quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Prefeitura apura suspeita de desvio de dinheiro do Theatro Municipal

folha de são paulo
MATHEUS MAGENTA
EDITOR-ASSISTENTE DA "ILUSTRADA"
FERNANDO MASINI
DE SÃO PAULO
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A Controladoria Geral do Município de São Paulo investigará a suspeita de uso indevido do dinheiro arrecadado na bilheteria do Theatro Municipal entre 2005 e 2009, durante a gestão do secretário municipal de Cultura de São Paulo, Carlos Augusto Calil.
A gestão atual do teatro não sabe estimar o montante sob suspeita. Neste ano, o teatro já arrecadou R$ 3,2 milhões. A investigação surge em meio a uma crise na instituição, com suspeitas de sabotagem em espetáculos, brigas e protestos contra o diretor artístico, John Neschling.
O pedido para investigar as supostas irregularidades partiu da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, que se baseou em denúncias feitas por ex-músicos do teatro.
arte
Segundo eles, o dinheiro da bilheteria não era depositado num fundo municipal, como manda a lei, mas sim repartido com associações de músicos (Amandra, que reúne integrantes do Coral Paulistano, e APTMSP, de artistas do Municipal; veja quadro ao lado).
Para a atual gestão do teatro, há indícios de irregularidade na prática, que servia para driblar a burocracia da máquina pública --criada justamente para evitar corrupção.
Gestores culturais argumentam que as especificidades da área dificultam o cumprimento das exigências de órgãos de controle. E que a contratação de um músico não deveria ter o mesmo nível de exigência da escolha da empresa que construirá uma escola.
Com o uso de uma associação, portanto, fica mais fácil gastar recursos sem precisar cumprir uma licitação.
Há contestações de órgãos de controle sobre práticas semelhantes na Cinemateca e nos museus da Casa Brasileira e da Imagem e do Som.
Ex-gestores do Theatro Municipal (o maestro Jamil Maluf e o ex-secretário Calil) admitem a prática, mas negam qualquer ilegalidade nela.
"Que se investigue. Não há nada de ilegal", diz Calil (leia texto abaixo).
Segundo o atual diretor administrativo do teatro, José Luiz Herencia, os repasses não ocorrem mais. Ele não soube dizer quando cessaram.
"PERSEGUIÇÃO POLÍTICA"
As denúncias que motivaram a investigação partiram de músicos que atuaram no Coral Paulistano, grupo artístico do Theatro Municipal.
Sete deles alegam que sofreram perseguição política por apontarem supostas irregularidades e, por isso, não tiveram seus contratos renovados entre 2010 e 2011.
A pedido do secretário de Cultura, Juca Ferreira, a gestão atual do Municipal apurou nos últimos dez meses se as denúncias procediam. A apuração concluiu que sim, diz o secretário. Os músicos foram reincorporados em outubro. Os documentos serão enviados à Controladoria Geral do Município.
A soprano Dênia Campos, 44, diz buscar explicações para a sua saída após audições em 2010 e 2011. Segundo ela, a causa alegada pela direção da instituição na época foi "problemas na afinação".
"Há dois anos peço ao Municipal a gravação da minha prova e notas da banca", diz.
Campos deixou a Amandra em 2006 por discordar da nova atribuição da associação de gerir a bilheteria. "Não estava de acordo, não era nossa função e disseram que era ilegal."
O tenor Nelson Campacci, 47, também saiu da Amandra por, entre outros motivos, ser contra o repasse da bilheteria. "Éramos tratados como malignos lá dentro", diz.
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GESTÃO PARALELA
Associação
A Amandra (Associação Mário de Andrade dos Artistas e Amigos do Coral Paulistano do Theatro Municipal de SP) foi criada em 2003 para reivindicar direitos e captar recursos
Repasses
Em 2005, a Amandra foi escolhida pelo Theatro Municipal para receber a "reversão de bilheteria", como é conhecido o repasse de parte da arrecadação do teatro
Histórico
Em 2006, a Amandra foi substituída pela Aptmsp (Associação Pró-Teatro Municipal de São Paulo), que congregava mais artistas do teatro. Os repasses foram até 2009, segundo ex-associados
Desligamentos
Em 2006, divergências na Amandra levaram sete músicos a deixarem a associação. O principal motivo da saída foi a discordância sobre gestão financeira e os impactos dela na condução artística do Coral Paulistano
Audições
Em 2010 e 2011, foram feitas duas audições para reavaliar os 42 cantores do Coral Paulistano. Cinco dos não recontratados estão entre os sete que deixaram a Amandra. Eles alegam retaliação. O maestro que liderou as audições nega
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JOGO DE INTRIGAS
Capítulos da crise no Municipal
16 de julho
Em almoço para divulgar a temporada de 2014, maestro comenta perfis anônimos criados em redes sociais para criticar a contratação de cantores estrangeiros
10 de agosto
Um dia após a estreia da ópera "Aida", o cabo de um elevador de palco é encontrado rompido; a administração do Municipal faz registro policial do caso
15 de setembro
Uma queda de energia na mesa de luz interrompe uma apresentação da ópera "Don Giovanni"; prefeitura abre sindicância para apurar sabotagem
17 de setembro
Nova falha no sistema de luz interrompe, na terça-feira, outra sessão de "Don Giovanni"; policiais passam a vigiar quadro de luz no quinto andar da casa
24 de setembro
Theatro Municipal comunica a todos os músicos dos corais Lírico e Paulistano que os dois grupos serão fundidos em 2014; anúncio gera mal-estar
Sabotagem na ópera não foi confirmada
DO EDITOR-ASSISTENTE DA "ILUSTRADA"
A delegada responsável por apurar as suspeitas de sabotagem em dois espetáculos do Theatro Municipal neste ano afirmou que a investigação ainda não apontou nenhum suspeito.
"Foram ouvidas mais de 20 pessoas, mas ainda não temos nada de concreto", disse a delegada Giovanna Clemente, do 3º Distrito Policial (Campos Elíseos).
Segundo ela, os depoimentos não confirmam a suspeita de sabotagem. Os casos foram denunciados em setembro. Não há prazo para a conclusão do inquérito.
A gestão do maestro John Neschling, diretor artístico do Municipal desde o início do ano, enfrenta também ataques anônimos na internet --há críticas sobre a contratação de artistas estrangeiros.

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