o governo americano fechou um acordo de US$ 1,2 bilhão com um gênio de Wall Street que admitiu fraudar negócios. O magnata foi apanhado graças a três anos de investigações e à colaboração de seis corretores.

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